A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, março 10, 2007




Sábado em Santa Comba



As imagens da televisão podem sugerir uma dimensão engrandecida das realidades focadas: tomando um exemplo frequente e não conotável com nada de grave, digamos que é comum verificarmos que um sujeito ao vivo é de presença bem mais discreta, bem menos impressionante, do que a imagem no ecrã do nosso televisor levava a crer. Parece ter acontecido alguma coisa de algum modo semelhante com as reportagens que a TV nos trouxe do «choque ideológico» ocorrido no passado sábado nas ruas de Santa Comba Dão. Quem viu aquelas imagens pode ter pensado que a população inteira de Santa Comba e arredores saiu à rua para defender o direito de transformar a localidade numa espécie de Meca do fascismo lusitano; que todos os cidadãos locais e seus anexos são devotos fiéis do salazarismo e que foram centenas os que quiseram opor-se à recusa expressa pelos antifascistas da URAP, porta-vozes do sentimento de milhares de outros que não foram com eles. Ora, não foi assim, não é assim: nem os chamados contra-manifestantes eram mais que um punhado deles, nem a gente de Santa Comba Dão é toda devota do ditador de má-memória. Aliás, um dos santacombadenses veio explicar perante a TV o que de facto o motiva, e a muitos outros: palpita-lhe que a criação de um «museu de Salazar» suscitará um surto de turismo capaz de muito beneficiar o comércio local. Percebe-se: a vida está má. Entenda-se, contudo, que esta motivação, inocente de objectivos políticos de raiz neofascista, não significa que não esteja em curso uma campanha sorna mas muito entusiasmada que visa o branqueamento da imagem do criador do campo do Tarrafal. Não me parece que a gente que comanda essa ofensiva esteja completamente alheia à ideia do museu, como não o estará quanto ao aproveitamento do concurso ridículo, mas afinal perigoso, que é os «Grandes Portugueses» da RTP. E permita-se-me dizer que me parece pelo menos curioso que um jornal de referência tenha citado na passada segunda-feira, por três vezes sendo uma delas na primeira página, a observação de um historiador de Coimbra segundo o qual «falar de Salazar já não é vergonha». É certo que não o é, que de facto nunca o foi, dependendo isso, porém, do modo como se fala. Se for para fazer o inventário público não apenas dos muitos crimes que Salazar cometeu, ainda que não usando as próprias mãos, mas também para denunciar o verdadeiro conteúdo da sua alegadamente virtuosa política económico-financeira que saneou as finanças nacionais pelo preço da fome de muitos milhares de portugueses; para lembrar a sua cumplicidade infame com os carrascos franquistas e para esclarecer que o seu «milagre da paz» foi uma consequência da posição geográfica de Portugal no calcanhar da Europa e não dos seus talentos, é mesmo justo dizer que até se tem falado de menos de Salazar. Sobretudo nos grandes media, sobretudo na televisão pública. Porém, se se pretende agora «falar de Salazar» para induzir à sua canonização política, não apenas isso será uma vergonha como será uma impostura grave e perigosa.

Uma União que existe

Voltando às reportagens da TV e ao tema do desejado museu, é claro que, se instalado, ele consubstanciaria um permanente acto de propaganda do fascismo, coisa que a Constituição expressamente interdita. É certo que já se injectou na prática política portuguesa o entendimento tácito de que a Constituição não é para cumprir, é para «actualizar» de acordo com os interesses dominantes, mas ainda assim parece forçoso um mínimo de recato. Ou de «vergonha», para usar aqui a palavra usada pelo historiador de Coimbra. Assim como o elogio do sujeito a quem Sophia, poeta de moderada expressão, chamou o «velho abutre», feito na RTP pelo incomparável Nogueira Pinto ao abrigo do já referido concurso èrretêpaico, foi também um momento de propaganda do fascismo lusitano. Quanto ao que se passou agora em Santa Comba e à eventual repercussão que a cobertura televisiva permitiu, sublinhe-se que teve pelo menos um mérito: divulgou a existência da URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses que, ao que tudo indica, tem sido objecto de um cuidadoso boicote por parte dos grandes media nacionais que contudo falam de Salazar sem «vergonha». Mas o caso é que a URAP está aí, talvez à espera de cada um de nós, pois é claro que nem o fascismo nem os antifascistas acabaram em Abril de 74: o fascismo foi apenas afastado do poder, os antifascistas prosseguiram diversas formas de resistência, agora legal. Que a RTP tenha informado, mesmo sem muito o querer, que a URAP existe, foi um bom subproduto das suas reportagens. Não disse, é certo, que a URAP precisa de todos os antifascistas, sobretudo dos que nunca se lembraram dela. Mas fica aqui dito, pelo menos. Graças à televisão.

in Avante 2007. Março.08

NOTA:
Lembro-me de em 1974 o então «nascido» PPD (Partido Popular Democrático)», criado por Francisco Sá Carneiro, entre outros membros da chamada Ala Liberal da Assembleia Nacional de Marcelo Caetano, ter feito um comício no jardim público de Évora Estive lá e constatei que a assistência era diminuta. Contudo as fotos então publicadas na imprensa «mostravam» uma imensa multidão, devido ao ângulo de captação de imagem escolhido pelo fotógrafo.
VN

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