| A mudez da Igreja
| Insistir em chamar a atenção para o persistente silêncio da Igreja Católica face a um mundo em acelerada degradação poderá parecer repetitivo de nossa parte. A verdade porém é que o facto se mantém e adensa. Desde o bispo de Roma ao de Lisboa, a Igreja Católica mundial emudece e entra em contradição com os seus autoproclamados deveres de «denunciar e anunciar». Não é que lhe falte matéria abundante para intervir no mundo em defesa da ética, da justiça social e dos direitos do homem. A Igreja continua a afirmar-se, em tese, defensora da pessoa humana, da sua dignidade e dos seus direitos. Mas sabe que os seus interesses privados exigem que estas intenções fiquem em suspenso, no vácuo, e nunca se concretizem na luta, na acção e na tomada de posições claras e corajosas. Então, por estratégia e por atavismo, mete a cabeça na areia. Há quanto tempo não ouvimos nós os bispos falarem em perdão de dívidas, em justa distribuição de riqueza, na condenação concreta das guerras de agressão, nos direitos efectivamente sociais da família, no respeito pela ética pública do Estado, na exploração do ser humano ou na promoção concreta do bem comum centrado no próprio homem? Que tipo de mordaça os emudece e os faz passar ao lado de crimes monstruosos como os de Guantánamo, das chacinas do Burundi e do Darfur, da faixa de Gaza, dos massacres de populações indefesas do Chade e do Sudão, das agressões ocidentais aos povos do Iraque e do Afeganistão, assumindo igualmente posições claras face aos escândalos financeiros e políticos que instalam no poder a corrupção e a prática do crime orgânico e institucionalizado ? . A obsessão da Igreja são os negócios . O silêncio é a alma do negócio. Por isso os bispos se calam. O que está em jogo e importa defender não são apenas as operações limitadas dos ajustes «de percurso» que caracterizam negociação de interesses como os da Ota ou de Fátima. Aliás, a nossa visão das coisas não se deve quedar pelo caso português. A Igreja Católica tem acerca das matérias do lucro e do poder uma perspectiva universalizante. Tece as suas teias ligando-as entre si. Invade a soberania espanhola de olhos postos nos planos do Vaticano para uma futura Península Ibérica unificada. Tem linhas geoestratégicas que desdobra no Brasil, na América Latina, na União Europeia, nos países do Leste, no continente africano ou nos confins asiáticos. Todas as suas movimentações são sigilosas, a coberto de concordatas e leis de liberdades religiosas. Ordens, movimentos, fundações, ONGS, IPSS, são agentes da acção social católica cujo o trabalho realizado esconde sempre uma realidade oculta. Conhece-se e não se conhece. Tudo mergulha na sombra de uma alta torre de silêncio. . O essencial do discurso de Bento XVI remete-o constantemente para o do cardeal Ratzinger. Acredita no Céu, no Purgatório e no Inferno. Para ele, o mais grave problema da humanidade é o ateísmo, ideia que é imediatamente perfilhada por D. José Policarpo. Os bispos falam como se as palavras não tivessem sentido próprio, apenas fossem simples articulação de sons. . Um outro aspecto que exige o exercício de imaginação do alto clero é o que se prende com a necessidade de ocultar ou alijar responsabilidades nos grandes escândalos internos da Igreja. Esta deverá ser olhada pela opinião pública comum como um paradigma espiritual erguido sobre os valores sagrados da pobreza e da castidade. . Apaga-se, pois, tudo o que contradisser essa imagem. . É justamente isto o que acontece com a pederastia ou o abuso sexual de crianças, uma chaga viva entre o clero católico, como é público e provado. Pois agora, um membro destacado da hierarquia espanhola, o bispo de Tenerife, D. Bernardo Alvarez, veio dar sobre esta vergonha o seguinte «esclarecimento»: «Não é politicamente correcto dizer que homossexualidade e a pederastia sejam enfermidades, carências ou deformações, próprias da natureza do ser humano. Na verdade, pode haver menores que consintam (esses desvios) e de facto existem. Há adolescentes de 13 anos que estão perfeitamente de acordo com essas práticas e, para além disso, desejam-nas. Inclusivamente, se te descuidares (o bispo dirigia-se aos padres espanhóis), provocam-te!...». . O ónus da culpa pela pedofilia que grassa entre os padres católicos é assim transferido para os vícios de crianças depravadas. Da Igreja e do celibato obrigatório é que a culpa não é! Assim se constrói a imagem de uma espiritualidade inexistente. A pederastia infantil situa-se em Espanha predominantemente nas instituições católicas, tal como em Portugal é frequente chegarem esses ecos e rumores de grandes institutos como a Casa Pia, obras de reintegração social, internatos católicos ou seminários. Pior, ainda, nos Estados Unidos. Mas as sentenças dos tribunais contra os padres pederastas são raras. Tal como acontece em relação aos escândalos financeiros, o abuso religioso das crianças é um facto menor. A Igreja Católica está sempre acima das leis do Estado laico. . in Avante 2008.02,21
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