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| A comunicação social elegeu como tema de sensação os atritos que eventualmente poderão vir a confrontar o PS e os bispos católicos. A questão vale o que vale e não deve servir para distrair a opinião pública do essencial. No fim de contas, o PS no poder é um partido atravessado, em todos os níveis, pela influência determinante da Igreja. É não só o Opus Dei de Jaime Gama mas, também, a Comunidade de Santo Egídio de Mário Soares, as Misericórdias do padre Melícias, os salesianos de Guterres, os Jesuítas, os Franciscanos, etc., etc... Em suma, é frequente a articulação PS/sociedade civil/Igreja. Nos momentos de crise à vista intervêm mecanismos de segurança. Podemos, pois, ficar certos de que um bom entendimento entre as partes será encontrado. . Aspecto diferente - mas da maior importância - é o anúncio de uma reavaliação das posições da Igreja Católica no xadrez político português. É neste aspecto que as declarações dos bispos e da Conferência Episcopal devem merecer grande atenção e o necessário acompanhamento. Só faltava a este país que a intervenção política da Igreja resvalasse para contornos abertamente fascizantes. Mas é inegável que, comandada à distancia por Bento XVI, a Assembleia Plenária do episcopado reconduziu nos cargos os bispos mais duros, mais conservadores e mais adeptos da intervenção da Igreja na sociedade, por qualquer preço. Tão grande e tão súbita foi a cambalhota que os bispos recomeçaram a desfraldar as bandeiras do passado e retomaram os velhos temas do divórcio, da interrupção voluntária da gravidez, dos impostos fiscais dos padres católicos, dos apoios do Estado aos media da Igreja e à intervenção católica nos hospitais, nas forças armadas, nas prisões... e assim por diante. Como se isto não bastasse, os bispos declaram a intenção de comemorarem o próximo 5 de Outubro, data da implantação da República, com uma grande manifestação de massas que recorde os mártires da República (entenda-se, o regicídio, as prisões e expulsão de certos padres e organizações católicas e o corte de privilégios anteriores da Igreja). Portanto, os católicos devem agora «muscular» a sua presença e passar à acção directa. . Os bispos portugueses estão simplesmente a tentar copiar o que já aconteceu na Espanha de Zapatero.
A «questão espanhola»
Nas relações Igreja/Estado há, actualmente, um paralelo evidente entre a situação em Espanha e em Portugal. Os socialistas detêm o poder e cruzam-se com uma Igreja conservadora e uma sociedade civil que rapidamente se afasta da religião e se laiciza. Já ficou dito mas convém recordar que em Espanha os casamentos civis já representam 44% do total; que os baptismos católicos caíram mais de 40 pontos percentuais; que as comunhões e confirmações deixaram de ser prática comum: em quatro anos passaram de 123 mil para 99 mil. Acelera a chamada «crise de vocações sacerdotais». . Noutro sentido, há um factor distintivo nas duas situações ibéricas: o PS ganhou as eleições com maioria absoluta; o PSOE, não. Logo, é mais fácil à Igreja (com gente sua no aparelho do Estado) obter bons resultados em Portugal, atacando as alas socialistas laicas mas amparando o partido como instrumento do poder. Trabalhando «por dentro» o PS, nomeadamente nas áreas que lhe foram facilitadas pelos socialistas e são uma verdadeira monstruosidade jurídica: a Concordata a par da Lei das Liberdades Religiosas. Manipulando os dois diplomas, a Igreja portuguesa tem podido reforçar os seus privilégios e calar os seus escândalos, invocando constantemente a Concordata cuja versão corrente nem sequer foi regulamentada. Acerca da Lei das Liberdades Religiosas, os bispos saúdam-na mas acham que ela é para os outros, para «os garotos» das outras confissões religiosas. A liberdade religiosa é um tema que convém manter, como uma reserva. . Curiosamente, os bispos nem sequer referem as manobras que estão a ser desenvolvidas para a constituição de um novo partido político «humanista e personalista», o «Movimento Esperança Portugal». O silêncio é uma arma com que a Igreja sabe muito bem esgrimir intercalando-o no discurso aparatoso que divide a opinião e engana as massas. É este o grande estilo da hierarquia da igreja: dividir para reinar ... . Mas é certo e seguro que é o homem quem escreve a História e que nenhum Estado se pode pretender democrático se passar ao lado da separação de poderes. Bem pode o clero espanhol tentar travar a laicidade do Estado lembrando os padres fuzilados pelo governo republicano «vermelhusco». Bem pode o clero português, na mesma linha de rumo, apelar ao sentimento, invocar o regicídio e convocar manifestações político-confessionais. Os povos adoptam o pensamento laico. É um dado irreversível. . in Avante 2008.04.10 . .
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