Estado das Coisas
* Rui Rangel - Juiz desembargador
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Confesso que me espanta o "brilhantismo" e o "inedetismo" do pensamento de Proença de Carvalho quando refere que o futuro da advocacia passa pelo aumento dos serviços jurídicos, alcançado com a privatização de alguns sectores da Justiça. Diz que a privatização é necessária para contrariar a descredibilização da Justiça, porque as decisões judiciais são incompreendidas pela generalidade dos cidadãos, sendo também a única forma de pôr um travão no protagonismo mediático de muitos agentes judiciários.
Sinto-me esmagado com a eloquência deste pensamento, que tanto defende a privatização da justiça como a eleição dos juízes, como forma de legitimação do Poder Judicial.
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Proença de Carvalho, homem de interesses vários, tem inteira razão. O melhor é mesmo acabar com a justiça, enquanto serviço público, que serve de forma desinteressada o cidadão e com juízes isentos, imparciais e independentes. Justiça privada com juízes privados, funcionalizados e com mordaças na boca, liderados por advogados que só procuram o bem--estar da comunidade, é o que esta a dar. Os vários meios alternativos de resolução de conflitos e a arbitragem já não servem.
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Como há muitos advogados, o bolo já não chega e a solução está na desjudicialização dos actos públicos da justiça. Sim, porque esta é, sem dúvida, a única forma de credibilizar a justiça e de tornar as decisões judiciais compreendidas pela generalidade dos cidadãos.
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Até porque a politização da justiça, designadamente da criminal, as leis de fraca qualidade e em dose excessiva, o legislar em função de casos concretos, o excessivo protagonismo do poder político no tratamento público das questões da justiça, a existência de uma justiça para ricos e outra para pobres, a morosidade da justiça, com códigos recheados de alçapões e de expedientes burocráticos, que só servem para atrasar os processos, o escândalo da reforma da acção executiva, são, certamente, para este pensador do regime, sintomas que só servem para prestigiar a justiça e para a tornar mais confiável junto do seu destinatário. Assim, a justiça é compreendida e aceite.
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Estes "sintomas que vão matando o doente", foram atirados para canto, como se diz na gíria do futebol, certamente por esquecimento ou para não ser exaustivo nos seus argumentos. O que nos safa é que Proença de Carvalho estava a pensar noutro país.
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Como Antígona: "A justiça não escrita, mas ‘inscrita’ na alma humana contra a legalidade prescritiva do despotismo de Creonte."
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in Correio da Manhã - 27 Junho 2009 - 00h30
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