A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Lá como cá: Os males da tolerância negativa


por Fabio Maciel*

Uma das características atribuídas ao povo brasileiro é a de ser cordial, com o sentido de cidadãos receptivos e ordeiros. Essa “cultura” foi incorporada pelos brasileiros, sendo extremamente positiva quando demonstra uma sociedade afável e solidária.


Acontece que a realidade é um pouco diferente dessa constatação e, em análise mais detalhada, percebe-se que o termo “cordial” conota, muitas vezes, um povo passivo, que quase nunca luta pelos seus direitos, preferindo o conformismo com a injustiça à luta necessária para a obtenção da justiça. Exemplos dessa característica condescendente não faltam em nossa história, mas aquela é explicada em grande parte por uma questão histórico-cultural: é que quando o que move o indivíduo é a premente necessidade pela sobrevivência, fica difícil de exigir uma luta que negue essa necessidade. É o caso da crítica (depois revista) de Monteiro Lobato ao homem rural (do Vale do Paraíba), denominado jeca-tatu. Como pode ser chamado de pacato, de preguiçoso aquele que sofreu e sofre com a desnutrição, com o difícil acesso à educação, além da falta de medicamentos e do convívio com uma série de doenças, a começar pela verminose? Óbvio que cabe a outra parcela da população auxiliar na conquista de condições sociais mínimas, para que a luta pela igualdade e solidariedade instale-se com força. Só assim criam-se bases para que num momento posterior todos estejam aptos e muitos lutem por um país justo e igualitário, como determina a Constituição Federal.


Em relação aos profissionais jurídicos, ressalte-se que têm por obrigação atuar em conformidade com os ditames da função social que as profissões forenses exigem, tendo por parâmetro a base principiológica do sistema jurídico brasileiro e, principalmente, o previsto no art. 3º da Constituição Federal, a seguir transcrito:

''Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.''

A não concretização do previsto constitucionalmente acarreta a permanência de uma sociedade desigual e preconceituosa, em que as oportunidades são recusadas a milhões. Diante desse quadro mostra-se mais do que a necessidade, mas a obrigação de os profissionais do direito atuarem de maneira a transformar a sociedade, e não simplesmente defender o status quo, como a grande maioria atua. Essa falta de atitude transpassa os limites do direito e, ao percorrer todas as esferas do Estado brasileiro, resulta em uma sociedade passiva, em muitos casos sem questionamento das injustiças sociais.


A cordialidade, enquanto passividade, produz conseqüências drásticas, como o não questionamento das causas das mazelas sociais. Esse problema pode ser analisado sob a ótica do binômio tolerância/intolerância. Exerce este a função de permitir ou restringir determinadas práticas em sociedade. Ocorre que, tanto a tolerância quanto a intolerância têm significados positivos e negativos. Em sentido positivo, tolerância se opõe à intolerância em sentido negativo, e vice-versa. Intolerância em sentido positivo, como salienta Norberto Bobbio, significa severidade, rigor, firmeza, qualidades todas que se incluem no âmbito das virtudes. Já a tolerância em sentido negativo, que é onde se enquadra a passividade anteriormente mencionada, significa indulgência culposa, ou seja, condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípios, por amor da vida tranqüila ou por cegueira diante dos valores. Percebe-se que a condescendência com a injustiça, ou com a falta de justiça, ocasiona desvios de conduta que degradam a vida em comunidade.


Voltando ao jurista, deve ser ele um militante não só das causas forenses, mas de todas as lutas que propiciem uma sociedade mais justa e igualitária, como nas que auxiliam na erradicação da pobreza, no acesso à educação de qualidade, no fim dos preconceitos e em maior participação política dos cidadãos. Quem sabe, um dia, a cordialidade brasileira esteja ao lado da solidariedade.





*Fabio Maciel, Advogado; Professor em cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito; Graduado em Direito pela USP; Mestre em Direito pela PUCSP; Colunista do Jornal Carta Forense

in VERMELHO 25 DE FEVEREIRO DE 2008 - 20h43

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