Alca alho
por Gilson Reis*
Desde que os Estados Unidos da América impuseram ao mundo, no inicio dos anos setenta, o fim do lastro do dólar ao ouro, transformando-o em única moeda internacional, bilhões de pessoas trabalham para manter um padrão de consumo e de riqueza aos americanos jamais visto na história da humanidade. Para alcançar tal discrepância foram necessárias duas guerras mundiais e dezenas de guerras locais. Foi preciso impor às nações e aos povos bloqueios econômicos, comerciais e financeiros diretos e indiretos. Como também impor ditaduras e governos fascistas para afastar qualquer possibilidade de questionamento ao império americano.
No Brasil, como em toda América Latina, a influência estadunidense foi mais marcante a partir do século 20. Podemos afirmar que durante todo este período, com pequenas exceções, os americanos impuseram ou tentaram impor medidas políticas, econômicas e culturais, com o objetivo de impedir a construção de uma nação brasileira desenvolvida, socialmente justa e politicamente equilibrada. Para afirmar os objetivos estratégicos na região, chegaram a desenvolver a doutrina Monroe: a América para os americanos.
No Brasil a política desenvolvida pelos Estados Unidos da América, em parceria com frações da elite nacional, é a expressão e o resultado de parte considerável do nosso atraso. Ao longo de cem anos de aproximação geopolítica, esta aliança marcou os principais acontecimentos históricos do país: crise de 29, iniciada com o crash da bolsa de Nova Iorque e propagada diretamente na economia nacional, proporcionando a falência da agroindústria exportadora do café nos anos trinta; a pressão permanente contra o governo nacionalista e desenvolvimentista de Vargas culminou no seu suicídio no início dos anos cinqüenta, o golpe militar e a sangrenta ditadura dos coronéis, articulada e patrocinada pelo governo estadunidense, provocou um período de retrocesso político, econômico e social inestimável ao Brasil, na crise da dívida externa no início dos anos setenta, restringindo crédito ao desenvolvimento nacional que marcou um longo período de crise econômica e social; na imposição do consenso de Washington, através da privatização, desnacionacionalizacão e precarização da economia e dos direitos sociais e trabalhistas.
Todavia, a doutrina Monroe continua atual e frações da elite brasileira pretendem manter os benefícios que estes acordos lhes proporcionam. Foi com esta mesma benevolência que, no início dos anos noventa, o governo FHC firmou com o governo Bill Clinton o acordo da Alca - Área de Livre Comércio das Américas. O acordo previa a abertura indiscriminada da economia (produtos agrícolas, serviços, indústria, etc.) dos países da América Latina e Central ao mercado norte americano.
Naquele período, o comércio brasileiro com os EUA correspondia a 35% de todas as transações externas do país. Entretanto, com a posse do Presidente Lula, a política externa brasileira muda de forma profunda. Começa o período do comércio multilateral, o reforço do Mercosul, a aproximação da Rússia, Índia e China – articulando o grupo das potências emergentes conhecido pela sigla BRIC -, os acordos sul-sul, a reaproximação com o continente africano e conseqüentemente o relativo afastamento dos Estados Unidos da América. Esta política independente patrocinada pelo governo brasileiro aumentou a capacidade exportadora nacional, o número de parceiros no comércio internacional e recolocou o Brasil em condições de definir os rumos da economia mundial, a exemplo da rodada de Doha.
Para as frações da elite brasileira, que desde o início do século 20 mantêm a posição de fusão dependente da economia brasileira com a estadunidense, a política externa do Presidente Lula é um atraso. Para estes setores e senhores, a Alca já deveria estar concretizada e consolidada.
Ocorre que o vampiro do norte, depois de trilhões de litros de sangue sugados pelas guerras, ditaduras, bloqueios, espionagem, deslealdade, encontra-se profundamente enfermo, resultado da necessidade de sangue de outros povos e nações para manter uma economia em decadência, deficitária e dependente de todo o mundo. O dólar está derretendo como um vampiro que teve o crucifixo encravado no centro do peito, o Iraque transformou-se numa grande Transilvânia com a resistência e luta de seu povo, transformado em milhares de dráculas atrás de sangue dos soldados americanos. O mundo assiste pela televisão e pela Internet o desfecho inusitado desse show de terror: o Conde Estados Unidos da América envolto em alhos e bugalhos.
Enquanto isso, a mesma elite tupiniquim que há mais de um século propõe a fusão dependente do Brasil aos Estados Unidos da América está silenciosa. Jamais imaginaram que seus sócios majoritários do norte poderiam chegar à situação atual. Para esta elite, a Alca era a única saída para a exportação brasileira. Gostariam que o nosso comércio fosse completamente atrelado ao acordo e que na atualidade alcançasse mais de 60% de toda a exportação nacional.
Felizmente, o Brasil tomou outro rumo, rompeu em parte com o consenso de Washington, expandiu e consolidou o comércio internacional, fortaleceu o Mercosul e persegue a sua ampliação, diminuiu para 16% o comércio brasileiro com os Estados Unidos da América e protegeu em parte a economia nacional da anemia econômica do Conde Drácula americano.
Quanto à elite brasileira, somente duas palavras: Alca alho - por tudo que pensa e faz.
*Gilson Reis, Presidente do Sinpro - MG - Sindicato dos Professores e dirigente nacional da CSC.
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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