A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, maio 03, 2007


A inclusão dos pobres no mundo dos ricos




As telenovelas de todos os tipos (o caso Sócrates, a saga da «Independente», os desaires do Benfica, etc.) fizeram com que a opinião pública e a comunicação social não dessem ao Roteiro de Cavaco Silva a justa importância que ele merece. É uma excursão que passa, sem se deter, por várias bolsas mais visíveis das terras lusas da globalização.

Quando se trata de enunciar os seus grandes objectivos, esta iniciativa presidencial não é muito expressiva. Roteiro, inclusão social, pobres que ficam para trás, são apontamentos tão vagos como os que Mário Soares usou nas suas «presidências abertas». No entanto, foi assim que se percorreu o caminho para a situação que os portugueses hoje enfrentam: um fosso gigantesco entre pobres e ricos, o apertar do cinto como garrote dos pobres, o abandono escolar, a ruína do sector da saúde, o endividamento, o desemprego, a vida cara. Se esse fosse o sentido da expressão inclusão social que os amigos de Cavaco abundantemente utilizam, o combate à exclusão deveria ser prioritário e partir da eliminação concreta das causas que impedem a inclusão e se instalaram nas mais diversas áreas da nossa vida colectiva. São chagas de à muito diagnosticadas e fáceis de detectar. Cobrem todo o panorama social português e afogam em escândalos a ética constitucional que impõe ao poder o tratamento igual de todos os cidadãos e a defesa dos seus direitos e das suas liberdades.

A nível do Roteiro, Cavaco, Durão, Vieira da Silva ou João Rendeiro, seus chefes de fila, sabem tudo isto e muito mais. Não podem é reconhecer que a própria ideia central da iniciativa - na reconciliação de classes, esperança em dias melhores e caridade dos ricos em relação aos pobres ( tudo isso com a demissão efectiva dos deveres do Estado) - revela, mais do que qualquer palavreado confuso, as metas a atingir pelo roteiro da inclusão: mudar sem nada mudar, corrigir as formas e manter os erros, utilizar a indefinição como método de fixação das situações de injustiça e de exclusão social. Então, depois do negócio garantido, investir alegremente na área caritativa e social.

Fazer fortuna em tempos de crise

Pelo mercado da pobreza, da miséria e da exclusão, escorrem milhões e milhões. Durão Barroso, até ver poderoso senhor europeu, fez uma visita ao seu cantinho lusitano para ameaçar os portugueses com a suspensão de verbas comunitárias astronómicas (qualquer coisa como 21,5 mil milhões de euros !). Depois, meteu-se no seu bólide e foi até Santarém onde prometeu a Cavaco Silva 423 milhões para os seus pobres. Bill Gates faz segredo do montante que quer doar a Portugal com fins humanitários. Mas vai dizendo que quer pulso livre na área da educação. Aí, será ele o patrão. Negócios são negócios. E Rendeiro, o banqueiro dos ricos, apoia este impulso filantrópico a favor dos pobres.

As paixões dos Champalimaud, Mellos, Espírito Santo e Gulbenkian, centram-se particularmente no sector da saúde. Se encerram hospitais e urgências públicas impõe-se ao sector privado socorrer as populações ...
Entretanto (e segundo estimativas optimistas) há dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, os imigrantes continuam entregues à sua sorte, os lucros da banca crescem 65% num só ano e somos primeiros na iliteracia que é, como quem diz, no analfabetismo europeu.


A hierarquia da igreja há-de ver tudo isto com preocupação. A educação, a assistência, o mutualismo, a saúde, a imigração, são tradicionalmente propriedade sua e de mais ninguém. É certo que o neoliberalismo, sobretudo o que é conduzido pelos socialistas, só traz lucros financeiros à igreja mas no plano das influências e do prestígio, o lucro material não é tudo o que se exige. Veja-se aquilo que se passa lá fora. As holdings e a banca do Vaticano continuam a amontoar fortunas. Então, as Nações Unidas tiveram a triste ideia de ir perguntar à opinião pública da Comunidade Europeia qual seria a escala de valores que escolheriam caso a questão lhe fosse colocada. Imprevistamente, a religião ocupou o modestíssimo último lugar da tabela.

A igreja, como é próprio da Metafísica, não pára de colocar perguntas a que não sabe responder. «Para onde vamos?» é uma questão actual. Ao dilema tentou responder o teólogo alemão Baptist Metz, remetendo para o mundo laico o ónus do problema: «Parece que a Europa perdeu a sua memória, como se se tivesse tornado vítima daquela amnésia cultural progressiva que aparentemente muitos europeus consideram ser o progresso autêntico.» Acrescentando, à laia de conclusão, «é preciso enveredar por uma mística de olhos abertos que vá ao encontro dos que mais sofrem e que seja mais sensível ao sofrimento .

Contas de um rosário bem negro.

in AVANTE 2007,05,03

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