
Não somente isso: demonstrar, também, que o grande paradigma metodológico - não somente à compreensão da China - das ciências humanas e do marxismo de uma forma geral reside na apreensão e utilização da categoria marxista de Formação Econômica Social. Essa perspectiva – da Formação Econômico-Social – deve ser enfatizada no mesmo grau de proporção que formas generalizantes de método (esquemas circulacionistas, tipo “teoria da dependência”, o “sistema-mundo” de I. Wallerstein e sua pobre ramificação em R. Kurz) ganham corpo e espaço tanto no campo marxista, quanto nas ciências humanas como um todo.
O objeto da Economia Política e seu caráter de classe
Independente da exposição de esquemas e modelos de desenvolvimento é  importante proceder, mesmo que de forma inicial, a uma relação entre a Economia  Política – e seu objeto de estudo – e a Geografia e uma de suas subtotalidades -  a Geografia Econômica. Isto serve a uma melhor compreensão pari passu à  consciência de que a própria aplicação de modelos e/ou esquemas deve-se obedecer  à lógica do funcionamento da Formação sócio-espacial. Até por que a formação  Econômico-social, como construção histórica, pode ser tida e lida como o ponto  de encontro entre diferentes ramos das ciências humanas. E isso fica mais  clarificado na medida em se chega no nível do específico, como é o caso da China  e seu processo recente de desenvolvimento, como veremos mais adiante.
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O processo econômico é um conjunto de ações humanas que se repetem  constantemente. Em condições determinadas, resultantes de um certo  desenvolvimento histórico da sociedade, essas ações se repetem de maneira  definida, isto é, caracterizam-se por um conjunto de regularidades específicas.  Podemos decompor essas regularidades em certos elementos, constituídos por  relações repetindo-se constantemente entre as diversas ações ou atividades que  compõem essas ações. Tais ações são designadas pelo nome de leis econômicas (1).  Tais leis, que podem ser aludidas como as “leis da Economia Política” refletem o  caráter regular de processos que se realizam independente da vontade humana.  Porém, diferentemente das leis da natureza, que têm caráter duradouro, as leis  econômicas têm caráter historicamente definido. 
Segundo Stálin, “Aqui, da mesma forma que nas Ciências Naturais, as leis  do desenvolvimento econômico são objetivas, refletem os processos do  desenvolvimento econômico, que se realizam independente da vontade dos homens.  Os homens podem descobrir essas leis, conhecê-las, e, baseando-se nelas  utilizá-las no interesse da sociedade, dar outro rumo à ação destruidora de  algumas leis, limitar sua esfera de ação, dar livre curso a outras leis que  abrem caminho pra adiante; mas não podem destruí-las ou criar novas leis  econômicas” (2).
Logo, as leis econômicas: seu caráter, sua objetividade, alcance  histórico, modo de ação, relações mútuas e suas conseqüências nas múltiplas  determinações do concreto são o objeto de estudo da Economia Política.
O desenvolvimento científico da Economia Política, historicamente, está ligado aos interesses de determinadas classes progressistas. Seu desenvolvimento inicial remonta ao momento histórico em que se verificava na burguesia um reservatório de idéias avançadas. Em primeiro lugar, a Economia Política desenvolveu-se no quadro da superação do feudalismo pelo capitalismo e em associação com a burguesia progressista de então. Na medida em que a oposição capital-trabalho tornou-se a contradição principal – e com o surgimento do imperialismo, esta contradição principal criou um aspecto principal residido nas relações centro-periferia – a ciência em questão tornou-se associada aos interesses da classe operária e dos movimentos de libertação ocupados não somente com a libertação nacional em si, mas com a apreensão dos mecanismos essenciais de planejamento econômico aos seus programas de reconstrução nacional.
Assim, ligando-se ao empreendimento magno da humanidade, o socialismo  científico, é que a Economia Política pode se desenvolver, e em compasso com  outras ciências, dar maiores contribuições à busca da síntese das relações entre  homem e natureza.
O caminho percorrido pela Geografia
Alguma similaridade pode ser encontrada na Geografia com o caminho  percorrido pela Economia Política. Isso no que se refere, essencialmente, a um  determinado fim de percurso em que ambas áreas do conhecimento passaram a ser  influenciadas pelo marxismo, ou ao menos a caminharem ladeadas, pois o marxismo,  assim como a Geografia e a Economia Política deve ser visto como uma ciência.  Quanto ao método, isso fica a cargo da dialética, as leis gerais que regem o  movimento.
Retornando, a tendência a uma postura holística e histórica da Geografia  moderna é explicada por sua raiz filosófica comum ao marxismo, a filosofia  clássica alemã. Porém diferente do marxismo, que nasce das idéias igualitaristas  (típicas das terras comunais) embandeiradas pela burguesia radical no ápice da  transição feudalismo-capitalismo, a Geografia surge a serviço do nacionalismo  prussiano contra as investidas napoleônicas, sendo assim uma determinação que  jogou papel de proa à arrancada alemã no rumo de seu capitalismo tardio (3).  
Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial é que essas duas correntes  hegelianas se encontram. Expressão do grande prestígio alcançado pela vitória da  União Soviética na citada guerra, o marxismo passa a pautar o estudo de  geógrafos franceses. Em primeiro lugar, na abordagem em termos de gênero de vida  e na escala em que foi importante à superação dos limites inerentes a tal noção,  foi ganhando campo entre os geógrafos (4). Ao longo de algumas décadas, no  âmbito da geografia francesa, o marxismo abriu luz à análise de estruturas  objetivas (relações centro-periferia, p. ex.) e lançando mão de categorias  analíticas, como por exemplo, imperialismo, colonialismo, forças produtivas,  relações de produção, entre outros.
O paradigma das ciências humanas modernas na categoria de Formação Econômico-Social
Nesta explosão de criatividade acadêmica é que a categoria marxista de  Formação Econômico-Social (ou Formação Social ou Formação Sócio-Espacial) é  resgatada e em Milton Santos é elevada à condição de mais completa e apta  categoria com capacidade de elevar qualitativamente o aparato metodológico da  Geografia. Este salto permitiu o reencontro com uma Geografia humboldtiana, ou  seja, uma ciência do todo e suas relações, mas principalmente, como a Economia  Política para Engels, “uma ciência pautada pela matéria histórica” (5).
Marx utilizou de forma muito genérica a categoria de formação social como  se vê no Prefácio à Crítica da Economia Política onde emprega esta expressão no  mesmo sentido que deu à categoria de sociedade. A expressão e/ou categoria de  formação social ganha força na análise estruturalista, porém ainda muito pobre,  pois a relaciona sem muito rigor à categoria de modo de produção e que em muitos  casos, como freqüentemente pode se observar em Althusser, acaba negando a  unidade dialética de continuidade e descontinuidade do tempo histórico. Em  oposição à leitura estruturalista, Emilio Sereni aufere que a noção de formação  social permite revelar o funcionamento lógico-estrutural e/ou sociológico de uma  dada sociedade. Assim, em Sereni a categoria de formação social ganha mais corpo  e mais legitimidade epistemológica. 
Porém, numa visão particular, é em Milton Santos que essa categoria  atinge sua maturidade e ápice como unidade científica, pois para ele, mesmo que  a formação social seja intrinsecamente ligada à categoria de modo de produção,  ela está ligada à evolução de uma dada sociedade em sua totalidade histórica.  Segundo ele (1982, p. 11), “A localização dos homens, das atividades e das  coisas no espaço explica-se tanto pelas necessidades externas, aquelas do modo  de produção puro, quanto pelas necessidades internas, representadas  essencialmente pela estrutura de todas as procuras e a estrutura das classes,  isto é, a formação social propriamente dita”. 
Pela inclusão da localização dos homens como uma determinação que pode e  deve ser abarcada pela categoria de formação social é que Armen Mamigonian  (1996, p. 202) nos lembra que M. Santos, “(...) percebeu que formação social e  geografia humana não coincidem completamente, menos pelas teorias que embasam  aquela categoria marxista e esta área do conhecimento acadêmico do que pela  prática indispensável de localização da geografia, nem sempre usada nos estudos  de formação social, daí ter proposto a categoria de formação sócio-espacial.”  
Daí não somente devermos a M. Santos um estado de maturidade dada a  categoria de formação social, mas também a uma contribuição ao desenvolvimento  do marxismo de grande vulto. Isso tem grande valia dada uma conjuntura que  possibilita a transformação em senso comum de determinados “contrabandos  conceituais” de tipo substituição da categoria de imperialismo por  “globalização”, ou mesmo, a troca da idéia de “consciência de classe” pela vazia  categoria de “cidadania”, que mais serve à perpetuação do atual status quo do  que a sua necessária substituição.
Voltando ao cerne, é justamente por ser uma construção histórica (como  concreto) é que vemos na categoria de Formação Econômico-Social o fio de Ariadne  possibilitador de um estudo que combine Economia Política e Geografia permitindo  assim, um verdadeiro salto na contribuição à elaboração de uma Economia Política  do socialismo renovada e em condições de ser parte de um todo que envolve os  desafios impostos tanto à teoria marxista quanto aos movimentos operários e de  libertação nacional deste início de século.
Notas:
(1) LANGE, O.: Moderna Economia Política. Fundo de Cultura. Rio de  Janeiro, 1962. p.55.
(2) STÁLIN, J.: Problemas Econômicos do Socialismo na URSS. Anita  Garibaldi, 1991. pp. 03-04.
(3) Sobre isto ler: AMARAL PEREIRA, R. M.: Da geografia que se ensina à  gênese da geografia moderna. Editora da UFSC, Florianópolis, 3° Edição, 1999,  pp. 110 a 114.
(4) Para Max Sorre, gênero de vida, “(...) é uma noção que designa o  conjunto mais ou menos coordenado das atividades espirituais e materiais  consolidadas pela tradição, graças às quais um grupo humano assegura sua  permanência em determinado meio.” In, SORRE, M.: “Fundamentos da geografia  humana”. In, MEGALE, J. (org.): Max Sorre. Coleção Grandes Cientistas Sociais.   n° 16, Ática, São Paulo, 1984, p. 90. 
(5) idem ao 14, p. 221. Sobre a categoria de Formação Econômico-Social  ler: SERENI, E. “La categoria de formación económico-social”. In, Cuadernos de  Pasado e Presente. n° 39. Córdoba. Siglo XXI, 1976; SANTOS, M. Sociedade e  Espaço: a formação social como teoria e como método. Espaço e Sociedade. Vozes,  2° edição. Petrópolis, 1982; MAMIGONIAN, A.: “A geografia e a formação social  como teoria e como método”. In, SOUZA, M. A. A. (org.): O mundo do cidadão, o  cidadão do mundo. Hucitec. São Paulo, 1996.   
*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).
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in VERMELHO - 30 DE JANEIRO DE 2008 - 13h16
 
 
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