Mundo
Elmar Altvater
A redução da jornada de trabalho é a unica possibilidade de impedir o aumento do desemprego e do trabalho precário. O bem-estar das nações cresce com o aumento da produtividade. Mas o aumento da produtividade traz consigo a elevação do número de trabalhadores com ocupação precária, dos desempregados, e a difusão da atividade informal.
Por Elmar Altvater*
Tomar apenas o crescimento como referência é algo inadequado para reverter esse desenvolvimento. Chegou a hora de trilhar novos caminhos na sociedade do trabalho.
Com uma economia em crescimento, muitos dos prementes problemas da humanidade parecem ser passíveis de solução. A economia poderia expandir-se a partir das dívidas gigantescas que os Estados provocaram para salvar os patrimônios financeiros. Com a expansão dos mercados, mais mercadorias poderiam ser vendidas. Para a sua produção, seriam criados novos postos de trabalho. O combate contra a miséria e a fome talvez fosse mais eficaz. E os objetivos do milênio estabelecidos pelas Nações Unidas em 2000, tais como educação para todos, redução da mortalidade infantil, combate a Aids e a malaria, talvez pudessem ser atingidos mais facilmente.
Mas apesar de todas as conjuras, as taxas de crescimento baixam em todas as partes do mundo. Nos anos 50, a República Federal da Alemanha teve um crescimento do PIB de mais de 8% ao ano. Nas décadas posteriores essa taxa reduziu-se pela metade, conhecendo depois outras reduções, chegando a 2,6% ao ano. No anos 90, a taxa de crescimento foi de apenas 1,2%. E seguramente, ela será nas primeiras décadas do século XXI ainda mais baixa, mesmo que fale-se muito agora do “milagre do trabalho” e do “Boom-Germany”. É fato que os dados da economia alemã de 2010 foram melhores que os esperados um ano antes. Mas a situação é ainda pior em outras partes da Europa. E o excedente de exportação da Alemanha não é isento de culpa em relação a isso. E há uma série de razões plausíveis envolvendo as perspectivas de longo prazo de uma tendencial queda da taxa de crescimento da economia.
Fim dos recursos naturais
Somente para a manutenção de uma taxa de crescimento constante, é necessário a continua elevação de aumento absoluto do produto interno bruto. E isso vale também para o uso de recursos naturais e para a emissão de poluentes. Caso o atual estoque de petróleo acabe, novas demandas poderão ser atendidas com a descoberta de novas reservas. Mas há um limite para isso, chamado na economia de “Peak Oil”.
Novos campos petrolíferos não poderão ser encontrados de forma ilimitada. A terra já está furada como um queijo suiço. E a exploração do chamado petróleo não convencional, como no mar profundo, é cara e extremamente perigosa, como prova a avaria da plataforma “Deepwater Horizon” na costa sul dos Estados Unidos da América. Ali, no momento, também há crescimento, mas graças ao imenso trabalho de limpeza. Isso não é uma prova convincente de mais bem-estar.
Assim, o crescimento que atinge os limites colocados pelo meio ambiente não é nenhum medicamento sem efeitos colaterais perigosos. Tais efeitos podem ser aceitos em nome da criação de novos postos de trabalho ? No capitalismo, a força de trabalho só pode ser empregada caso gere lucro. Os produtos de seu trabalho devem ser mercadorias em condições de enfrentar a concorrência nos mercados globais. Preço e qualidade devem ser compatíveis, a demanda deve existir. Isso também envolve a produtividade do trabalho e a distribuição de renda, caso haja aumento da ocupação.
A elevação da produtividade do trabalho é um processo muito complexo. Ela exige não apenas progresso técnico, como também a formação e a requalificação da força de trabalho. Ela demanda um rearranjo social e organizativo, a criação das respectivas condições políticas e mudanças culturais. Mas o mercado está pouco inclinado para isso. Os seus atores não pensam a longo prazo, mas a curto prazo. Eles são levados pela busca de ganhos rápidos, e não por perspectivas de desenvolvimento continuado.
Também ocorrem desvalorizações, e investimentos em novas instalações tornam-se necessários para elevar-se a produtividade do trabalho. Mas dessa maneira eleva-se igualmente a intensidade do capital, ou seja, a relação entre o capital aplicado por força de trabalho. Karl Marx chamou isso de “composição orgânica do capital”. Com uma melhor produtividade, a taxa de crescimento da economia pode subir, mas desde que a produção seja competitiva.
No entanto, o aumento da composição orgânica do capital faz baixar a taxa de lucro. E caso isso contribua para diminuir o investimento, a taxa de acumulação se reduz. Então, o capital líquido é preferencialmente investido no setor financeiro, e não na economia real. O que, por sua vez, provoca uma retração do excedente, enquanto as exigências financeiras vão crescendo. Essa é a constelação que faz com que as crises financeiras tornem-se quase inevitáveis, como mostram as experiências mais recentes.
Como constatou Adam Smith, um autor clássico da econômica política, uma elevada produtividade do trabalho aumenta o “bem-estar das nações”. Mas o reverso inevitável é o movimento que torna a força de trabalho supérflua. Por isso, David Ricardo caracterizou-a como sendo uma “população supérflua” (excedente populacional). Trata-se das ocupações precárias, dos desempregados e dos trabalhadores da economia informal dos dias de hoje. Como consequência do avanço produtivo há muita coisa em oferta . Mas o poder de compra não mantem-se e o número da força de trabalho em ocupação normal também não.
A redução da jornada de trabalho
A suposição de que o “exército de reserva” pudesse diminuir com o crescimento da economia, ou seja, com a expansão do volume de trabalho e com novas contratações, já foi criticada por Marx. Os capitalistas querem economizar em trabalho pago. Por isso, os efeitos gerados pelo exército de reserva devem ser mais eficazes do que a ampliação da produção. A inteira compensação do excedente gerado pela força de trabalho socavaria o objetivo em questão, ou seja, a redução dos custos do trabalho.
Diferentemente do capitalismo do século 19, hoje a discussão trava-se em torno de uma nova forma de compensação: precisamente, a redução da jornada de trabalho. De fato, ela é a única possíbilidade de evitar o aumento da “população supérflua” como consequência do progresso da produtividade. Ela exige na sociedade do trabalho uma pequena revolução cultural com possíveis consequências bastante abrangentes: trata-se da transformação do tempo alienado em tempo apropriado, da reorganização do trabalho assalariado, da ampliação do tempo livre e do trabalho comunitário. Trata-se de uma mudança fundamental das relações naturais, externas e internas. Isso indica uma revolução cultural.
Elmar Altvater é professor emérito da Universidade Livre de Berlim e membro do partido Die Linke (A Esquerda).
Tradução de Luciano C. Martorano
Com uma economia em crescimento, muitos dos prementes problemas da humanidade parecem ser passíveis de solução. A economia poderia expandir-se a partir das dívidas gigantescas que os Estados provocaram para salvar os patrimônios financeiros. Com a expansão dos mercados, mais mercadorias poderiam ser vendidas. Para a sua produção, seriam criados novos postos de trabalho. O combate contra a miséria e a fome talvez fosse mais eficaz. E os objetivos do milênio estabelecidos pelas Nações Unidas em 2000, tais como educação para todos, redução da mortalidade infantil, combate a Aids e a malaria, talvez pudessem ser atingidos mais facilmente.
Mas apesar de todas as conjuras, as taxas de crescimento baixam em todas as partes do mundo. Nos anos 50, a República Federal da Alemanha teve um crescimento do PIB de mais de 8% ao ano. Nas décadas posteriores essa taxa reduziu-se pela metade, conhecendo depois outras reduções, chegando a 2,6% ao ano. No anos 90, a taxa de crescimento foi de apenas 1,2%. E seguramente, ela será nas primeiras décadas do século XXI ainda mais baixa, mesmo que fale-se muito agora do “milagre do trabalho” e do “Boom-Germany”. É fato que os dados da economia alemã de 2010 foram melhores que os esperados um ano antes. Mas a situação é ainda pior em outras partes da Europa. E o excedente de exportação da Alemanha não é isento de culpa em relação a isso. E há uma série de razões plausíveis envolvendo as perspectivas de longo prazo de uma tendencial queda da taxa de crescimento da economia.
Fim dos recursos naturais
Somente para a manutenção de uma taxa de crescimento constante, é necessário a continua elevação de aumento absoluto do produto interno bruto. E isso vale também para o uso de recursos naturais e para a emissão de poluentes. Caso o atual estoque de petróleo acabe, novas demandas poderão ser atendidas com a descoberta de novas reservas. Mas há um limite para isso, chamado na economia de “Peak Oil”.
Novos campos petrolíferos não poderão ser encontrados de forma ilimitada. A terra já está furada como um queijo suiço. E a exploração do chamado petróleo não convencional, como no mar profundo, é cara e extremamente perigosa, como prova a avaria da plataforma “Deepwater Horizon” na costa sul dos Estados Unidos da América. Ali, no momento, também há crescimento, mas graças ao imenso trabalho de limpeza. Isso não é uma prova convincente de mais bem-estar.
Assim, o crescimento que atinge os limites colocados pelo meio ambiente não é nenhum medicamento sem efeitos colaterais perigosos. Tais efeitos podem ser aceitos em nome da criação de novos postos de trabalho ? No capitalismo, a força de trabalho só pode ser empregada caso gere lucro. Os produtos de seu trabalho devem ser mercadorias em condições de enfrentar a concorrência nos mercados globais. Preço e qualidade devem ser compatíveis, a demanda deve existir. Isso também envolve a produtividade do trabalho e a distribuição de renda, caso haja aumento da ocupação.
A elevação da produtividade do trabalho é um processo muito complexo. Ela exige não apenas progresso técnico, como também a formação e a requalificação da força de trabalho. Ela demanda um rearranjo social e organizativo, a criação das respectivas condições políticas e mudanças culturais. Mas o mercado está pouco inclinado para isso. Os seus atores não pensam a longo prazo, mas a curto prazo. Eles são levados pela busca de ganhos rápidos, e não por perspectivas de desenvolvimento continuado.
Também ocorrem desvalorizações, e investimentos em novas instalações tornam-se necessários para elevar-se a produtividade do trabalho. Mas dessa maneira eleva-se igualmente a intensidade do capital, ou seja, a relação entre o capital aplicado por força de trabalho. Karl Marx chamou isso de “composição orgânica do capital”. Com uma melhor produtividade, a taxa de crescimento da economia pode subir, mas desde que a produção seja competitiva.
No entanto, o aumento da composição orgânica do capital faz baixar a taxa de lucro. E caso isso contribua para diminuir o investimento, a taxa de acumulação se reduz. Então, o capital líquido é preferencialmente investido no setor financeiro, e não na economia real. O que, por sua vez, provoca uma retração do excedente, enquanto as exigências financeiras vão crescendo. Essa é a constelação que faz com que as crises financeiras tornem-se quase inevitáveis, como mostram as experiências mais recentes.
Como constatou Adam Smith, um autor clássico da econômica política, uma elevada produtividade do trabalho aumenta o “bem-estar das nações”. Mas o reverso inevitável é o movimento que torna a força de trabalho supérflua. Por isso, David Ricardo caracterizou-a como sendo uma “população supérflua” (excedente populacional). Trata-se das ocupações precárias, dos desempregados e dos trabalhadores da economia informal dos dias de hoje. Como consequência do avanço produtivo há muita coisa em oferta . Mas o poder de compra não mantem-se e o número da força de trabalho em ocupação normal também não.
A redução da jornada de trabalho
A suposição de que o “exército de reserva” pudesse diminuir com o crescimento da economia, ou seja, com a expansão do volume de trabalho e com novas contratações, já foi criticada por Marx. Os capitalistas querem economizar em trabalho pago. Por isso, os efeitos gerados pelo exército de reserva devem ser mais eficazes do que a ampliação da produção. A inteira compensação do excedente gerado pela força de trabalho socavaria o objetivo em questão, ou seja, a redução dos custos do trabalho.
Diferentemente do capitalismo do século 19, hoje a discussão trava-se em torno de uma nova forma de compensação: precisamente, a redução da jornada de trabalho. De fato, ela é a única possíbilidade de evitar o aumento da “população supérflua” como consequência do progresso da produtividade. Ela exige na sociedade do trabalho uma pequena revolução cultural com possíveis consequências bastante abrangentes: trata-se da transformação do tempo alienado em tempo apropriado, da reorganização do trabalho assalariado, da ampliação do tempo livre e do trabalho comunitário. Trata-se de uma mudança fundamental das relações naturais, externas e internas. Isso indica uma revolução cultural.
Elmar Altvater é professor emérito da Universidade Livre de Berlim e membro do partido Die Linke (A Esquerda).
Tradução de Luciano C. Martorano
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