A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, abril 26, 2008

O senhor Silva e o menino Alberto

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Senhor Presidente,

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Chega hoje ao fim a sua visita à Madeira e, independentemente dos sinais que venha a emitir no momento da despedida, não posso deixar de exprimir-lhe, como madeirense e como português, um forte sentimento de desgosto e preocupação. Desgosto porque entendo que o senhor Presidente não esteve à altura do seu estatuto de primeiro magistrado da Nação numa parte importante – e até com carga simbólica – do território nacional. Preocupação porque a forma como essa visita se desenrolou, o modo como foi planeada e gerida, não podem deixar de influenciar negativamente o futuro do seu mandato e o respeito devido a quem exerce as funções de Presidente da República.

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Na Madeira, o senhor não foi – não soube ser – Presidente de todos os portugueses, como solenemente prometeu no início do seu mandato. E quem não o é – não o soube ser – na Madeira, poderá sê-lo noutros recantos do país? Eis a questão que, a partir daqui, é legítimo colocar.

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Na Madeira, o senhor foi um chefe do Estado diminuído no seu cargo, depois de ter aceite um programa oficial que o impediu de presidir a uma sessão solene na mais alta instância representativa da democracia na Região e de ouvir, nesse local próprio e não na quase clandestinidade de um hotel, os representantes da oposição regional.

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Acresce que antes ainda da sua chegada ao Funchal, o presidente do Governo Regional não se coibiu, com a má-criação e brutalidade costumeiras, de esclarecer as razões pelas quais essa sessão solene tinha sido eliminada do programa oficial, assim como tinham sido excluídos quaisquer actos públicos onde a oposição madeirense pudesse exprimir-se formalmente.

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Ao classificar de «bando de loucos» os deputados de outros partidos, Alberto João Jardim não apenas insultou gravemente (e de uma forma reiteradamente impune) cidadãos que representam uma parte do povo madeirense. Insultou também a própria sede do poder democrático na Região e revelou, de modo incontroverso, o desprezo absoluto que lhe inspiram as instituições do Estado, incluindo o Presidente da República.

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Além disso, ao comportar-se dessa forma, o presidente do Governo Regional estava também a provocá-lo e, indirectamente, a insultá-lo a si, na medida em que apoucava o significado da sua visita e do seu cargo, considerando-o refém virtual dos seus caprichos de pequeno ditador insular.

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Nada disto é decerto surpreendente tratando-se de Alberto João Jardim. Mas precisamente porque o não é, torna-se incompreensível que a preparação da sua visita oficial à Madeira tenha sido feita com tanto amadorismo e tanta condescendência. De resto, só por infinita e impensável ingenuidade – a que, perdoe-me a ousadia, apenas os idiotas úteis costumam prestar-se – os seus assessores poderão ter admitido que, de transigência em transigência, engolindo em seco os vexames, fazendo orelhas moucas às provocações soezes, se poderia criar um clima de diálogo e pacificação entre o Governo da Região e o Governo da República.

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O senhor Presidente simulou acreditar nisso, em nome da eficácia, ao defender o seu direito de reserva para não falar em público sobre matérias conflituais. Permita-me que lhe diga que se trata de um enorme, funesto equívoco. Aliás, mesmo que porventura conseguisse alguma pacificação transitória nas relações entre Sócrates e Jardim, essa acalmia seria absolutamente ilusória até Jardim obter alguns ganhos de mercearia que lhe permitissem colmatar um buraco mais crítico da monstruosa dívida regional.

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É que a história foi sempre essa, mesmo com aqueles governos que se prestavam com a maior placidez a ceder mundos e fundos à gula insaciável do despesismo jardinista, para, logo depois, o tiranete da Madeira retomar os velhos insultos e chantagens até extorquir mais e mais, numa espiral sem fim.

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Não, senhor Presidente, não há pacificação possível com quem faz da guerra verbal, da chantagem permanente, das ameaças e insultos, do desprezo pela democracia, da construção de um sistema de promiscuidades, compadrios e subserviências de tipo mafioso, os únicos métodos – ilustrados exaustivamente ao longo de trinta anos – que conhece e pratica para exercer o poder. Além disso, a partir do momento em que o Presidente da República aceita ou escamoteia – por razões ditas de eficácia – os atropelos e as ofensas à democracia e à sua própria dignidade institucional, que mensagem passa ele não só para uma região onde ocorrem intoleráveis anormalidades antidemocráticas mas também para o país inteiro?

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Essas anormalidades são justificáveis em nome da autonomia regional e da legitimidade política conquistada ao longo de três décadas de vitórias eleitorais por Alberto João Jardim? Ou são-no também devido ao espectacular desenvolvimento material da Madeira desde o 25 de Abril, sem que se questione o beco sem saída de um ‘modelo’ não reprodutivo, enquistado na ‘monocultura’ do betão, enquanto se delapida o património natural e se hipoteca o futuro do arquipélago e das próximas gerações?

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A demagogia, o populismo, a corrupção, as redes de promiscuidade entre a política e os negócios, as desigualdades no acesso aos meios e condições da democracia – incluindo o domínio dos media – ameaçam o exercício das liberdades nas sociedades abertas dos nossos dias.

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Vencedor incontestável das últimas eleições italianas, apesar dos seus dois fiascos políticos anteriores, Berlusconi assenta o seu poder num avassalador império económico e mediático que parece ter ‘sequestrado’ a vontade e até o imaginário de um país em crise profunda. A legitimidade eleitoral desse poder não é questionada, mas que dizer das regras do jogo em que assenta?

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E que dizer, senhor Presidente, de uma região portuguesa em que a autonomia da sociedade, da política, da economia, até da cultura, foi sequestrada pelo centralismo despótico e demencial de quem, revendo-se ao espelho, chama «bando de loucos» aos que discordam dele?

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Publicado por vicentejorgesilva
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in semanário Sol


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