Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2011
por Daniel Oliveira
Pedro Passos Coelho explicou, este fim de semana, numa  proposta aparentemente setorial, o que entende ser papel do Estado na  sociedade. Acha estranho que as pessoas possam aceder ao passe social  sem apresentarem uma declaração de rendimentos.  Ou seja, defende que o  passe deve apenas estar disponível como um  subsídio à mobilidade dos  mais pobres. Repete assim a ideia de que o  papel do Estado deve ser  meramente assistencialista.
Não é dificil perceber qual o resultado desta política:   como as pessoas também agem seguindo alguma racionalidade económica,  os  preços de mercado resultariam num abandono dos transportes públicos,  que ficariam, na realidade, quase exclusivamente reservados às classes  baixas. Além da perda de qualidade estar assim mais do que garantida -  já aqui expliquei várias vezes os  efeitos na qualidade dos serviços  públicos quando as classes médias  deixam de os utilizar -, isto teria  efeitos em toda a qualidade de vida  urbana.
Na verdade, Passos Coelho limita-se a querer continuar o que outros começaram.
O passe social nasceu, com o nome errado, no final dos  anos 70 e seguindo a boa experiência europeia.  Aproveitando o facto de  quase todos os transportes coletivos serem de  propriedade Estatal,  criou um bilhete mensal único para todos os  transportes urbanos,  dividido por coroas. Falhou ao deixar de fora os  títulos de transporte  para uma só viagem. Mas a lógica estava lá: a rede de transportes deve  ser vista como um todo e não como uma mera soma das partes. Não se  tratava de um apoio aos  mais pobres, mas da promoção do uso do  transporte coletivo. Não por  qualquer fetiche ideológico. Apenas porque  a sociedade, o ambiente e a economia ficam a ganhar com esta opção.
Quando começou, nos anos 90, o processo de  privatizações dos transportes o passe único perdeu importância. Os  privados não foram obrigados, como  são em grande parte das grandes  cidades europeias - sejam elas geridas  por pessoas de esquerda ou de  direita -, a aderir a este sistema.  Criaram-se então os passes  combinados. Um erro histórico: quase  metade das deslocações dos  lisboetas, por exemplo, são fora do circuito  casa-trabalho. Ou seja,  estes passes chegam para as deslocações  habituais, mas são inúteis em  todas as restantes movimentações, em que  os utentes passam a usar os  seus próprios carros. Se a isto juntarmos o crescimento económico dos  primeiros anos da entrada na CEE e o desinvestimento nos transportes  coletivos com uma canalização geral de fundos para a promoção do  transporte individual, o resultado foi o que se esperava: cada vez mais  carros nas cidades, trânsito infernal, estacionamento impossível, perdas  de produtividade e mais poluição. Esta opção foi paga por todos nós.  Sentiu-se nos nossos bolsos e na nossa qualidade de vida.
Durante as últimas décadas os transportes coletivos  passaram a cobrar preços impensáveis para os rendimentos médios dos  portugueses. E, para compensar o número cada vez maior de carros nas  cidades, também o estacionamento passou, e bem, a ser cobrado. Ou seja,  fosse qual fosse a opção passámos todos a pagar mais para nos  deslocarmos.
O que um governante tem de propor ao País é exatamente o  oposto do que propõe Pedro Passos Coelho: um pacto pela mobilidade. Os  passes e restantes títulos de transporte (únicos e incluindo os  operadores privados, como acontece na maioria das cidades europeias)  devem ser subsidiados pelo Estado não por qualquer razão social, mas por  uma questão de racionalidade económica. Em troca, o uso das redes  públicas por transportes individuais deve ser visto, sempre que há  alternativas, como um luxo que se paga. E paga-se para subsidiar o  transporte público.
Promover o transporte público tem efeitos diretos na  economia. Transportes públicos mais baratos e melhores permitem menor  dependência energética do País (com efeitos na dívida externa); menos  pressão no mercado imobiliário dos centros das cidades (a centralidade  perde importância); maior competitividade das regiões mais isoladas ou  deprimidas; menos tempo perdido nas deslocações para o trabalho (com  efeitos imediatos na produtividade); melhor saúde dos cidadãos (menos  custos no Serviço Nacional de Saúde); mais rendimento disponível (menos  despesa em transporte, incluindo no transporte individual); e menor  despesa na construção e manutenção de infraestruturas rodoviárias (é  insustentável manter uma rede pública que garanta mobilidade para todos  nos seus próprios carros).
O problema do debate sobre a despesa pública em   Portugal é que as contas são sempre as de merceeiro e não as das grandes   opções políticas. Passos Coelho pensou na despesa que o Estado tem com   os operadores públicos e com o passe social. Esquece-se de fazer as   contas para os efeitos económicos e orçamentais do desinvestimento no  transporte coletivo.  Se o fizesse, estaria a propor mas investimento - e  melhor gestão - em  tudo o que promova o uso dos transportes públicos.  Porque saberia que  nesta matéria, como em tantas outras, o barato sai  muitas vezes caro.
O problema do debate sobre o papel do Estado na vida   coletiva é que se toma por preconceito ideológico a defesa da   intervenção pública e por meramente racional a posição oposta. Quando,   mostra a experiência, aqueles que acreditam nos automatismos quase  milagrosos da concorrência e do mercado nunca conseguiram provar, com  números e factos, a sua tese. E a política de transportes é talvez o  melhor exemplo disso mesmo. Quando cada um trata de si o Estado se  demite de intervir ficamos todos a perder. Incluindo os que vivem  melhor.
Publicado no Expresso Online
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1 comentário:
Sugiro visita a
http://tttpraq.blogspot.com/2011/08/o-aumento-do-transporte-publico.html
Onde tento mostrar que o aumento do transporte é uma medida avulsa, sem ir à essência do problema, correndo o sério risco de ser um desincentivo à utilização do transporte colectivo, a verdadeira solução para os problemas de mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa
Pedro Costa
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