Sofia Branco
31 de Dezembro de 2006
Público
A autora mostra como as "teorias raciais" em vigor entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX "foram influentes em Portugal", apesar de reconhecer que eram conhecidas com algum atraso. "Algumas dessas teorias foram aplicadas às "populações nativas" do "ultramar", procurando assim justificar o poder que se estava a tentar exercer sobre elas".
É neste contexto que se aposta na "produção de "saberes" sobre os espaços de além-mar", realça Patrícia Ferraz de Matos, que, no livro, enumera todos os congressos coloniais (o primeiro realiza-se em 1901) e exposições - a antropóloga recorda como os nativos foram seleccionados e negociados como mercadoria para serem mostrados na Exposição do Mundo Português, de 1940. De sublinhar o interessante capítulo dedicado às representações das populações colonizadas nos livros de leitura da escola e no cinema da altura, como "veículos de transmissão dos ideais que se queriam transmitir".
Durante o Estado Novo propriamente dito, a autora refere que o regime teve a colaboração de instituições e particulares para "formar uma "consciência colonial".
Os estudos biológicos e antropológicos que mais influenciaram a sociedade colonial portuguesa "viam na "raça" um critério de diferenciação humana". "O conhecimento antropológico, produzido no gabinete, foi essencial para a prática colonial e para a subjugação das colónias, pois conferia legitimação a teorias que caracterizavam as populações em termos da sua pertença a distintos estádios de desenvolvimento hierarquizados", explicita.
A defesa da ideologia colonialista foi transversal a diferentes crenças políticas e religiosas. "A defesa de um Portugal colonial uniu personalidades tão diferentes como o autoritário corporativista e católico Oliveira Salazar e o republicano democrático e maçon Norton de Matos. A ideologia colonial portuguesa esteve associada à ideia de missão civilizadora de Portugal."
"O discurso político defendia que a nação, na qual estavam incluídas as colónias, devia ser solidária entre todas as suas partes. Porém, esta ideia não significava que elas estivessem em pé de igualdade. Muito pelo contrário", vinca a antropóloga, referindo a hierarquia dos "estratos civilizacionais" dos nativos (tratados genericamente como "indígenas") que então vigorava: os asiáticos lideravam o ranking, com os de Macau e da Índia a serem considerados mais sofisticados e elegantes do que os timorenses; entre os africanos, os de Cabo Verde tinham um estatuto mais elevado, pela mestiçagem e assimilação de "elementos da "civilização"", seguidos dos de São Tomé e Príncipe; na base estavam os de Angola, da Guiné e de Moçambique.
Simultaneamente, o discurso das elites contém "ideias recorrentemente associadas às "populações nativas" que nos dão conta do modo como a ideia de "raça" inferior lhes está subjacente", estando entre as mais comuns a "preguiça", a "irracionalidade", o "canibalismo" e a "hipersexualidade".
Apesar disso, realça a antropóloga, "nem sempre (ou quase nunca) a mestiçagem é sugerida para resolver o problema da assimilação; o outro era visto como ser humano susceptível de se elevar (afinal, Portugal era um país católico), mas as misturas biológicas entre mundos diferentes não eram propriamente promovidas".
As Côres do Império é um documento relevante para o entendimento do que foi a política colonial portuguesa, tema ainda bastante ausente da investigação nacional.
A autora deixa ainda um recado para o presente. Embora exista hoje uma "conjuntura muito diferente", "as ideias relativas à "raça" e à discriminação étnica continuam a figurar nos discursos políticos, sociais e económicos sobre reformas, política de imigração, punição criminal ou acção afirmativa".
Artigo publicado no Público
NOTAS:
A Nova constituição colonial do «Estado Novo»
Estas medidas foram tomadas para acabar com a autonomia financeira das colónias e reafirmar a política tradicional que distinguia o "indígena", que vivia ao abrigo da lei africana e estava sujetro às leis laboriais e fiscais, do "não-indígena" ou "civilizado", que vivia ao abrigo da lei portuguesa, pagava impostos portugueses e não era abrangido pela legislação laboral
Os diplomas mais importantes foram o "Acto Colonial" de 1930 e a Constituição Portuguesa, a "Carta Orgânica", publicada para cada colónia, e a "Lei da reforma Administrativa Ultramarina", todos eles publicados em 1933
Esta legislação transformou as colónias numa entidade legal única com a própria metrópole, parte do Estado Português. e não territórios autónomos em regime de curadoria. Haveria uma lei e uma cidadania comuns, apesar de permanecer a distinção entre "indígena" e "não-indígena". Somente as populações "não-indígenas" gozavam de cidadania plena, ao mesmo tempo que se reconhecia a responsabilidade de "civilizar" os indígenas e incorporá-los progressivamente na cultura portuguesa.
O termo indígena que devia servir apenas para designar os naturais de uma determinada região (autóctones, ou nativos), era usado pelos colonos como referência aos negros, sobretudo negros iletrados.
Mas, já naquela época existiam muitos portugueses sem saber ler e escrever e que não eram apelidados de indígenas": as autoridades coloniais criaram leis, propositadamente, para desencadearem acções discriminatórias nas colónias africanas.
Em termos práticos, o «Estado Novo» saneou financeiramente as administrações e restaurou os princípios mercantilistas (as colónias transformadas numa reserva económica da metrópole) mas substituindo o sistema das reexportações do tempo da Monarquia pela obrigação dos exportadores coloniais converterem em escudos as suas divisas estrangeiras (que entram assim nos bancos portugueses). Mas o estatuto do indigenato manteve o princípio do trabalho forçado e as administrações, embora mais dependentes de Lisboa, continuam a velha tradição de práticas arbitrárias e prepotentes sobre os nativos, tendendo a agravar-se o choque e o tratamento desigual entre os colonos metropolitanos (que continuam a acorrer a África) e os crioulos. As colónias permanecem meramente como uma margem de sobrevivência do proteccionismo e do sonho de grandeza do País.
Apenas em Setembro de 1961, após o início da guerra colonial em Angola, sendo Ministro do Ultramar Adriano Moreira, foi revogado o Estatuto do Indigenato e do trabalho forçado.
Relações económicas entre Portugal e as Colónias
No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, teve início uma política restrita de industrialização, com a eterna tónica na substituição das importações, e alguns dos grandes consórcios industriais portugueses tomaram a dianteira na abertura das fábricas nas colónias. Em Moçambique, por exemplo, António Champalimaud criou fábricas de cimento em Lourenço Marques em 1944 e na Beira em 1951.
No final da década de 1950, o mercantilismo rígido dos primeiros anos modificou-se um pouco e começou a ser incentivada a industrialização das colónias.
Gravuras retiradas do site "Salazar, o Obreiro da Pátria" (Museu Salazar on Line)
1 comentário:
Parabéns pelo interessantíssimo blog. Continua com o bom trabalho.
Abraço
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