A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Reflexões sobre a China: (2) - F. V. Hayek x O. Lange



por Elias Jabbour*

Nesta parte 2 de minhas reflexões exponho a polêmica que envolveu Friedrich Von Hayek e Oskar Lange, professores da Universidade de Chicago, acerca da possibilidade econômica do socialismo. Relembrar esta polêmica e a forma como o marxista Lange saiu-se bem dela é importante no embate contra os neoliberais. Já do ponto de vista estratégico sua importância reside no fato de muitas das idéias de Oskar Lange terem na China e seu “socialismo de mercado” o seu grande laboratório.


O contraditório a-histórico no ultraliberalismo


Importante voltarmos o conjunto do debate em si que envolveu os defensores ou não da viabilidade econômica do socialismo. A visão de conjunto é mister na análise deste debate para perceber que os ataques ao socialismo era proporcional ao aumento da influência da URSS no mundo, notadamente por seu crescimento em meio a uma crise mundial capitalista, pós-1930 e o papel, por ela desempenhado, na 2° Guerra Mundial. Partindo de um outro nível de abstração pode se observar que a ofensiva ultraliberal era direcionada tanto ao socialismo quanto à versão século XX do welfare state.


***


Desde 1920, Von Mises e seus seguidores (notadamente Hayek e Robbins) desafiaram os socialistas com assertivas demonstrativas da impossibilidade do funcionamento de uma economia centralmente planificada.


Suas elaborações buscaram demonstrar que a inviabilidade do socialismo repousa na insuficiência do planejamento em substituir o cálculo econômico como meio de analisar a melhor forma de alocação de recursos. Resumidamente, sendo o cálculo a única forma de se auferir escassez, na falta deste mecanismo torna-se proibitiva a tomada de decisões racionais de investimentos (1).


Enfim, uma economia planificada e baseada em decisões elaboradas por agentes administrativos estaria fatalmente condenada ao caos macroeconômico.


O ultraliberalismo é legado do que desdenhosamente Marx classificou como “economia vulgar”. Resumidamente são dois os pressupostos teóricos dessa corrente: 1) da mesma forma que as leis da natureza, as leis econômicas também têm caráter universal; 2) como universais, as leis econômicas atuam de forma uniforme e invariável em qualquer lugar onde ocorram atividades econômicas. Como se vê, nos ultraliberais a Economia Política não é uma ciência voltada à matéria histórica, onde o fenômeno é visto como problema histórico e a busca de sua essência passa por sua historicização. Daí, o caráter místico, idealista e coisificador do pensamento liberal.


A essência do materialismo histórico encontra-se na demonstração de que as leis e categorias da Economia Política não são imutáveis como as leis da natureza, mas sim o resultado das relações econômicas entre os homens no curso do processo social de produção, distribuição e troca dos meios materiais. Logo, as leis da Economia Política – e as relações sociais que dela derivam – têm prazo de validade determinada pela história.


Aos ultraliberais, a propriedade privada dos meios de produção é requisito fundamental tanto para a alocação racional dos recursos, quanto para a liberdade de escolha dos consumidores.


Tomando a observação acima e agregando que na cultura liberal o processo econômico é regido por leis de cunho universal (logo, negando a formação Econômico-social), com a finalidade de colocar em xeque a hegemonia exercida atualmente no mundo este “corpo teórico”, podemos questionar:


1) A “concorrência perfeita” no capitalismo não foi substituída pelo oligopólio, cuja superação só é possível no socialismo?


2) Afirmar a inviabilidade do socialismo pelos motivos já expostos, não redunda numa surpreendente análise institucionalista em uma elaboração ultraliberal?


3) Se as leis econômicas têm caráter universal, não é contraditório enunciar a racionalidade econômica como característica intrínseca de uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção? (2)

Oscar Lange e a “solução competitiva” no socialismo


Deste embate (entre socialistas e ultraliberais) datado inicialmente da década de 1920, pode se dizer que fora gestada uma idéia sistematizada sobre a essência de uma economia mercantil sob orientação socialista. Isso, independente da hegemonia exercida pelo pensamento emanado de Moscou acerca do processo de acumulação sob o socialismo e a censura branca imposta a elaborações desta natureza.


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A principal resposta no campo marxista às elaborações ultraliberais veio de Oscar Lange (1904-1965). Suas mais importantes elaborações foram publicadas inicialmente em duas partes em 1936 sob o título On the Economic Theory of Socialism. Posteriormente, em 1938 – em parceria com Fred Taylor – a transformou em livro sob o mesmo título.


Lange, demonstrando sensibilidade ante os problemas levantados pelos ultraliberais, construiu – juntamente com Fred Taylor e Abba Lerner – um teorema que alcançou o surpreendente resultado onde um sistema socialista mediado pela planificação central e munido de um sistema de preços como referência à alocação de recursos poderia obter um ótimo resultado econômico semelhante ao obtido nos teoremas econométricos de Arrow Abreu. Para tanto, partiu de cinco premissas: 1) a diferença entre os dois sistemas encontra-se na composição de classes no poder e na forma de apropriação do excedente econômico; 2) o modo de determinação dos preços no socialismo deve funcionar de forma análoga à verificada numa economia capitalista; 3) o poder proletário deve se ocupar em princípio somente com a socialização dos meios de produção essenciais ao funcionamento da economia; 4) o cálculo econômico é essencial, pois nenhum mecanismo substitui completamente o mercado; 5) a propriedade privada em pequena escala na indústria e na agricultura é parte essencial no processo de acumulação socialista (3).


O núcleo de sua teoria é baseado na formação – no âmbito do plano – de um organismo capaz de simular o mercado. A combinação do mercado com o socialismo reside na relação dialética entre três níveis decisórios: 1) No topo da pirâmide, a Comissão de Planejamento Central com a tarefa de: a) ajustar os preços dos meios de produção de acordo com a oferta e a demanda; b) distribuir os ganhos sociais utilizando as reservas das empresas estatais; e c) apesar de seu poder, a Comissão – como na China – não tem poder sobre o que e como se vai produzir; 2) o nível intermediário ocupado pelos departamentos de administração das indústrias, responsáveis pela determinação de vários setores da produção; e 3) no plano inferior estão as empresas estatais, a permitida propriedade privada em setores não-estratégicos e as famílias.


Ao elaborar, divulgar e ter a elaboração acima colocada em prática e adaptada à realidade chinesa, Oskar Lange pode ser colocado ao lado de pensadores como A. Gramsci, M. Kalekci, I. Rangel, M. Dobb e outros no panteão dos maiores cientistas sociais marxistas do século XX (4).

Acumulação no rumo do “socialismo pleno”


Em qualquer investigação que tenha a transição ao socialismo como objeto e conseqüentemente a categoria de modo de produção como eixo, é valida a devida historicização das transições históricas como um todo. Dizemos isto para expor que diferentemente de seus predecessores, o socialismo é a única proposta de sociedade que vislumbra o fim da exploração dôo homem pelo próprio homem, logo seu processo de engendramento tende a ser muito mais complexa e tortuosa. Isso se aplica diretamente à questão que envolve o processo de acumulação socialista, dado o fato de ainda, e mesmo na fase preliminar de referida acumulação, os principais inimigos do novo regime não serem diretamente a pequena ou média propriedade privada intrínseca à realidade nacional e sim o imperialismo e os monopólios. A teorização deve estar constantemente colada à história e a realidade específica de determinada formação social. Importante repetir: isso se remete diretamente ao processo e a velocidade do processo de acumulação sob um regime de novo tipo.


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A vantagem de economistas como Oscar Lange e os gestores do modelo chinês, encontra-se no fato de haverem percebido que a solução da problemática econômica do socialismo passava pela utilização dos enunciados clássicos. Isso guarda muita importância à empreitada acadêmica da construção de uma Economia Política do socialismo para este início de século.


No terceiro volume de O Capital, Marx – influenciado por Ricardo – demonstra claramente o papel exercido pela demanda sobre a racional alocação de recursos. Isto se deve ao fato de o valor utilidade de uma mercadoria estar relacionado diretamente com a demanda efetiva da mesma.


Segundo Engels: “A utilidade que apresentam todos os bens de consumo, comparada entre si e a consideração inerente à quantidade de trabalho para produzi-los, será os fatores que determinarão o plano” (5). Em poucas palavras, Engels suscita a solução do problema. Solução esta trabalhada em demasia por Oskar Lange.


Em Lange, o socialismo demonstraria superioridade na medida em que a quantidade de trabalho utilizada na produção de uma mercadoria refletisse a quantidade marginal; logo os custos de produção tenderiam a se reduzir. Assim, em longo prazo tal custo refletiria os custos do trabalho necessário. A diferença entre os custos do trabalho e o valor real da mercadoria é conseqüência das rendas diferenciais originadas no preço dos serviços dos recursos naturais (6).


Ao levar às últimas conseqüências o processo de acumulação descrito acima, chega-se ao ponto em que a produtividade marginal do capital chegaria a zero (7). A lei da oferta e da procura e a lei do valor perderiam razão de existir na medida em que a produção de cada mercadoria se elevaria a ponto de as quantidades marginais de trabalho empregadas na obtenção de diferentes mercadorias se igualarem à razão auferida das utilidades marginais e de preços destas mercadorias (8).


A apreensão de automação industrial é a condição objetiva principal ao êxito deste processo de longo prazo. Além do já escrito, a automação industrial permite a libertação do homem do jugo da máquina: é o fim do processo de educação do proletariado que, enfim, poderia gerir a produção à sociedade.


Mas vale dizer que esse processo descrito acima, concebido pelos clássicos e melhor decifrado por pensadores como Oskar Lange deve ser passivo de prova no âmbito da formação econômico-social. Esse é o “x”. O exposto é o genérico, mas – ao contrário do momento em que se generalizou o modelo soviético – o salto metodológico reside no estudo do objeto de análise. Na China em nosso caso.


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Notas:


(1) O trabalho de Von Mises de 1920 pode ser encontrado em inglês: In Von Hayek, F. (org.): Collectivist Economic Planning, publicado em 1935. Outra obra Socialist, foi publicada em 1937 em Nova Iorque.


(2) A negação da possibilidade da racionalidade econômica no socialismo é um enunciado puramente institucionalista.


(3) LANGE, O. The Practice of Economic Planning and the Optimum Allocation of Resources. Econometrics. Chicago, 1949, vol. 17, p. 167-178.


(4) Oskar Lange, da mesma escola polonesa que produziu intelectuais do nível de Michael Kalecky, iniciou sua atividade científica na Universidade de Cracóvia em 1938. Entre 1938 e 1945 fora professor da Universidade de Chicago onde pode polemizar pessoalmente com Von Hayek. Após a 2° Guerra Mundial foi conselheiro econômico do governo indiano e ocupou variados postos de comando na planificação econômica de seu país, a Polônia, além de ter sido membro do Comitê Central do Partido Operário Unificado Polonês.


(5) ENGELS, F.: AntiDüring. Paz e Terra. São Paulo, 3ª ed., 1990, p. 335-336.


(6) LANGE, O. On the Economic Theory of Socialism. Universidade de Minnesota. 1938, p. 147.


(7) A redução da quantidade marginal a zero é produto da ação da propriedade social dos meios de produção e do planejamento.


(8) Idem à nota 6.





*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).


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in Vermelho -
23 DE JANEIRO DE 2008 - 16h10

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