A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, abril 30, 2008

Delírios clericais do Poder




«Tudo em grande» é divisa que bem poderia traduzir as orientações centrais do Vaticano, nestes tempos de Bento XVI. Numa sociedade global que «foi antes de sê-lo» e passou, sem transição, do projecto à derrocada, o alto clero católico sente que uma nova oportunidade chegou com estes cenários de tragédia wagneriana. O Estado laico está debilitado. Campeiam e corrompem as instituições, a gula pelo lucro e a ambição do poder. Políticos e capitalistas, incapazes e desonestos, cruzam-se nos corredores dos mercados. Entre os povos há desolação, miséria, fome e desemprego.
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O Vaticano está atento a estes sinais dos tempos. Chegou a altura de tocar a reunir. A Igreja voltará a ocupar o lugar que lhe compete de detentora, directa ou indirecta, das rédeas do poder, pensam os cardeais. Como nos tempos de outrora, quando era o Papa que escolhia os reis e só a Igreja ensinava a ler ou garantia ao povo um catre nos hospitais ou um caldo dos pobres. Porque a Igreja nunca esquece os esplendores passados.
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Nesta linha de acção surgiu agora em Portugal um novo bispo-vedeta – Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga. É ele, presentemente, «a voz e os ouvidos» lusitanos de Bento XVI. Tem um discurso político de intervenção, fácil de entender. Porque a igreja só é muda, «humanista e personalista», nos momentos de pausa. Quando passa à acção recorre a tácticas dinâmicas. Conhece os conteúdos reais e prepara-os para as mudanças pré-concebidas. Tudo isto adubado com o picante da demagogia.
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No aproveitar é que está o ganho...
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Olhando as ruínas dos sistemas laicos dominantes a igreja cria, assim, estratégicos espaços livres intercalares. Mobila-os a seu gosto e ocupa-os. Jorge Ortiga, por exemplo, declarou que em Portugal o Estado «é militantemente ateu» e promove «a exclusão social da Igreja». O que não é verdade, como é evidente para qualquer cidadão. A Igreja está gorda de privilégios e de isenções. Graças ao facto de Portugal dispor de uma Constituição democrática que a Igreja manipula livremente, em benefício próprio, através da Lei das Liberdades Religiosas e da Concordata. Se alguma queixa é manifestamente justa será a do cidadão comum, quando reclama contra a impunidade com que as instituições católicas abusam das normas constitucionais, as contornam e substituem nos seus princípios. O episcopado compreende tudo isto mas também entende que ao negar a evidência e ao substituí-la por uma construção virtual, mesmo que ilógica, cria condições estratégicas para o maior engrandecimento da instituição católica. Declarou, sem rebuços, Jorge Ortiga: «A Igreja tem de viver em relação permanente com a Sociedade e relativizar o Estado...» Palavras não eram ditas e já um outro bispo, Carlos Azevedo, recorria ao mecanismo das exclusões virtuais e declarava, sem meias medidas, que a área do Ensino tinha sido, durante o período fascista, um feudo da Maçonaria. É uma declaração que abertamente não tem a cobertura dos factos. Bem sabe isto, o bispo, mas desenvolve a mesma estratégia de Jorge Ortiga para diabolizar o adversário e criar um espaço vazio acessível a futuras intervenções da Igreja.
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Simultaneamente a estas tomadas de posição dos eclesiásticos, um outro anúncio começa a tomar forma. Falou-se, há pouco tempo, na formação de um novo partido político – o Movimento Esperança Portugal – e começa agora a definir-se o seu perfil. Teoricamente, proclamar-se-á da área do humanismo personalista. Terá apoios e simpatias entre as grandes centrais patronais, o Opus Dei e o mundo empresarial financeiro ligado à Obra, contando também com grandes apoios do centro-direita e da extrema-direita portugueses. Propõe-se fazer trabalho social em toda a sociedade civil.
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Este quadro de intenções configura a restauração da desmantelada Acção Católica, a «forma organizada do apostolado dos leigos» inspirada pelo papa Pio XI , em 1933, e reforçada em 1965 pelo decreto «Ad limines», do Concílio Vaticano II que lhe imprimiu a vertente de actividade missionária. Por curiosa coincidência, 1933 é o ano da consolidação do fascismo em Portugal e 1965 pertence à fase da intensificação das guerras coloniais. Caso tivesse funcionado no seu conjunto, a Acção Católica constituiria uma vasta rede de voluntariado social com uma cadeia de direcção do tipo corporativo, capaz de envolver as classes operárias e populares com os mitos favoritos de uma Igreja que no mínimo foi sempre ultraconservadora. O facto é que fracassou por falta de convicção, dos comportamentos adoptados ou de maleabilidade de organização.
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A Conferência Episcopal revela em toda esta filosofia de retorno uma falta confrangedora de inovação, de conhecimento das aspirações populares e de motivação ideológica. Pior para a Igreja, melhor para o nosso Povo.
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in Avante 2008.04.17
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A corrosão do Estado democrático

Promiscuidade entre os poderes político e económico


O PCP considera que existe uma «evidente e escandalosa promiscuidade entre o poder político e o poder económico» e que esse é um factor que acentua a «descredibilização do regime democrático».

O líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, aludindo ao estado a que as coisas chegaram, afirmou mesmo que «não é possível calar a voz da indignação» face ao que qualificou de «colonização do Estado e dos seus recursos e decisões pelo poder económico privado».
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Esta matéria saltou na passada semana para o centro do debate parlamentar e motivou acesas críticas dos partidos da oposição na sequência de recentes notícias dando conta do recrutamento de mais um ex-ministro e dirigente do PS – no caso Jorge Coelho – pela Mota Engil, uma das maiores construtoras nacionais.
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Para o PCP, que não esconde a sua preocupação por «em Portugal cada vez mais o poder político se subordinar ao poder económico», a gravidade da situação não se mede apenas por aquele mais recente caso mas sim porque esta passou a ser «uma prática reiterada e vulgarizada, bem patente no facto de metade das empresas do PSI-20 ter ex-governantes nos seus órgãos sociais».
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Tratado de Tordesilhas
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Bernardino Soares, em declaração política proferida dia 9 de Abril, falou mesmo de uma «espécie de Tratado de Tordesilhas entre o PS e o PSD, com umas abertas para o CDS/PP», citando numerosos exemplos dessa via aberta pela qual ex-governantes transitam para as cadeiras dos conselhos de administração de grandes empresas e grupos económicos.
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Uma relação espúria que não se esgota neste plano mas que tem igualmente expressão na própria Assembleia da República, acusou o presidente da bancada comunista, exemplificando com a «profusão de cargos e consultorias» nas mais variadas empresas.
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Bernardino Soares referiu-se ainda, sem citar o nome, ao caso do deputado Vitalino Canas, porta-voz do PS, que «é provedor das empresas de trabalho temporário e defende, claro está com toda a “independência”, que a legislação laboral devia ser ainda mais liberalizada».
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Lesar o interesse público
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Não é de estranhar, pois, face a tal panorama, aos mais diversos níveis de poder, que o País assista ao multiplicar de «decisões lesivas do interesse público» por parte dos governos.
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Fundamentando a acusação, Bernardino Soares citou, entre muitos outros, os processo de privatizações, a «escandalosa impunidade da banca no aumento dos lucros e diminuição dos impostos pagos», a «subordinação do Estado ao domínio informático da Microsoft», a «entrega da rede viária e da Estradas de Portugal às grandes construtoras».
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Apesar de ser longa a lista, o líder parlamentar do PCP não quis deixar ainda de chamar a atenção para outras situações indecorosas, como sejam o processo dos chamado Projecto de Interesse Nacional (PIN) e das regiões de turismo feitas à medida dos interesses de projectos turísticos e imobiliários; a repartição entre quatro ou cinco grupos económicos das parcerias público-privadas da saúde; ou a Lusoponte a reivindicar o direito a receber uma indemnização se o Estado quiser construir nova ponte em Lisboa.
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A política de direita
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Entendendo que é possível e desejável proceder a melhorias na legislação que travem este regabofe, como de resto já propôs em várias ocasiões, o PCP considera no entanto que não há leis que evitam «por si só comportamentos e decisões contra o interesse nacional».
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E sem querer dar lições de moral, como foi sublinhado, o que os comunistas afirmam é que se está «perante um continuado ataque ao interesse público nacional», fruto de decisões e de uma política que, favorecendo os grandes interesses económicos, agrava simultaneamente as desigualdades.
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«Há dinheiro para tudo. Mas nunca há dinheiro para salários, para reformas, para investimento em serviços públicos, para as pequenas e médias empresas», afirmou Bernardino Soares, deixando claro, num grito de rejeição, que isto assim «não pode continuar».
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É fartar vilanagem
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Muitos têm sido os protagonistas da dança de cadeiras entre os governos e os conselhos de administração. Eis alguns exemplos que integram a extensa lista enumerada por Bernardino Soares:
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– Um ex-ministro das Obras Públicas é administrador de uma empresa a quem adjudicou uma valiosa e leonina concessão.
– Outro ex-ministro das Obras Públicas, depois de ter passado pela GALP, fixou-se na EDP.
– Um ex-ministro da Presidência, Justiça e Defesa, um ex-secretário de Estado da Presidência, um ministro-adjunto, entre outros, estão todos no BCP.
– Uma ministra das Finanças e um ministro da Presidência e da Defesa encaixaram-se no Santander.
– Um ministro-adjunto, um ministro do Comércio, uma ministra da Justiça e vários secretário de Estado foram para a CGD.
– Vários ministros e secretários de Estado foram para outras instituições bancárias como o BES, o BPN ou o Banco Privado Português.
– Um secretário de Estado da Saúde entrou para a administração do Hospital Amadora-Sintra cujo contrato negociou.
– Um secretário de Estado da Energia viu as portas abrirem-se na REN a privatizar.
– Um secretário de Estado que passou a gestor do Grupo Mello, fazendo um breve intervalo de três anos como ministro da Saúde, regressou à casa mãe, por sinal o principal grupo privado da saúde.
– Um ministro do Desporto e da Administração Interna tem hoje assento na GALP.
– Um ministro das Finanças e secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro ascendeu às mais altas responsabilidades na Ibederdrola, Prisa/Média Capital, entre outras.
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in Avante 2008.04.17
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Justiça – mudar de rumo





A intensa bateria de (promessas) medidas mais ou menos pontuais, recorrentemente anunciadas, ou de reformas «radicais» apresentadas com pompa pelo Ministério da Justiça para pôr fim à crise, não consegue minimamente esconder nem os problemas que persistem em todas as áreas nem, muito menos, o desencanto e o protesto contra a desacreditada política de justiça do Governo PS de José Sócrates.
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Nos últimos meses, ou na última semana, para não ir mais longe, todos pudemos ver e ouvir, na comunicação social, factos e notícias reveladores do agravamento da situação nas várias áreas do sector judicial, que comprovam a incapacidade e a falta de vontade política para responder aos problemas que há muito se arrastam.
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Na investigação criminal é notória a deterioração da situação operacional da PJ, fruto do abandono e da política de subalternização a que tem sido votada. A falta de 700 inspectores num quadro de 2000, a sangria de quadros experientes, a desmotivação e a falta de perspectivas dos profissionais, não pode deixar de concorrer para o arrastamento de importantes processos, a ineficácia objectiva e a falta de resultados no combate à grande criminalidade.
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Nos serviços judiciários, é a precariedade da situação de funcionários e oficiais de justiça, confrontados com a falta de 1.500 profissionais no seu quadro, com o congelamento das suas carreiras e a sobrecarga de trabalho extraordinário, não pago, o que configura uma situação de grande injustiça que o Governo não reconhece e que continua sem resposta.
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No Ministério Público, vem à superfície a desmotivação de muitos dos seus quadros para a magistratura que escolheram, em resultado do bloqueamento das suas carreiras, da falta de incentivos, da «degradação da sua imagem externa» provocada por uma intensa, e intencional, campanha alimentada pelo Governo que em nada contribui para a dignificação do MP, e que antes visa comprometer e liquidar a sua autonomia no cumprimento das suas funções constitucionais, nomeadamente a defesa da legalidade democrática.
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Responsáveis são conhecidos
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Dir-se-á (dirá o Governo, dirão os zeladores dos interesses que este representa e defende), que se trata de razões, atitudes e posições corporativas, avessas às «reformas» e em defesa de privilégios «inaceitáveis».
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Dizemos nós que, do que se trata, por parte dos vários órgãos e representantes das profissões/funções da Justiça, é de preocupações sérias em melhorar o seu próprio desempenho e do sistema judicial ao serviço das populações, para além da defesa de justos e legítimos interesses e direitos, como sejam a melhoria das condições de trabalho, de carreiras, de formação. Em suma, a credibilização e a dignificação do sistema judicial e de todos aqueles que o servem.
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Dir-se-á também (dirá o Ministro) que, mais do que passar culpas e procurar responsáveis, é tempo de encontrar soluções para os problemas e tomas decisões.
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Dizemos nós que os responsáveis, esses, estão encontrados, são governantes dos auto-proclamados partidos do poder, PS, PSD e CDS/PP, que após sucessivos governos e ministros da justiça, desde as primeiras até à actual legislatura, com pacto de justiça assinado, conduziram, por falta de resposta e de políticas adequadas aos novos problemas e realidades, à situação a que chegou a Justiça.
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Quanto às soluções, após sucessivos diagnósticos apontando os males e as suas causas, e após propostas reiteradamente apresentadas, desde logo por aqueles que desempenham funções nos tribunais (magistrados, oficiais de justiça, advogados), tudo o que vem sendo paulatinamente decidido e implementado resulta na transfiguração do modelo constitucional do sistema de justiça, designadamente a sua mercantilização e a consequente desprotecção de direitos que acarreta para os trabalhadores e população em geral. Como se tem visto com o apoio judiciário (ou a falta dele) e com as dificuldades agravadas no acesso aos tribunais se for por diante o projecto de novo mapa judiciário que o Governo defende.
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Mas acima de tudo, e o PCP reafirma-o, são soluções, medidas e projectos que visam atingir o coração do poder judicial, como pilar do regime democrático – a sua soberania e a sua independência face ao poder político e ao poder económico.
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Para lá da denúncia política, só a luta e o protesto, com a firmeza e a coragem que o momento e a gravidade da situação exigem, travarão o passo a esta política e obrigarão, também na Justiça, à necessária mudança de rumo, conforme à Constituição da República.
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in Avante 2008.04.17
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Murat Karnaz, é turco-alemão, ruivo, de pele clara.

Ainda

Chama-se Murat Karnaz, é turco-alemão, ruivo, de pele clara. E de religião islâmica. Esteve preso durante cinco anos em Guantámano, de onde só foi libertado, ao que parece a pedido pessoal da chanceler Angela Merkel junto de George W.Bush. Entretanto e ao longo daqueles cinco anos Murat Karnaz foi torturado de várias maneiras: espancado abundantemente, objecto de simulações de afogamento, algemado de pés e mãos durante semanas, suspenso pelos pulsos durante cinco dias e cinco noites ao longo dos quais era regularmente espancado (neste caso, um médico verificava de seis em seis horas que ele podia continuar a suportar a tortura, o que inevitavelmente lembra os médicos torcionários e da PIDE), longamente privado da visão mediante a aplicação de um capuz, decerto ainda o mais que não nos foi contado e que nós não podemos imaginar. Com tudo isto, queriam que ele confessasse pertencer à Al Qaeda. Mas essa confissão não podia ele fazê-la porque seria falsa. Os carrascos chegaram mesmo ao ponto de até no momento da libertação já determinada tentarem trocá-la pela assinatura de uma confissão escrita , aproveitando-se da previsível ânsia de liberdade que compreensivelmente dominava o prisioneiro.
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Também então Murat Karnaz resistiu, ele que soubera resistir aos cinco anos de martírio apenas ancorado na certeza da sua inocência, no desatino que havia sido a arbitrariedade brutalíssima da sua prisão, talvez na força da sua fé religiosa já que convicções políticas excepcionalmente firmes não parece que as tivesse. Afinal havia sido preso no Afeganistão porque ali se dirigira, parece que como muitos outros, numa espécie de turismo confessional, visando aperfeiçoar-se como crente islâmico, talvez um pouco como muitos cristãos visitam Roma e outros lugares santos do catolicismo para se sentirem reforçados na sua fé. Só que, para desgraça de Murat Karnaz, o 11 de Setembro ocorrera havia pouco, os Estados Unidos haviam declarado guerra ao «terrorismo» e pagavam a tantos dólares por cabeça quem denunciasse suspeitos de pertença à Al Qaeda. Murat foi, pois, denunciado por um qualquer afegão sem escrúpulos resolvido a embolsar uns dólares que lhe fariam jeito, e é improvável que tenha sido o único a ir para Guantámano nessas circunstâncias. Tivesse ele a pele e o cabelo mais escuros, não fosse ele meio alemão, e provavelmente ainda estava sob torturas na famigerada base norte-americana.
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Enquanto o horror durar
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A história de Murat Karnaz, impressionante mas não surpreendente, souberam-na os telespectadores da SIC-Notícias na passada semana ao assistirem a mais uma emissão do «60 Minutos», o programa de reportagens da CBS obviamente insuspeito de antiamericanismo primário excepto porventura aos olhos do dr.Pacheco Pereira, indefectível advogado do projecto Bush/USA para o mundo. É essa recente emissão que justifica a atenção que esta dupla coluna hoje dispensa à dramática odisseia de Murat.
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Poderá porventura objectar-se, porém, perguntando-se se valerá a pena voltar a falar de Guantámano , dos seus torcionários e das suas vítimas, quando o assunto já foi tantas vezes abordado e denunciado, inclusive, nos tempos mais recentes, a propósito da vergonhosa cumplicidade de governos portugueses na prática desses crimes contra a humanidade (ou, na alternativa, do humilhante desprezo norte-americano pela soberania portuguesa e pela dignidade do nosso país). Contudo, acontece que Guantámano, carrascos e prisioneiros, continuam a ser realidade. Que os Estados Unidos, arrogantes e impudicos, persistem no crime que escandaliza o mundo e perturba os seus aliados mais submissos. Não surpreende que seja assim: embora dando sinais de estarem já a resvalarem pela encosta de uma decadência que é diagnosticada por um número crescente de observadores, os Estados Unidos prosseguem uma política de dominação mundial que permanentemente recorre à violência sob diversas formas, desde as guerras em que directamente participa liderando as operações até à prática de golpes de Estado organizados pelos seus serviços secretos em países estrangeiros. Ora, enquanto o horror de Guantámano persistir, parece não só ser justificado como até ser eticamente obrigatório que se fale dele, que não se abrande na denúncia e na indignação. Sendo assim, é claro que andou muito bem o «60 Minutos» ao vir contar-nos o que aconteceu a Murat Karnaz. E, em consequência, que não terá sido mau que aqui tenhamos vindo fazer o registo dessa emissão.
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in Avante 2008.04.24
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A Igreja dos pobres e a globalização


As vertiginosas mudanças que se registam, dia a dia, hora a hora, no mundo da política e da economia, são por vezes pouco aparentes mas nem por isso menos reais.
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Por exemplo, deixou subitamente de falar-se em globalização como projecto triunfal. Agora, quando o assunto é abordado, é para se deitar contas aos milhões que devem distribuir-se entre as vítimas do capitalismo para calar na multidão a voz sempre perigosa da indignação e da revolta.
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Segundo o FMI, não se trata de uma simples crise cíclica do capital, mas de uma perturbação profunda de todo o sistema capitalista, com consequências difíceis de prever. A economia mundial vai, quase de certeza, entrar em recessão global entre 2008 e 2009, com descontrolo do aumento dos preços dos produtos de primeira necessidade, a subida em flecha do desemprego e o agravamento da dívida dos países pobres aos países ricos. Pelo contrário, as multinacionais aumentarão os já gigantescos lucros e escavarão ainda mais o fosso que separa ricos e pobres. Foi nisto em que deu a famosa «sociedade global da abundância».
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Os números oficiais do desemprego em Portugal apontam actualmente para um número de desempregados da ordem dos 430 mil. Se a esta parcela juntarmos os mais de 500 mil trabalhadores a termo pagos a «recibos verdes» e entregues, sem direitos nem garantias, aos caprichos dos patrões; se tivermos em conta os 898 mil artífices que trabalham isolados e também são pagos a recibos verdes; e se adicionarmos o milhão de trabalhadores/empresários (PMEs) por conta própria, poderemos chegar ao resultado assustador de estar prestes a cair em situações de miséria cerca de metade da população activa portuguesa a qual, em 2007, segundo o INE, era de 5 587 300 de cidadãos. Total potencialmente ainda mais grave se pensarmos, em termos reais, que outros milhões de seres humanos – familiares, velhos, crianças, enfermos, dependentes – serão impiedosamente atingidos pela crise profunda do capitalismo.
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O Estado português deixa andar, embora saiba que o País que é suposto governar não tem estruturas sócio-económicas que permitam atenuar o choque da recessão. O Governo português apenas procura reduzir os gastos e aumentar os lucros, como fazem os gestores de qualquer multinacional. Homens piedosos, como gostam de aparentar ser, os ministros deitam a sorte do povo para trás das costas. «O futuro a Deus pertence...»«.
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A «Igreja dos pobres»«?...
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Neste enredo de comédia, a Igreja desempenha um papel importante. Diz-se «Igreja dos pobres» mas, mesmo num cenário de desagregação social eminente, recusa-se a assumir um discurso claro e político. Quando fala em pobreza aponta para a justiça divina. Quando refere acção, dá a volta ao assunto e faz catequese. Amealha, como sempre fez, os lucros do negócio. Eis um exemplo escolhido à toa, só para ilustrar essa evidência.
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A Conferência Episcopal proclamou aquelas atoardas que neste espaço já se referiram. O Estado português seria «militantemente ateu». Os bispos falaram então no divórcio, na comunicação social, na educação, na falta de regulamentação da concordata, etc. A resposta da Igreja não podia deixar de ser dura e frontal. Verdade seja dita, o bispo Jorge Ortiga, ao anunciar luta frontal com o Governo de Sócrates acrescentara: «frontalidade e... diálogo». Curiosamente, logo pareceu estranho que a CE tivesse deixado passar em claro uma clara razão de agravo recentemente sofrido pela Igreja: a escolha do Montijo para o novo aeroporto, em detrimento da Ota e da diocese de Fátima. Um prejuízo imenso para a fé católica. Os investimentos eclesiásticos no imobiliário e no turismo daquela região tinham sido gravemente prejudicados. Sem acesso por redes de auto-estradas, sem proximidade dos comboios de alta velocidade, sem a construção prevista de hotéis de turismo, sem a ponte, que iria ser do Santuário ?
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Felizmente que o bom-senso prevaleceu. Entre a Igreja e o Governo manteve-se um diálogo discreto. Sócrates correu a Leiria para anunciar que juntava ao mapa das novas regiões turísticas um pólo autónomo para a região de Fátima. Comboios de alta velocidade e modernização das auto-estradas também ficavam garantidas. Foi então que, noutro lugar e a outra hora, a União das Misericórdias anunciou que iria investir milhões de euros no Turismo e nas Energias Renováveis. Os prejuízos serão recompensados.
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As crises do capitalismo têm aspectos positivos para os ricos: compra-se em baixa, vende-se em alta. Os problemas do Santuário que opunham Sócrates à Igreja ficaram sanados. A diocese de Fátima (que é autónoma e responde directamente perante o papa) passou a contar com um pólo turístico também autónomo, financiado pelo Estado e pelas iniciativas privadas. O que também acontece com as Misericórdias, subsidiadas pelo orçamento público em mais de 30% dos seus activos. E surgem agora, nos tribunais, os pedidos de indemnizações por perdas e danos sofridos pelos proprietários que acreditaram, um dia, na tese do Aeroporto da Ota.
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E os conflitos com o «ateísmo militante»? E a chamada «Igreja dos pobres»?
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.Passe-se uma esponja sobre o assunto. «Palavras, leva-as o vento»...
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in Avante 2008.04.24
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A instalação do medo no País


Quando, ainda em 1974, principiaram as agressões a gente que festejava o 25 de Abril e a liberdade, em Bragança e noutras cidades e vilas do norte e do interior, aí ressurgia a ditadura velha e salazarista, no meio de tanta generosidade que se ampliava.
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Reuniões de ex-ministros vindos de Espanha, com grandes proprietários e figuras do fascismo, em quintas do Vale da Vilariça, em Macedo de Cavaleiros e noutras terras, configuravam já, no verão de 1974, o que viriam a ser o ELP e o MDLP, o bombismo e a morte que espalharam.
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No entanto, a participação popular em cada concelho, em cada lugar, substituía a velha Câmara Municipal, a Junta de Freguesia dos atestados e dos legionários, por gente disposta a transformar o meio e a vida local.
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Essa capacidade de dar, essa abertura ao que era novo, a democracia, os ideais mais dignos e transformadores, desencadearam o ódio de quem mandara e dominara cada bocadinho de terra, cada gesto, cada assomo de revolta, durante 48 anos de miséria e de abdicação do que era nosso.
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Dessa reacção violenta ou ainda encapotada, e mesmo desse fingimento de estar em bem com a democracia, nasceram comportamentos arrivistas e até corrupções, mais tarde, também no seio de gente oriunda de uma pequena e média burguesia que até aí fora passiva e ignorada, mas que, com o 25 de Abril, viu surgirem oportunidades de singrar na vida.
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Recentes notícias sobre projectos e obras «magníficas» do engenheiro José Sócrates na Guarda e, se calhar, noutros concelhos dessas terras do frio e do diabo, são exemplos de anos e anos a proteger os amigos, a criar redes de «cooperação interessada» em cidades, vilas e aldeias novamente enterradas no tempo do «cala-te e come», do «se ele não se aproveita, se está no poder e não faz pela vida, é porque é parvo»…
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Daí que, em ligação estreita com governos do PS, do PSD e do CDS-PP que quiseram enterrar a liberdade e a democracia no mais fundo do silêncio e do passado, tivessem emergido figuras em cada sítio, em cada região, que tudo fazem para reinstalar neste país o medo de falar, de agir, de lutar pelo avanço das coisas, logo que chegam ao poder. Eliminaram e eliminam direitos ao trabalho e a uma vida nova, destruindo a economia independente e soberana, as empresas de transformação e de grandes potencialidades de que dispúnhamos. Odeiam a vida social digna que se configurou com o 25 de Abril, substituindo-a, onde podem, pela caridadezinha e a esmola, destruindo a vida familiar e a estabilidade mínima de que cada ser humano necessita.
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Abril cresce
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Atacam a vida política, a participação democrática, através de leis como a dos Partidos Políticos ou do Financiamento dos Partidos e de polícias e vigilâncias cada vez mais sofisticadas, montadas para reprimir, vigiar, coarctar e levar ao silêncio e ao abandono da afirmação humana e corajosa. Transformam o poder criado com Abril em poder ditatorial e ignoram e atacam a Constituição da República, através da prepotência e da liquidação do que resta de direitos, de estruturas sociais e do bem-estar construído em cada concelho e nas regiões do país.
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A participação na vida cultural foi intensa, com a descentralização, a vida associativa, a música, o teatro, a dança, o cinema, a literatura, cada área de criação a tornar-se um bem diário na vida de quem trabalhava. Mas eliminaram estruturas no poder central e foram entravando a intervenção do poder local, dos intelectuais e das associações, favorecendo a redução, o controlo e a elitização da cultura, na ausência de uma comunicação social estimulante, que, ao contrário, destrói e desinforma, e de uma escola que foi sendo conduzida para a mera formatação de cada criança e de cada jovem, para ser obediente e produtor amestrado da riqueza dos outros, a minoria cada vez menor e mais dominadora de governos obedientes, como o de José Sócrates.
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A tudo isto e a muito mais que acontece e de que, às vezes, nem sequer temos notícia, a um governo que é o pior e mais autoritário desde 1976 até agora, opõem-se o sobressalto democrático e a resistência popular ao fecho do hospital e da escola, à retirada de trabalho e de salários, ao ataque à vida sindical, à destruição da dignidade humana. Pelo país fora, há trabalhadores, intelectuais e populações que se afirmam e surgem mais atitudes de coragem e de luta.
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Novamente Abril cresce e se aproxima na nossa participação diária e na memória dos que resistiram ao fascismo, dos que criaram comissões de defesa da liberdade de expressão e de apoio aos presos políticos do salazarismo, dos que lutaram na clandestinidade, dos que ergueram movimentos democráticos amplos e representativos, no meio das prisões e das torturas. Essa dignidade de assumir ideias e ideais próprios integra-se no caminho criado e no exemplo de homens e mulheres que honraram a própria vida e fizeram um destino corajoso e livre onde os fascistas impunham cobardia e miséria.
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Aí estarão todos connosco, aí estaremos, a festejar Abril e Maio em liberdade, a realizar iniciativas que se impõem, em cada sítio onde os ditadores deste tempo tentam calar e perseguir, nas ruas e avenidas do presente e do futuro, a afirmar o que há de melhor na vida, a liberdade e a democracia que continuaremos a defender e a impulsionar, combatendo os inimigos do desenvolvimento integrado e criador, os que tentam impedir a participação de todos na construção de um país digno e com futuro.
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Não há instalação do medo que fique para sempre e a política repressiva e destruidora de Sócrates provoca já uma rejeição e um combate generalizado que serão decisivos para abrir novos caminhos de liberdade e de afirmação da democracia de Abril.
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in Avante 2008.04.24
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Orçamentos familiares espelham desigualdades

Um toque de modernidade enganador


O INE publicou recentemente um estudo, ainda que sintetizado, dos orçamentos familiares baseado numa recolha de dados realizada entre Outubro de 2005 e Outubro de 2006. Com base em tal estudo alguma comunicação social e vários comentadores salientaram «o toque de modernidade» da sociedade portuguesa tendo em conta que a mesma gasta, percentualmente, cada vez menos em produtos alimentares, bebidas não alcoólicas, vestuário e calçado e, cada vez mais em hotéis, restaurantes, cafés, lazer, distracção e cultura.
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Em termos genéricos (já lá vamos aos dados relativos aos vários grupos sociais) a conclusão atrás referida «era verdadeira» à data da recolha estatística, embora não se tenha dito que os negócios que mais cresceram, em valores percentuais, na base daquilo que foram as despesas das famílias, foram, por ordem decrescente: o ensino, as comunicações e a saúde, sectores vorazmente apetecidos pela iniciativa privada.
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Mas voltemos ao «toque de modernidade» e às despesas familiares mais significativas que, entre 1989/90 e 2005/06, maiores diferenças tiveram, quer no plano das descidas, quer no plano das subidas. Para não carrear muitos dados vejamos, apenas, três casos.
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Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas
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A estatística diz-nos que tais despesas representavam, em 1989/90, cerca de 29,5% do total do orçamento familiar, enquanto que em 2005/06 esse valor não ultrapassou os 15,5%. Donde, diziam certos analistas, a estrutura de despesas dos portugueses está cada vez mais em sintonia com o padrão europeu (a 15).
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Será assim?
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Não, não é bem assim, porque na Região dos Açores essa percentagem correspondia a 18% e no conjunto do país, nas áreas predominantemente rurais, os encargos com alimentação cifravam-se em 19%, o que comprova que, nas regiões mais pobres, mercê dos baixos salários e das baixas reformas, mesmo com a ajuda da agricultura de subsistência, o esforço com alimentação é maior do que nas regiões predominantemente urbanas.
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Mas as grandes diferenças não são bem estas. Elas são mais visíveis nos diferentes estratos sociais.
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Com efeito, num agregado familiar constituído por 2 adultos idosos tais despesas correspondem a 20%, valor que sobe aos 24% no conjunto das famílias mais pobres, aquelas que usufruíam de rendimentos inferiores a 433 euros mensais.
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Importa sublinhar que o esforço na aquisição de alimentos é tanto maior quanto menor for o rendimento das famílias e tanto menor quanto maior for o rendimento familiar. Por exemplo, no conjunto das famílias com rendimentos anuais superiores a 31 200 euros, a alimentação e bebidas não alcoólicas correspondiam a uma despesa anual de 3813 euros, ou seja, 11% das despesas totais, enquanto nas famílias com rendimentos inferiores a 5200 euros essa despesa cifrava-se, anualmente, em 1176 euros, ou seja, 24% das despesas totais.
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Concluindo:
as famílias com os rendimentos mais elevados gastam, em termos absolutos, mais do triplo daquilo que gastam as famílias mais pobres;
as famílias com os rendimentos mais baixos gastam, em termos percentuais, mais do dobro daquilo que gastam as famílias com os rendimentos mais elevados.
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Tudo isto, à primeira vista, parece muito confuso. Mas do que se trata não é de uma mera confusão. Do que se trata é de uma enorme contradição, entre os poucos que muito têm e os muitos que nada têm. Contradição que, à luz da nossa matriz ideológica, é explicada pela existência de uma sociedade de classes, com interesses antagónicos.
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Entretanto, emanente deste antagonismo assiste-se, hoje, à financeirização das cotações dos produtos alimentares, de que se destacam os preços do arroz, do trigo e do milho que, por sua vez, potenciam o aumento do preço da carne e dos lacticínios, por via do aumento do preço das rações para animais.
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Tudo isto para dizer o quê? Para dizer que os já referidos 24% que as famílias pobres, em Portugal, têm de despender com alimentação tenderá a subir, não só na base do aumento das matérias primas como ainda maximizadas pela corrupção associada ao valor das cotações. Eis, pois, um assunto que está na ordem do dia e para o qual não podemos deixar de estar atentos.
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Habitação: despesas com água, electricidade e gás
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Estamos perante um encargo familiar que passou dos 12,4% em 1989/90, para os 26,6%, em 2005/06.
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Estamos perante um encargo avaliado, em termos médios anuais, em 806 euros em 1989/90 que passou aos 4691 euros em 2005/06.
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Estamos perante um crescimento de despesas na ordem dos 482%, repetimos, 482%, enquanto o salário mínimo, nesse período, não subiu mais do que 114%.
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Estamos, pois, perante um negócio fabuloso cuja dimensão beneficiou, entre outros: os donos dos terrenos, os donos das empresas de construção, os intermediários e parasitas e os super-parasitas que dão pelo nome de banqueiros. Eis um dos quartetos que mais dinheiro ganhou, que mais descaracterizou a paisagem do país e que mais empobreceu a generalidade da população, sobretudo dos trabalhadores por conta de outrem.
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Embora, em termos regionais, os encargos sejam relativamente semelhantes importa, no entanto, destacar o esforço suplementar dos madeirenses, a quem é exigido, no conjunto das despesas totais, uma percentagem de 31% nas despesas só com habitação. É muito! Mas muito mais é aquilo que é exigido aos idosos que, no caso de viverem sozinhos, têm de despender 36% daquilo que são as suas despesas só em habitação, isto num país em que o Artigo 72.º da Constituição garante que «As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação».
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Também, aqui, na área da habitação, em termos percentuais, se verifica uma situação similar à verificada na alimentação, ou seja:
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as famílias com os rendimentos mais elevados gastam 24% no conjunto das despesas totais;
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as famílias com os rendimentos médios mensais entre os 433 euros e os 1300 euros «cálculo baseado no rendimento anual a dividir por 12 meses», despendem com a habitação entre 31% e 32%, do total do orçamento familiar.
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Saúde
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O negócio da saúde pode ser bem avaliado no facto de em 1989/90 cada família gastar, em média, 193 euros por ano, despesa que subiu aos 1066 euros em 2005/06, o que significa que, descontando a inflação, o esforço das famílias nesta área mais que duplicou, razão pela qual os grandes grupos financeiros esfregam as mãos de contentes pela progressiva privatização da saúde, realidade bem visível, salvo para aqueles que não querem ver. Mas se a evolução dos encargos com a saúde passar a ser comparada com o salário mínimo nacional, então podemos dizer que enquanto este último cresceu, no período atrás referido, cerca de 114%, as despesas com a saúde, durante o mesmo período, tiveram um crescimento na ordem dos 452%!
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Quanto à desagregação desta despesa pelos vários grupos socais verifica-se que existe, também, um grande paralelismo com a alimentação, ou seja: o esforço exigido é tanto maior quanto menor for o rendimento e tanto menor quanto maior for o rendimento.
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Quem tiver dúvidas a este respeito basta consultar os dados do INE quando nos diz que, em termos regionais, e em valores percentuais, o maior esforço verifica-se nas zonas predominantemente rurais, onde o valor dos salários e das pensões são dos mais baixos do país.
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Por outro lado, é nos agregados familiares formados por 2 idosos que as despesas são mais elevadas, cerca de 13%. Por outro lado, nas famílias com rendimentos superiores a 31 200 euros anuais, essa percentagem é de 5%. Repetimos, 5%! Mas o escândalo não é apenas este, o de os mais pobres terem de suportar uma despesa de 13%, enquanto as famílias mais desafogadas despenderem apenas 5% O escândalo vai ao ponto de um casal de idosos gastar em média, por mês, 128 euros com a saúde, quando a média do valor das respectivas pensões é aquilo que é: pensões de miséria.
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A luta exige salários e pensões mais elevados
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Estes três exemplos não estão aqui por acaso. As despesas da alimentação, habitação e saúde representam, nas famílias com menores rendimentos, cerca de 65% do orçamento familiar.
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Daqui decorre que tais despesas devem estar na linha da frente da batalha a travar pela dignificação da qualidade de vida da generalidade dos trabalhadores e dos pensionistas e reformados.
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Nessa luta, nas pequenas e grandes batalhas do quotidiano, deve estar envolvido o Movimento Sindical Unitário e as organizações dos reformados, sobretudo aquando das actualizações salariais e das pensões.
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Neste contexto haverá, seguramente, muitos factores a ter em conta e um deles não deixará de ser o seguinte: exigir que as actualizações não estejam apenas indexadas à taxa média da inflação global. A dimensão dos rendimentos e a natureza das despesas familiares devem estar no centro das reivindicações. O que é que queremos dizer com isto? Queremos, meramente a título de exemplo, dizer o seguinte:
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- Desde 1974 até agora o valor do pão subiu 60 vezes, enquanto o salário mínimo subiu 25 vezes.
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O aumento atrás referido é uma questão de milésimas para uma família rica. Mas o aumento do pão - e dos produtos que integram a dieta alimentar - para uma família pobre é uma questão crucial. Neste sentido, nos processos reivindicativos devemos ter em conta o aumento de preços, designadamente, nas áreas da alimentação, da habitação e da saúde e exigir, lutando, para que a taxa de inflação média seja majorada em função dos aumentos nas áreas atrás referidas, sob pena de, em nome de uma inflação média, estarem a ser prejudicados os trabalhadores e reformados mais pobres, cujo cabaz de compras é totalmente diferente do cabaz de compras de uma família rica.
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É preciso ter presente, e insistir, que as três despesas atrás referidas representam cerca de 65% dos orçamentos familiares dos estratos mais pobres onde se incluem os trabalhadores por conta de outrem e os reformados e pensionistas.
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É preciso ter presente que, nos últimos 12 meses, os produtos lácteos subiram 13,5%, o pão 9%, o peixe 5%, a fruta 4,9%...
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in Avante 2008.04.24
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Missão cumprida?



No dia 1 de Maio de 2003 – o homem escolhe bem as datas – George (War) Bush “gravou”, num show mediático a bordo do USS Abraham Lincoln, aquela coisa da “missão cumprida”, que os media repetiram urbi et orbi até ao enjoo. A história não demorou muito em demonstrar que era mais uma intrujice, tão aldrabona como aquela outra das “armas de destruição maciça” e das “ligações” de Saddam com a Al Qaeda.
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Recentemente, uma vez mais, documentos desclassificados negaram qualquer evidência dessa “ligação”. E as tais armas de “destruição maciça” não apareceram em lado nenhum, nem mesmo “plantadas” pelos invasores. Foi isto uma revelação para Bush? Em absoluto.
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O esquizóide de Washington sabia que estava a enfiar o barrete a meio mundo. Alinharam com ele Blair, Aznar e o trânsfuga Durão Barroso, anfitrião dos Açores, ex-esquerdalho, e agora “politicamento correcto” e da total confiança das direitas, porque nem sempre é certo o que disse o general romano de que “Roma não paga a traidores”. Isto foi o que ouviram Audaz, Ditalco e Minuro, depois de assassinarem Viriato quando foram pedir a Servílio Cipião umas “massas” como recompensa pela traição. Claro, tal aconteceu nos tempos “bárbaros” da Europa de 139 A.C. Na Europa do mercado de hoje, a (in)decência é outra!
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Quanto à “missão cumprida” não se sabe muito bem o que quis dizer o usurpador da Casa Branca. Em Novembro do ano passado calculava-se que 96 por cento das baixas entre os invasores e os invadidos tinham acontecido depois da fanfarronice dita no USS Abraham Lincoln. Neste momento os mortos norte-americanos – coisas da vida: muitos deles afrodescendentes e latinos à procura de uma nacionalidade póstuma – já passam dos 4 mil.
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Os mutilados e feridos somam várias dezenas de milhar e o The New York Times – que por vezes não tem outra hipótese senão dizer alguma verdade – informa, apoiando-se num estudo da insuspeita Rand Corporation, que perto de 300 mil soldados regressados do Iraque e do Afeganistão apresentam sintomas de distúrbios mentais, dos quais metade não recebe qualquer tipo de tratamento! Este número equivale a 18,5 por cento do milhão e meio de soldados que já passaram pelas duas regiões de guerra, uma delas, o Afeganistão, campeã do mundo na produção de ópio... sob o olhar atento da NATO!
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O estudo da Rand Corporation – que refere igualmente outros 320 mil soldados com “possíveis” traumas – é um calhamaço de 500 páginas que, sob o título de «Feridas Invisíveis da Guerra» (Invisible Wounds of War), se pode ler completo na Internet[1]. O estudo foi “bem recebido” pelas autoridades militares, e Loree Sutton, directora do Centro da Defesa para a Excelência em Saúde Psicológica – nome bonito não é? –, lamentou que só metade dos afectados tivesse recebido um tratamento “minimamente adequado”. Neste momento, o exército anda à caça de 275 profissionais civis especializados em doenças mentais, mas ao que parece não está a ser fácil encontrá-los.
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Negócio das arábias

Considerando que a “missão cumprida” não será uma referência ao que acabamos de mencionar, assume-se que George (War) Bush tinha outra ideia clara na cabecinha. Provavelmente bailava-lhe na mioleira o mais de um milhão de mortos iraquianos, a destruição do país, ou os grandes negócios de reconstrução do Iraque, da qual se estão a ocupar várias companhias de amigalhaços e compinchas, como a Halliburton, só para citar o exemplo mais cotado.
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Neste aspecto a ideia foi brilhante: a gente vai até lá, arrasa o país, depois emprestamos-lhe uma montanha de dólares que regressam às nossas algibeiras via reconstrução do mesmo, e entretanto deixamos o país hipotecado a nós mesmos, hipoteca essa que pagarão com o petróleo que necessitamos. Está ou não está cumprida a missão?
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A horas tais, que pensam os norte-americanos do “estado da nação”? Para que não digam que isto são invencionices dos comunistas, uma vez mais deitamos uma olhadela ao The New York Times, agora na sua edição de 4 de Abril. Uma sondagem do NYT/CBS mostra que os norte-americanos têm o mais baixo nível de satisfação com a administração desde 1990; e que 81 por cento diz mesmo que as coisas vão por mau caminho. Esta é uma tendência crescente: no ano passado, este valor era de 69 por cento, e em 2002 de 35 por cento.
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Por outro lado, cerca de 75 por cento diz que o país está pior que há cinco anos. Mas há uns 4 por cento – suspeitamos quem sejam – que diz que tudo corre bem e o país está melhor.
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Sobre a crise do sector financeiro, 68 por cento dos entrevistados afirma que as culpas devem recair sobre os funcionários responsáveis pela fiscalização e sobre os banqueiros.
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E acabou-se, que a “ditadura” do espaço do jornal não dá para mais!
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[1] Visitar http://rand.org/pubs/monographs/MG720
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in Avante 2008.04.24
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Justiça para Abu-Jamal

Tommie Smith (center) and John Carlos (right) showing the raised fist in the 1968 Summer Olympics while Silver medalist Peter Norman (left) wears an Olympic Project for Human Rights badge to show his support for the two Americans.
Tommie Smith (center) and John Carlos (right) showing the raised fist in the 1968 Summer Olympics while Silver medalist Peter Norman (left) wears an Olympic Project for Human Rights badge to show his support for the two Americans.
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Protesto em Filadélfia


Mais de um milhar de pessoas exigiram, no passado sábado, 19 de Abril, que Mumia Abu-Jamal seja ouvido num novo julgamento. Os manifestantes consideram que os tribunais fazem parte de um sistema injusto e determinado em manter no cárcere para o resto da sua vida o activista norte-americano.
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Acções de solidariedade também se realizaram noutros países, mas foi em Filadélfia que os protestos se concentraram, aglutinando militantes vindos de Boston, Nova Iorque, do Estado da Califórnia e de França.
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Abu-Jamal é provavelmente o mais conhecido prisioneiro político dos EUA, juntamente com o líder nativo-americano Leonard Peltier e os cinco patriotas cubanos condenados por “terrorismo”. Jamal é cidadão honorário de Paris, cidade que lhe dedicou o nome de uma rua no subúrbio de St. Denis.
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Julgamento justo negado
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No passado dia 27 de Março, um painel de três juízes indeferiu o apelo apresentado por Abu-Jamal, a 17 de Maio de 2007, baseado em provas que indicam, entre outras, condutas racistas na escolha dos jurados que o condenaram, e práticas persecutórias por parte das autoridades.
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No caso do primeiro argumento sustentado pela defesa, um dos três magistrados, Thomas Ambro, pronunciou-se favorável a Abu-Jamal, considerando haver indícios de violação dos seus direitos constitucionais.
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Por outro lado, o painel confirmou a decisão do juiz William Yohn, que em 2001 reverteu a sentença de morte neste caso, mas confirmou a culpa do ex-jornalista no homicídio de Daniel Faulkner, facto que gerou a revolta entre os amigos e apoiantes de Jamal porque, explicaram, caso a acusação decida não recorrer da sentença, fica barrada a possibilidade de realização de um novo julgamento para determinar a inocência do preso político, e a pena é comutada automaticamente para prisão perpétua.
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O advogado de Jamal, Robert Bryan, vai agora apelar para todo o Terceiro Circuito de Apelação e, se necessário for, levará o caso ao Supremo Tribunal dos EUA.
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Abu Jamal, antigo militante do Partido Panteras Negras, encontra-se no corredor da morte numa prisão da Pensilvânia por alegadamente ter assassinado um polícia, em 1981.
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Em 1999, Arnold Beverly confessou ter sido contratado pela máfia para matar Faulkner, envolvido em investigações relacionadas com o crime organizado.
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HJ com Betsey Piette, do Workers World
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in Avante 2008.04.24
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Fotos retiradas de
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zapatistablock/mumia
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1968 Olympics Black Power Salute
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ver também
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pt.wikipedia - Panteras_Negras

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en.wikipedia - Black_Panther_Party

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Balanço sangrento - Palestina longe da Paz



Mais de 400 palestinianos morreram desde a conferência israelo-palestiniana de Annapolis, em Novembro. No terreno, o exército israelita continua o massacre enquanto se avolumam as informações contraditórias sobre o processo de diálogo.
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Anteontem, o presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), Mahmud Abbas, esteve em Washington com o objectivo de concertar com a Casa Branca a reanimação das negociações com Israel na base de Annapolis, isto depois de uma breve passagem por Moscovo com semelhante fito e os mesmos escassos resultados.
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Paralelamente às iniciativas da ANP, no Médio Oriente corre a informação de que o Hamas, movimento independentista que controla a Faixa de Gaza, não só não obstaculizará as acções de Abbas junto do Quarteto, como aceita «viver como um vizinho [de Israel] do lado, em paz».
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A “mensagem” foi divulgada pelo ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, que na semana passada se encontrou com o líder do Hamas, Khaled Mechaal, exilado em Damasco, capital da Síria.
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Mechaal, citado pela BBC, desmentiu prontamente que o movimento esteja na disposição de reconhecer Israel, precisando que o Hamas oferece «uma trégua de dez anos depois da retirada de Israel para as fronteiras de 4 de Junho de 1967 [anteriores à Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou os Montes Golã, na Síria, os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza] como uma alternativa ao reconhecimento. Esta é, claramente, a visão do Hamas».
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Certa, mesmo, só a oposição dos governos de Telavive e Washington à mediação de Carter, mas o antigo presidente não deixou Ehud Olmert e George W. Bush sem resposta, considerando que «o problema não é eu ter-me encontrado com o Hamas na Síria, mas o facto de Israel e os Estados Unidos recusarem encontrar-se com alguém que tem de ser envolvido».
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Quanto à Síria, país que acolheu Carter na sua audiência com dirigentes do Hamas, o presidente, Bashar al-Assad, reiterou que Damasco «é favorável a uma paz justa e duradoura», mas não irá abdicar dos Montes Golã, anexados definitivamente por Israel em 1981.
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Balanço trágico
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Seguro, também, é que este jogo contra-informativo e diplomático só beneficia Israel na sua campanha de aniquilação da resistência popular, e perpetua as condições inumanas em que sobrevivem a esmagadora maioria dos palestinianos, agravadas depois do bloqueio decidido por Israel a meio do ano passado.
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Na Faixa de Gaza os raides aéreos e os assassinatos selectivos de militantes e activistas independentistas sucedem-se. Domingo, outro membro do Hamas foi morto pelas tropas israelitas, engrossando o número de vítimas resultantes do conflito desigual.
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De acordo com dados revelados por organizações locais, divulgados no sítio www.vermelho.org.br, só durante o mês de Março as forças de Telavive mataram 119 pessoas, incluindo mulheres e crianças, feriram 443 e prenderam ou sequestraram mais de 500.
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No mesmo período, o número de ataques superou os 362 - 213 na Cisjordânia e 149 em Gaza -, aos quais acrescem 132 incursões em zonas densamente povoadas dos territórios autónomos, 18 demolições de casas, 29 ocupações e uma investida de grupos de colonos ligados ao movimentos fundamentalistas de Israel
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.in Avante 2004.04.24
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«Liberdade» de imprensa

Comentadores do Pentágono
Pagos para mentir

Comentadores de televisão e rádio foram instruídos pela administração norte-americana para difundirem a versão oficial sobre as guerras no Iraque e Afeganistão, revela o New York Times.
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De acordo com um investigação publicada domingo pelo NYT, dezenas de ex-militares vinculados com a administração Bush enxamearam nos últimos cinco anos os principais meios de comunicação norte-americanos. Apresentados como analistas e comentadores independentes, estes “especialistas” tinham como objectivos concretos a promoção de uma «imagem positiva da chamada “luta contra o terrorismo”» e a dinamização de «uma cobertura noticiosa favorável à gestão do governo em tempo de guerra», escreve o diário.
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Estes autênticos «cavalos de Tróia», avança ainda o NYT, difundiram informações falsas previamente decididas pela Casa Branca, mesmo depois do ex-responsável do departamento de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, ter encerrado a Oficina de Influência Estratégica, em 2002, na sequência de uma denúncia do mesmo teor feita também pelo periódico nova-iorquino.
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Um dos casos enunciados pelo NYT refere-se a uma visita de “comentadores” a Guantanamo, em 2005, com o intuito de indagarem as denúncias de maus-tratos ali praticados. Instalados num dos jactos do vice-presidente Dick Cheney, chegaram a Camp Delta e regressaram preparados para convencer a opinião pública de que em Guantanamo não se pratica nem nunca praticou tortura, de que, pelo contrário, os detidos até são bem tratados, e quem alega o inverso lança acusações visando denegrir os EUA.
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Uma mão lava a outra
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Acresce a tudo isto que estas «forças multiplicadoras da mensagem», como lhes chama o Pentágono, têm relações demasiado estreitas com as empresas beneficiárias dos conflitos no Iraque e Afeganistão.
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Nas cerca de oito mil páginas consultadas pelo jornal, onde se incluem mensagens de e-mail, registos de reuniões oficiais com altos responsáveis militares e políticos, viagens ao Iraque, e listas de tópicos a abordar nos espaços informativos, sobejam provas dos interesses defendidos por estes “analistas”.
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Empresas ligadas ao complexo militar - desde a fabricação de armas ao fornecimento de bens e serviços ao exército -, e companhias detentoras de contratos de “reconstrução” nos territórios ocupados, distribuíram os seus homens de mão por rádios e televisões para defenderem a guerra. A contrapartida, essa, veste-se com moldes de fino recorte. Os “analistas” não são pagos em dinheiro, parece, mas em informação privilegiada, instrumento que lhes permite lubrificar os negócios almejados pelas corporações para quem trabalham, conduta que encaixa como uma luva na expressão «uma mão lava a outra».
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Périplo sangrento
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No mesmo dia em que o NYT fazia denuncia das ligações perigosas dos comentadores dos grandes mass media, a secretária de Estado norte-americana, Condolezza Rice, visitava Bagdad para subscrever as ameaças do primeiro-ministro Nuri al-Maliki ao clérigo xiita Moqtada al-Sadr, o qual advertiu, mais uma vez, que ou os EUA e o governo colaboracionista começam a desocupação, ou o seu exército inicia uma campanha militar aberta contra as tropas norte-americanas.
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No balanço da visita de Rice, sobressaem ainda as mais de cem vítimas dos combates e bombardeamentos ocorridos durante todo o fim-de-semana, quer na capital do país, quer nas principais cidades.
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Do Iraque, Condoleezza seguiu para o Kuwait onde reuniu, terça-feira, a conferência de países vizinhos: Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Oman, Qatar e Arábia Saudita. Estes são também os aliados dos EUA no Conselho da Cooperação do Golfo – estrutura que iniciou domingo exercícios militares que decorrem até ao fim da primeira semana de Maio -, e os parceiros de Washington num recente negócio de armas orçado em 20 mil milhões de dólares.
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Gueto em construção
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Longe do círculo das transacções que ocupam a burguesia árabe e os representantes do capital internacional, em Sadr City, Bagdad, os habitantes desesperam com o projecto militar dos EUA. No terreno em torno do bairro de maioria xiita, começou, domingo, a construção de um muro de betão com vários metros de altura, informa a Lusa.
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A estrutura tem como finalidade quebrar a tenaz resistência popular contra os soldados invasores e impedir o lançamento de foguetes artesanais contra a Zona Verde, onde se acoitam os altos comandos políticos e militares ocupantes. A consequência será, inevitavelmente, a guetização dos residentes restringindo-lhes a mobilidade, tal como acontece na Palestina, diz a agência de notícias portuguesa que cita testemunhos locais.
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in Avante 2008.04.24
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O PCP e as situação política nacional e internacional

Extractos da intervenção de
Jerónimo de Sousa na sessão de abertura
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«Urge pôr fim ao ciclo vicioso da alternância sem alternativa»

Aproximamos-nos do final da legislatura e está cada vez mais patente o fracasso de uma política e de um governo na resolução dos principais problemas nacionais.
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A concretização das metas e objectivos solene e previamente anunciados pelo PS e o seu governo que garantiam até ao fim do mandato forte crescimento económico e mais desenvolvimento em convergência com a União Europeia, mais emprego e mais qualificado e melhores condições de vida para os portugueses, são já uma miragem no horizonte de 2009.
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O ano de 2008 dado pelo Governo como o grande ano da viragem no crescimento económico, é tão credível que já nem ele próprio acredita.
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Ao crescimento económico insignificante dos últimos anos, sucede-lhe um novo abrandamento. O investimento privado contínua em queda. As exportações caem há seis meses consecutivos, tal como o consumo privado, em resultado da desvalorização dos salários e do acentuado aumento das taxas de juro. Todas as previsões económicas fazem marcha-atrás, tornando cada vez mais ridículas as torrentes de auto elogios do Governo.
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Os sectores produtivos e o mundo das actividades que envolvem as pequenas e médias empresas passaram a sentir de forma exacerbada os efeitos da excessiva valorização do euro, dos custos agravados dos combustíveis, da energia e do crédito que custa mais de 40% do que a média europeia, para alimentar os altos lucros da banca e dos grandes grupos económicos que continuam a impor os seus preços de cartel.
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Sucedem-se as falências de pequenas e médias empresas, agora a um ritmo mais elevado, ao mesmo tempo que as importações aumentam, particularmente de bens alimentares para compensar a falta de produção. A substituição da produção nacional pela estrangeira continua a ter uma preocupante evolução, em resultado da contínua liquidação do nosso aparelho produtivo, nomeadamente nos sectores da agricultura e das pescas.
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Os principais problemas estruturais com que o país está há muito confrontado continuam sem conhecer qualquer significativo melhoramento e, muitos deles, conheceram nestes três anos de governo do PS um novo agravamento. A dívida pública aumentou. O endividamento externo continuou a crescer e hoje somos um dos países mais endividados da Europa. Continuaram a agravar-se o défice das contas externas, nomeadamente o défice comercial.
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A vida a piorar
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No plano social, o desemprego cresceu para níveis históricos e os salários são esmagados e desvalorizados por uma política deliberadamente marcada pela preocupação da contenção salarial. A desvalorização do poder de compra dos salários é hoje uma das preocupações centrais da nossa intervenção.
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Temos denunciado que os brutais aumentos dos preços dos bens e serviços essenciais, estavam a pôr em causa não só a credibilidade das projecções do Governo para a inflação, mas o próprio método e critérios para estimar o seu valor através do actual cabaz de compras das famílias que já não corresponde à realidade dos seus consumos. Temos exigido, neste último ano, medidas do Governo para acabar com estas formas encapotadas de promover o empobrecimento dos trabalhadores e dos reformados.
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Portugal encontra-se mais endividado, deficitário e dependente, mas também mais desigual.
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Ao contrário do que afirma o Governo, o país está mais vulnerável e pior preparado para enfrentar a crise financeira. Crise que não pode agora explicar o fracasso, nem ser pretexto para exigir novos sacrifícios aos trabalhadores, aos reformados, aos pequenos e médios empresários, aos portugueses.
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Esta evolução é a consequência lógica de uma política que travou o investimento público, diminuiu o poder aquisitivo do povo, promoveu a financeirização da economia com a liquidação da actividade produtiva nacional, concentrou a riqueza e fez do controlo orçamental a primeira prioridade, em detrimento do crescimento económico.
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Uma política que é da inteira responsabilidade do Governo do PS de José Sócrates e que teve graves e preocupantes consequências na degradação da situação social do país.
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O agravamento das condições de vida a que assistimos, o desemprego, a precariedade, os baixos salários, o aumento dos preços e dos juros, a arbitrariedade patronal, com a tolerância e o incentivo do Governo PS, atingem fortemente os trabalhadores.
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A incerteza e a preocupação estão presentes no dia a dia de centenas de milhares de trabalhadores ao mesmo tempo que os lucros da banca e dos grupos económicos e financeiros são dos maiores das últimas décadas, num círculo cruel de injustiças e desigualdades sociais.
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Dupla injustiça quando vemos o País transformado num autentico paraíso fiscal para a banca que paga os impostos que quer e como quer a coberto das excepções e benefícios fiscais que os sucessivos governo do PS e do PSD-CDS-PP criaram e que o Governo José Sócrates, mesmo perante a evidência do escândalo da baixíssima taxa efectiva de IRC de 2007, admite e justifica pelo vazio da sua intervenção.
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O Governo do PS de José Sócrates, tal como os anteriores decretaram e consideram de facto, Portugal, um off-shore para a banca!
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Liquidar direitos
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Injustiças que agora se pretendem agravar com a subversão e liquidação de direitos laborais essenciais dos trabalhadores portugueses que querem alterar para pior o Código do Trabalho e a legislação laboral da Administração Pública.
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O que querem é intolerável. Não podemos aceitar a facilitação dos despedimentos sem justa causa, horários de trabalho incompatíveis com a vida pessoal e familiar, baixa de salários, liquidação dos direitos e da contratação colectiva, acentuação da arbitrariedade patronal e da limitação da liberdade sindical.
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O que se impõe com urgência face à degradada situação social existente é o reforço da protecção dos direitos dos trabalhadores na lei e a sua efectiva aplicação. Ao Governo PS exigimos que retome propostas do PS quando era oposição e não as que a própria direita não teve força para impor!
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O PCP vai combater a todos os níveis os propósitos do Governo e das Confederações Patronais, fazer frente a essa declaração de guerra contra os trabalhadores portugueses
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No seguimento de muitas iniciativas, designadamente das propostas recentemente apresentadas para o combate à precariedade, vai apresentar na Assembleia da República uma proposta unificada para eliminar os aspectos negativos do Código do Trabalho.
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Defender o nosso mar
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Nestas jornadas parlamentares na Região Autónoma dos Açores impõe-se abordar as questões ligadas ao mar, tanto mais num momento em que aqueles que parece terem agora descoberto o mar como factor de desenvolvimento, são afinal os mesmos que ao longo das ultimas três décadas foram e são responsáveis pelo declínio do nosso sector da pesca e da indústria conserveira, da destruição quase completa da construção naval e da frota de marinha mercante nacionais e que pactuaram e promoveram com situações de autêntica agressão da gestão sustentável da orla marítima.
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Sem dúvida que há muito que se exige uma política e investimento públicos que possibilitassem “tirar o melhor partido dos recursos disponíveis, conhecer o património marinho promovendo a sua utilização e preservação, recuperar e tornar economicamente viável e de forma sustentável os recursos naturais depauperados, resolver os problemas de conflitos sectoriais nas utilizações do mar”, em áreas como os transportes, energia, pescas e aquicultura, investigação, ambiente, educação, turismo ou defesa nacional e segurança.
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Uma política que parta da realidade, das potencialidades e das necessidades do País e de um projecto de desenvolvimento endógeno, o que exige a afirmação da soberania e independência nacionais, isto é, a salvaguarda da soberania nacional quanto à gestão do seu território, designadamente das suas águas territoriais e zonas económicas exclusivas (ZEE), nas suas diferentes dimensões, como: a exploração dos recursos, os transportes, a investigação, a gestão de fronteiras e a segurança, o ordenamento do território, o ambiente ou as actividades económicas, de que é exemplo a pesca.
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No entanto, a assunção deste princípio fundamental está a ser, uma vez mais, colocada em causa.
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Ameaças à soberania
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Estamos confrontados com graves ameaças de perda de soberania nacional, nomeadamente quanto às questões do mar, não só pelo conteúdo da proposta de Tratado - agora rebaptizado de “Lisboa” - mas igualmente por todo um conjunto de políticas e medidas que sistematicamente colocam em causa a soberania nacional, transferindo poder de decisão para a União Europeia.
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Tal significaria o reforço dos poderes das suas instituições supranacionais à custa da soberania de Portugal, país com a maior Zona Económica Exclusiva ao nível da União Europeia.
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O agora denominado tratado de «Lisboa» – cuja ratificação “de cruz” está prevista para o próximo dia 23 de Abril na Assembleia da República – tão glorificado pelo PS e o seu governo, tão apoiado pelo PSD e pelo CDS-PP, propõe que a União Europeia disponha de competência exclusiva quanto à «conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas». Ou seja, a perda de soberania nacional quanto à gestão dos nossos recursos biológicos marinhos.
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Aqui reafirmamos a nossa mais firme rejeição de tais propostas e a exigência do respeito da soberania e da competência de cada Estado quanto à gestão das suas águas territoriais e zonas económicas e exclusivas (ZEE), designadamente no que se refere aos recursos marinhos.
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Ao nível da União Europeia, para além desta questão central, temos vindo a batermo-nos pelo reconhecimento das especificidades das regiões ultraperiféricas, como os Açores e a Madeira, avançando com políticas e medidas, sem sujeição a critérios de transitoriedade nem a evoluções conjunturais ou artificiais de riqueza, que contribuíssem para dar resposta aos constrangimentos permanentes a que estão sujeitas estas regiões, pugnando pela criação de um programa comunitário, com os adequados meios financeiros.
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Medidas que incluiriam, por exemplo, a consideração da área correspondente às ZEE dos Açores e da Madeira, como "zona de acesso exclusiva", a fim de garantir a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos, da actividade da pesca e das respectivas comunidades locais.

Valorizar a ética política

A evolução da situação política e social tem vindo a demonstrar, tantas vezes de forma dramática, bem visível nos problemas sociais do País, que a política de direita praticada à vez por PS e PSD, com ou sem o CDS-PP, está ao serviço dos grandes interesses económicos e não ao serviço do País e da maioria dos portugueses.
É sem surpresa, mas com uma profunda indignação, que assistimos ao permanente trânsito de ministros e dirigentes partidários, para grandes empresas e grupos económicos, em regra nos sectores em que tiveram responsabilidades políticas e em que até tomaram decisões favoráveis a essas empresas.
É quase como se houvesse uma espécie de progressão na carreira. Está-se em ministro e pratica-se uma política lesiva do interesse colectivo e de benefício dos grandes interesses económicos. Sai-se de ministro e a seu tempo lá virá o cargo, principescamente pago e acolchoado com luxuosas mordomias, numa empresa antes tutelada ou beneficiária de decisões tomadas.
É um escândalo! Um escândalo que tem de ser combatido, certamente com melhorias nas leis, mas que não dispensa a valorização da ética política. Um escândalo que contribui para reforçar o descrédito da política perante o povo. Um escândalo que é mais uma prova de que, cada vez mais, e ao contrário do que impõe a nossa Constituição, é o poder económico que manda no poder político.
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Mas o que esta situação evidência é a urgente necessidade de pôr fim ao ciclo vicioso da alternância sem alternativa que amarra o país ao bloco central dos interesses.
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É perante esta realidade que nós afirmamos a premência da construção de um caminho novo alternativo e uma solução nova que só é possível com o PCP, a grande força de oposição a esta política e a este Governo do PS.
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(Subtítulos da responsabilidade da redacção)

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.in Avante 2008.04.24
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Os dramas do PSD

A demissão

O PSD entrou mais uma vez em ebulição e, com ele, o País. Neste momento não há canal de televisão que não apresente um debate sobre o assunto, rádio que sobre ele não alinhe comentários a puxar ao judicioso, primeiras páginas que não lhe dispensem o melhor do seu espaço, comentadores que não se apliquem, esforçados, a desencantar mistérios na demissão de Luís Filipe Menezes.
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Isto apesar de a coisa, razoavelmente, não ter mistério que se veja. Luís Filipe Menezes limitou-se a dar mais uma cambalhota após uma entusiasmada série delas à frente do PSD. Aceita-se que este último exercício teve a sua espectacularidade, mas não desmerece qualquer dos que exibiu nesta sua fugaz liderança, seja a promessa de desmantelar o Estado em seis meses, de impor uma nova Constituição, de privatizar tudo numa legislatura ou de declarar o seu partido em estado impróprio para governar, asserções que igualmente desdiria com a mesma descontracção, após críticas e sarcasmos colhidos nos jornais.
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É, aliás, um ponto assente que este atleta nunca teve fôlego para a alta competição mas, em contrapartida, foi-se tornando exímio na pista dos circos políticos.
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Seja lá como for, Menezes desistiu e desta vez nem chorou nem nada perante a televisão, mesmo afirmando, de novo, que a traição e a infâmia o continuam a perseguir.
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Pode ser, ou não, que Menezes sonhe recandidatar-se, tal como é possível haver por aqui, ou não, a tal manobra visando uma «vaga de fundo» que desencadeie o regresso triunfal do líder agora demissionário. Com a figura em presença tudo é possível, mas o que importa é que a demissão de Menezes desencadeou o alvoroço da praxe e, nem uma semana depois, já vários candidatos escarvam promessas na linha de partida.
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O primeiro a chegar-se à frente foi Pedro Aguiar Branco, para ser também o primeiro a desistir a favor de Manuela Ferreira Leite, que de medíocre ex-ministra da Educação e má ex-ministra das Finanças (por exemplo, são dela os primeiros grandes ataques à Função Pública), com o passar dos anos e a promoção mediática se transmutaria numa «personalidade incontornável» destilando «competência» e «prestígio» que ninguém sabe donde vieram ou como foram adquiridos, mas que a generalidade dos órgãos de Informação garante e proclama. Há também um Pedro Passos Coelho, que parece ter deixado de ser o «jovem dirigente» que protagonizou durante décadas para surgir agora - ao que consta finalmente licenciado e tudo -, maduro o suficiente para reivindicar o troféu da casa, além do inevitável Pedro Santana Lopes, que continua a «andar por aí» nos seus preparos de «menino-guerreiro», sempre pronto a subir ao primeiro palco que apanhe a jeito.
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Todavia, o drama maior do PSD já não assenta no conhecido «saco de gatos» que sempre constituiu a disputa pelo poder no partido. O seu maior problema, actualmente, chama-se José Sócrates, cujo Governo PS está não apenas a cumprir toda a política de restauracionismo capitalista também praticada e defendida pelos Executivos do PSD, como o está a fazer com muito mais eficácia – tanta que, com Menezes ou sem ele, o PSD não consegue de há três anos para cá opor-se seriamente ao que quer que seja na política deste Governo.
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Não é por acaso que José Júdice, um ex-PSD agora unha-com-carne com José Sócrates, chegou já ao extremo de propor a «fusão» entre o PS e o PSD. Na verdade nada os tem distinguido, no terreno concreto da governação que ambos têm partilhado em exclusivo.
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A não ser, eventualmente, a melhor performance de Sócrates. Na política de direita, claro.
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in Avante 2008.04.24
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Itália - Berlusconi vence eleições

Tragédia italiana

As forças mais reaccionárias obtiveram uma vitória clara nas eleições italianas. O desprestígio da coligação de «centro-esquerda» de Prodi, que governou à direita, conduziu a um desfecho previsível: traindo a sua base eleitoral, fortaleceu Berlusconi, Bossi e Fini e entregou-lhes a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Avizinham-se tempos negros para os trabalhadores italianos. O presidente cessante da confederação patronal declarou já guerra às estruturas sindicais, com Durão Barroso na plateia (La Stampa, 19.4.08).
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Em meados dos anos 70 a Itália tinha o maior Partido Comunista da Europa ocidental. A notável força social, política e eleitoral do PCI, conquistada ao longo de décadas de luta pelos interesses da classe operária e na resistência antifascista, alcançou enormes avanços sociais. Mas no seio do PCI ganharam força correntes que minaram a sua natureza de classe, a sua história e razão de ser. Correntes que conduziram à sua liquidação em 1991. É instrutivo verificar que grande parte daqueles que conduziram essa liquidação são hoje dirigentes de uma força política – o recém-formado Partido Democrático – que nada tem que ver nem com a tradição comunista, nem sequer com a tradição social-democrata ou o movimento operário. Não se afirmam de esquerda. São defensores assumidos dos interesses do grande capital e do imperialismo italiano e europeu. E governaram como tal, nestes últimos dois anos. Quer no plano social e económico, quer em matéria de política externa – do Afeganistão ao Líbano, do Kosovo às relações com os EUA e Israel. Segundo um relatório da OSCE divulgado nas vésperas das eleições, o salário médio dos trabalhadores italianos é hoje inferior ao da Grécia e Espanha, apenas superando o de Portugal, entre os países da Europa ocidental.
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O enorme descontentamento com a política governamental castigou também as forças mais à esquerda da coligação de governo, que perderam mais de dois terços dos votos obtidos há dois anos. Incapazes de condicionar a política do governo, mas também de a combater através da luta de massas, viram-se destroçadas, entre a tentação do «voto útil» para derrotar Berlusconi e o ser considerados «iguais aos outros». Parte substancial do seu eleitorado virou as costas ao que considerou uma excessiva institucionalização e uma subestimação da luta de classes e de massas. E também a tendências assumidas durante a campanha eleitoral, de diluição do Partido da Refundação Comunista no seio de formações políticas sem uma clara natureza anti-imperialista e anti-capitalista, e sem que isso correspondesse a decisões tomadas democraticamente pelas estruturas do PRC ou pelos seus militantes.
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Talvez em nenhum outro país se tenha gasto tanta tinta a «repensar a esquerda» e «renovar a prática de esquerda» como em Itália. Durante décadas fomos sujeitos aos conselhos de nos «modernizarmos» como «em Itália». O desfecho de tanto «repensamento» e liquidacionismo está à vista e é trágico: pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, não haverá no Parlamento italiano deputados comunistas. Nem sequer socialistas, ou verdes. Uma direita fascizante assume as rédeas do poder num momento de crise profunda do capitalismo. Mas a História não pára. Será a própria realidade de um capitalismo explorador e voraz a impor a necessidade de a classe operária italiana reerguer as suas estruturas de classe. Importa que, ao fazê-lo, saiba extrair as lições e evitar os erros do passado. Para bem dos trabalhadores de Itália e de todo o Mundo.
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in Avante 2008.04.24
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O bom jornalismo


Todos estarão ainda lembrados da polémica que gerou a investigação do jornal Público sobre o alegado trabalho profissional de José Sócrates, na Guarda, durante o período em que era deputado em regime de exclusividade.
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Segundo o Público de sábado, o Conselho de Redacção da Lusa considera que houve no tratamento deste caso atitudes «pouco consentâneas com a obrigação de isenção, objectividade e independência» da agência. Refira-se que o Conselho de Redacção é a entidade que os jornalistas têm o direito de eleger em todos órgãos de informação, com um importante conjunto de competências no âmbito deontológico e disciplinar, através do qual os jornalistas participam na orientação editorial. O Conselho de Redacção é obrigatoriamente presidido pelo director do órgão.
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O Público teve acesso a uma acta do Conselho de Redacção em que os cinco jornalistas eleitos referem a sua estranheza por, no período em que se discutia o tal caso dos projectos da Guarda, a Lusa ter noticiado «um parecer do jurista Paulo Otero, trazido em mão à Lusa por um assessor do primeiro-ministro e entregue ao director de informação, sem se ouvirem outros juristas nesta matéria.»
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Na mesma edição do Público, poucas páginas adiante, Eduardo Cintra Torres denuncia sobre o mesmo caso que o director de informação «acrescentou numa notícia uma citação de um blogue favorável ao primeiro-ministro (Causa Nostra, de Vital Moreira)», sem que outros blogues fossem citados. E acrescenta que, nos últimos meses, membros do Conselho de Redacção foram transferidos ou afastados das suas funções.
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A confirmarem-se a notícia do Público e as acusações de Cintra Torres, trata-se de uma ingerência inaceitável e descarada do Governo na agência de notícias nacional, um desrespeito pelo profissionalismo e pelos princípios deontológicos dos jornalistas, um rude golpe na confiança que os portugueses têm de ter na comunicação social.
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Uma comunicação social pluralista, democrática e responsável é essencial num regime de liberdade. E é incompatível com assessores do primeiro-ministro a fazerem entregas aos directores de informação.
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in Avante 2008.04.24
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A democracia, a Madeira e as políticas de direita


O ruído provocado por Jardim no limiar da visita de Cavaco Silva à Madeira terá despertado em alguns um indignado protesto. Olhando pelos olhos dos que viram, e reduziram, o episódio da menorização da assembleia legislativa regional à expressão do empobrecimento da vida democrática na região, corre-se o risco de não ver o essencial.
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Ficará bem, e dará jeito, reduzir os problemas da vida política na Madeira aos limites do chamado «défice democrático». De uma assentada remete-se para um caso isolado o problema da democracia e das liberdades, como se ele não tivesse expressão num quadro mais vasto da vida política nacional, ao mesmo tempo que se ilude que o essencial da expressão da degradação da democracia política – na Região ampliada pela cultivada boçalidade de Jardim mas longe de poder ser separada do partido que chefia – encontra a explicação maior no ataque à democracia económica e social. Pelo que os inusitados elogios que das mais altas figuras do Estado, do Presidente da Assembleia da Republica ao Presidente da República, se ouvem a Jardim e «à sua obra», aparentemente desadequados, são sinónimo de uma identidade mais ampla e profunda com o essencial do rumo do modelo e opções de política económica que na região se desenvolvem. Mais do que divergências o que ali mora é cooperação alimentada por uma confluência estratégica de interesses de classe.
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Olhar para a região e não ver para além do anómalo funcionamento das instituições regionais impostas por uma maioria, e pela esforçada actividade circense do seu responsável máximo, é não ver que por detrás da degradação política da vida regional está um regime de incompatibilidades que favorece a mais completa promiscuidade entre o poder político e económico em que se alimenta e desenvolve uma teia clientelar e uma pressão sufocante de dependências económicas e sociais; é não ver que por detrás do off-shore da Madeira, ponto de convergência de interesses pouco transparentes que une figuras do chamado bloco central, se esconde um quadro de degradação da actividade económica e produtiva da região; é não ver que por detrás dos investimentos públicos e das sociedades de desenvolvimento persiste uma Madeira profundamente assimétrica, com um quadro social marcado pelo aumento do desemprego e por um alastramento da pobreza que, segundo estudo do ISCTE, atinge hoje um terço da população.
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Comemorar Abril
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Se as transformações económicas e sociais foram condição de sobrevivência e afirmação da própria democracia e das liberdades na Revolução de Abril é absolutamente verdade que o ataque à democracia económica e social terá, com está a ter, consequências na democracia política e nas liberdades. Na Madeira, como no continente e nos Açores, o ataque aos direitos sociais tem tradução nas limitações à democracia e às liberdades. Ao aumento da exploração e à eliminação dos direitos dos trabalhadores está associado o ataque à liberdade sindical já hoje inexistente em milhares de empresas e locais de trabalho; à luta de contestação à destruição de serviços públicos e funções sociais do Estado sucedem-se os casos de pressão e intimidação policial; ao exercício de esclarecimento e informação recorre-se crescentemente à limitação do direito de propaganda política.
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O uso e abuso do aparelho de Estado ou a fusão absoluta entre decisões governamentais e interesses partidários está tão presente no governo daquela região como no da República. As recentes decisões do governo de Sócrates de adoptar um mapa para as futuras associações de municípios desenhado, no caso do distrito de Évora, em função das decisões e conveniências da distrital do PS para assegurar uma maioria de que só disporá com a consumação de um golpe (remeter Mora para o distrito de Portalegre), a escandalosa marginalização do presidente da região de turismo de Évora da comissão instaladora da futura região Alentejo por interesses do PS e gesto de vingança pessoal do Secretário de Estado, ou as já conhecidas acções de favorecimento de municípios do PS em matéria de acesso a fundos comunitários, são apenas exemplos recentes que fazem, perante eles, Jardim não passar de menino de coro.
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Fazer da Madeira, marcada sem dúvida por uma perpetuada e antidemocrática teia de dependências, a expressão única de degradação política deixaria de fora muito do que empobrece a vida democrática nacional. Comemorando Abril, não é de mais lembrar que é na defesa das suas conquistas e avanços e na resistência às políticas de direita que a democracia e as liberdades se afirmam e defendem. E que a democracia é bem mais do que o melhor ou pior funcionamento das instituições e do que este jogo de alternâncias na condução das políticas que a negam e reduzem
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in Avante 2008.04.24
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