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| «Tudo em grande» é divisa que bem poderia traduzir as orientações centrais do Vaticano, nestes tempos de Bento XVI. Numa sociedade global que «foi antes de sê-lo» e passou, sem transição, do projecto à derrocada, o alto clero católico sente que uma nova oportunidade chegou com estes cenários de tragédia wagneriana. O Estado laico está debilitado. Campeiam e corrompem as instituições, a gula pelo lucro e a ambição do poder. Políticos e capitalistas, incapazes e desonestos, cruzam-se nos corredores dos mercados. Entre os povos há desolação, miséria, fome e desemprego. . O Vaticano está atento a estes sinais dos tempos. Chegou a altura de tocar a reunir. A Igreja voltará a ocupar o lugar que lhe compete de detentora, directa ou indirecta, das rédeas do poder, pensam os cardeais. Como nos tempos de outrora, quando era o Papa que escolhia os reis e só a Igreja ensinava a ler ou garantia ao povo um catre nos hospitais ou um caldo dos pobres. Porque a Igreja nunca esquece os esplendores passados. . Nesta linha de acção surgiu agora em Portugal um novo bispo-vedeta – Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga. É ele, presentemente, «a voz e os ouvidos» lusitanos de Bento XVI. Tem um discurso político de intervenção, fácil de entender. Porque a igreja só é muda, «humanista e personalista», nos momentos de pausa. Quando passa à acção recorre a tácticas dinâmicas. Conhece os conteúdos reais e prepara-os para as mudanças pré-concebidas. Tudo isto adubado com o picante da demagogia. . No aproveitar é que está o ganho... . Olhando as ruínas dos sistemas laicos dominantes a igreja cria, assim, estratégicos espaços livres intercalares. Mobila-os a seu gosto e ocupa-os. Jorge Ortiga, por exemplo, declarou que em Portugal o Estado «é militantemente ateu» e promove «a exclusão social da Igreja». O que não é verdade, como é evidente para qualquer cidadão. A Igreja está gorda de privilégios e de isenções. Graças ao facto de Portugal dispor de uma Constituição democrática que a Igreja manipula livremente, em benefício próprio, através da Lei das Liberdades Religiosas e da Concordata. Se alguma queixa é manifestamente justa será a do cidadão comum, quando reclama contra a impunidade com que as instituições católicas abusam das normas constitucionais, as contornam e substituem nos seus princípios. O episcopado compreende tudo isto mas também entende que ao negar a evidência e ao substituí-la por uma construção virtual, mesmo que ilógica, cria condições estratégicas para o maior engrandecimento da instituição católica. Declarou, sem rebuços, Jorge Ortiga: «A Igreja tem de viver em relação permanente com a Sociedade e relativizar o Estado...» Palavras não eram ditas e já um outro bispo, Carlos Azevedo, recorria ao mecanismo das exclusões virtuais e declarava, sem meias medidas, que a área do Ensino tinha sido, durante o período fascista, um feudo da Maçonaria. É uma declaração que abertamente não tem a cobertura dos factos. Bem sabe isto, o bispo, mas desenvolve a mesma estratégia de Jorge Ortiga para diabolizar o adversário e criar um espaço vazio acessível a futuras intervenções da Igreja. . Simultaneamente a estas tomadas de posição dos eclesiásticos, um outro anúncio começa a tomar forma. Falou-se, há pouco tempo, na formação de um novo partido político – o Movimento Esperança Portugal – e começa agora a definir-se o seu perfil. Teoricamente, proclamar-se-á da área do humanismo personalista. Terá apoios e simpatias entre as grandes centrais patronais, o Opus Dei e o mundo empresarial financeiro ligado à Obra, contando também com grandes apoios do centro-direita e da extrema-direita portugueses. Propõe-se fazer trabalho social em toda a sociedade civil. . Este quadro de intenções configura a restauração da desmantelada Acção Católica, a «forma organizada do apostolado dos leigos» inspirada pelo papa Pio XI , em 1933, e reforçada em 1965 pelo decreto «Ad limines», do Concílio Vaticano II que lhe imprimiu a vertente de actividade missionária. Por curiosa coincidência, 1933 é o ano da consolidação do fascismo em Portugal e 1965 pertence à fase da intensificação das guerras coloniais. Caso tivesse funcionado no seu conjunto, a Acção Católica constituiria uma vasta rede de voluntariado social com uma cadeia de direcção do tipo corporativo, capaz de envolver as classes operárias e populares com os mitos favoritos de uma Igreja que no mínimo foi sempre ultraconservadora. O facto é que fracassou por falta de convicção, dos comportamentos adoptados ou de maleabilidade de organização. . A Conferência Episcopal revela em toda esta filosofia de retorno uma falta confrangedora de inovação, de conhecimento das aspirações populares e de motivação ideológica. Pior para a Igreja, melhor para o nosso Povo. . in Avante 2008.04.17 . .
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