A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, março 15, 2007

O 15 de Março em Angola - Victor Nogueira









O 15 de Março










* Victor Nogueira
Das cartas por mim então escritas e os comentários que o tempo e outra visão ditaram posteriormente

Registaram‑se massacres no Norte de Angola, praticados por terroristas. Os europeus e os indígenas que não quiseram aderir aos terroristas foram martirizados e mortos. Muitos dos mortos foram cortados às postas pelos terroristas. Grande número de fazendas ([1]) e pontes foram destruídas. Em Luanda os civis têm‑se exaltado. Anteontem foram falar com o cônsul americano, o qual lhes perguntou o que desejavam. Após ouvir as alegações dos civis, teria respondido: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles, ouvindo isto, arvoraram a bandeira portuguesa no mastro do consulado e atiraram o automóvel do cônsul ao mar. Ontem outro grupo de civis atacou a Missão Evangélica, mas foi disperso com bombas lacrimogéneas. ([2])

Têm‑se formado Milícias de Defesa Civil do Território, nos bairros da cidade. Na Praia do Bispo ainda se ofereceram 15 homens, que têm feito a ronda nocturna. No entanto ontem eu e outro rapaz andámos a distribuir os papéis de inscrição pelo bairro. Houve uma casa em que me responderam: “Nós somos velhos, não precisamos disso. Vai‑te embora.” Essa é uma casa de mulatos. Se eles aceitassem menores de 18 anos para fazer a ronda eu oferecia‑me. Assim só precisam dos menores para fazer os serviços dum contínuo quase.

A semana passada aprendi a carregar e descarregar uma espingarda, quando fui com o meu pai ver os funcionários das O.P. [Obras Públicas] que ficam de velada à noite. O meu pai é quem abre as portas dos armazéns onde dormem. (JLF - 1961.03.24)

Registaram‑se no Norte de Angola, nas regiões de Maquela do Zombo e S. Salvador insurreições de indígenas. Há a lamentar numerosas vítimas, quer entre os europeus, quer entre os indígenas (principalmente os bailundos) que defenderam as fazendas. Segundo os relatos dos refugiados os insurrectos após martirizarem os europeus e indígenas cortaram‑nos às postas! Para evitarem a fuga dos europeus os revoltosos abriram valas nas estradas e derrubaram as pontes. Felizmente que a calma já se encontra restabelecida! ([3])

Em Luanda os civis têm‑se exaltado e já por diversas vezes atacaram pretos pela simples razão de serem pretos. Anteontem um grupo de civis foi falar com o cônsul americano, mas estes ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto (Angola) é dos pretos”. Claro que os civis indignaram‑se e, após espatifarem o carro do consulado, atiraram‑no à baía, cantando “A Portuguesa” e dando vivas a Salazar. Ontem outro grupo de civis queria fazer uma manifestação em frente do consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. No entanto mudaram de rumo e depredaram a Missão Evangélica. (NID - 1961.03.24)

Registaram‑se no Norte da Província, nas regiões de Maquela do Zombo, S. Salvador e outras, insurreições dos indígenas. Estes praticaram atrocidades. Além de assassinarem os colonos europeus mataram os pretos que a eles não quiseram aderir. Sanzalas inteiras e fazendas foram arrasadas. Graças à rápida intervenção das forças armadas as insurreições acham‑se quase dominadas. Têm‑se efectuado numerosas prisões. A grande maioria dos europeus até aqui presos são pequenos funcionários, a quem tinham prometido os cargos de ministros dos governos do Negage e de Camabatela, que se haviam de formar. As zonas assaltadas pelos terroristas estavam cheias de colonos barbaramente mutilados, estando muitos vexados, principalmente as senhoras e raparigas.

Em Luanda os civis têm‑se exaltado. No dia 22 um grupo de civis foi falar com o cônsul americano. Este ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles exaltaram‑se, arvoraram a bandeira Portuguesa no consulado e atiraram com o carro do cônsul à baía. No dia seguinte tentaram fazer outra manifestação no consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. Nesse mesmo dia assaltaram a Missão Evangélica partindo todos os vidros. (...) A Missão situa‑se perto do Colégio das Irmãs e o Consulado na Av. Marginal, mas foi disperso com bombas lacrimogéneas.

Não sei se conhecias o Cónego Manuel das Neves, aquele padre velhote que celebrava a missa na Sé, geralmente às 9 horas. Pois bem, foi preso. Com ele foram encontrados planos para diversas insurreições, uma delas em Luanda. Esse cónego seria um dos ministros do novo estado!!! (JG - 1961.03.27) ([4])

Isto cá por Angola não vai muito melhor. No entanto os nossos mortos podem contar‑se pelos dedos, comparados com as pesadas baixas que temos infligido aos terroristas. (JG - 1961.06.19)

[1] - Herdades agrícolas ou roças.

[2] - Neste processo os maus da fita eram os EUA e as igrejas protestantes, acusados de apoiarem a UPA (União dos Povos de Angola) de Holden Roberto, apresentado como um preto estrangeiro que nem português sabia falar!
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[3]- Estava creio que numa festa de aniversário quando soube dos massacres no Norte de Angola, massacres atribuídos ao mau exemplo da independência do Congo ex‑belga tempos antes, sendo Lumumba apresentado como um malfeitor e Tschombé, separatista do Katanga, como um amigo. Os massacres pareciam inexplicáveis, tanto mais quanto a maioria de nós desconhecia que semanas antes a aviação militar portuguesa tinha bombardeado aldeias e chacinado camponeses no Norte de Angola, em greve devido ao regime de monocultura estabelecido pelas grandes companhias, em detrimento das culturas tradicionais de subsistência. Neste contexto poderá ser explicado o ódio aos fazendeiros e indígenas com eles colaborantes, independentemente doutras considerações. A verdade é que entre os brancos se instalou um autêntico clima de histeria, alimentado pela publicação de fotos, notícias e romances dos massacres dos europeus, sem que a outra parte pudesse fazer o mesmo. Eram frequentes os boatos em Luanda sobre o envenenamento da água das canalizações ou da descida dos negros dos muceques, infiltrados de terroristas, para massacrar os brancos da cidade. Muitas vezes fomos todos dormir para o escritório do meu pai, num arranha‑céus na Marginal, adultos e miúdos todos deitados uns ao lado dos outros, à espera do que viesse. Este clima de histeria desculpava e justificava os massacres indiscriminados sobre os negros, linearmente o inimigo, logo ali abatidos pelas milícias populares ao menor gesto suspeito. A célebre frase de Salazar, «Para Angola e em força», marcou uma viragem no ânimo dos civis, levado ao rubro pela chegada e desfile dos primeiros contingentes militares que marchavam pela Marginal perante as ovações de quem pejava os passeios. Tropa mal preparada, que nos primeiros tempos morria como tordos nas emboscadas, com armamento obsoleto que muitas vezes rebentava na cara e nas mãos dos soldados, os maçaricos como depreciativamente começaram a ser tratados pelos brancos de Angola.

[4] - O Cónego Manuel das Neves era um velhote simpático, mestiço, com quem gostava de falar, que me baptizou, crismou e deu a 1ª comunhão. Apesar de todas as histórias que se passaram a contar, nunca o vi como um terrorista sedento de sangue. Aliás, nunca consegui embarcar nas teses maniqueístas dos brancos bons vítimas da maldade dos negros a soldo do estrangeiro. Foram criados negros que andaram comigo ao colo, me embalaram e contaram histórias para adormecer; foram negros os criados com quem brinquei; eram negros a lavadeira e os criados com quem conversava, que gostavam do menino Vitó porque os tratava sem arrogância, os considerava seus iguais e procurava que tivessem os mesmos direitos que os brancos! Lembro‑me da Maria, lavadeira, velhota, que fumava os cigarros com o morrão para dentro. Lembro‑me dos criados, como o Sebastião, o Laurindo, o Ambrósio ou o Fernando, este que se dizia filho dum soba e sucessor do pai lá na sua aldeia no sul de Angola.


Gravuras - Goya - Os desastres da Guerra


«Los desastres de la guerra» é um conjunto de 80 gravuras criadas por Francisco Goya na segunda década do século XIX e publicadas em 1863, 35 anos após a sua morte.
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