A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, maio 25, 2007

AS SOCIEDADES INDÍGENAS NO BRASIL

* SOLANGE CALDEIRA

Apesar da produção e acumulação de um conhecimento considerável sobre as sociedades indígenas brasileiras, tal conhecimento "ainda não logrou ultrapassar os muros da academia e o círculo restrito dos especialistas.

As organizações não-governamentais. que têm elaborado campanhas de apoio aos índios e produzido material informativo sobre eles, têm atingido uma parcela muito reduzida da sociedade.

Os índios continuam sendo pouco conhecidos e muitos estereótipos sobre eles continuam sendo veiculados. A imagem de um índio genérico, estereotipado, que vive nu na mata, mora em ocas e tabas, cultua Tupã e Jaci e que fala tupi permanece predominante.

Nunca é demais insistir no fato de que a humanidade é composta por uma rica variedade de grupos humanos. Todos estes grupos humanos têm uma capacidade específica para atribuir significados a suas experiências de vida, à fenômenos da natureza ou da realidade social, às condutas dos animais e também das pessoas. Os significados atribuídos podem variar muito de grupo para grupo. O conjunto de significados explicativos da realidade compõe um código simbólico, que é próprio de cada cultura.

Essa capacidade comum a todos os seres humanos de criar significados, é o que chamamos de cultura. E é a cultura que nos diferencia dos animais, criando uma igualdade entre todos os Homens. Por outro lado, esta capacidade de atribuir significados não é algo parado no tempo. Assim como a realidade se transforma , o homem deve buscar novos símbolos que possam traduzir o significado que estas novas realidades têm para ele. E deste modo que as culturas vão se modificando, no processo histórico que transforma os próprios grupos humanos. É comum cada um destes grupos ''considerar a sua própria visão das coisas como a mais correta; como aquilo que é realmente humano, civilizado, normal, natural.

Ao afirmarmos isto, queremos chamar a atenção para o fato de que cada cultura vê o mundo, através de pressupostos que lhe são próprios. E muitas vezes, não só vemos, como também julgamos. E é neste momento, em que tomamos nossos pressupostos (significados que damos às coisas e aos acontecimentos, valores pelos quais nos guiamos e regras que pautam nossas condutas) como padrões para julgarmos ou entendermos as outras culturas, que tomamos atitudes etnocêntricas (centradas na nossa cultura) e preconceituosas. Quase sempre, temos uma valorização positiva do nosso próprio grupo, aliado a um preconceito acrítico em favor do nosso grupo e uma visão distorcida e preconceituosa em relação aos demais. Precisamos, assim, perceber que somos uma cultura, um grupo, e mesmo uma nação, no meio de muitas outras. Que nossas explicações são particulares, específicas e diferentes das de outros grupos, que também têm as suas. E que as nossas são importantes e fundamentais porque são nossas referências para entendermos as situações que vivemos e para nos orientarmos: a partir delas formamos nossos princípios morais, nossos padrões de comportamento e nossas opiniões.

Neste sentido, podemos entender o preconceito como uma tendência presente em determinados agrupamentos humanos, mas não como algo constitutivo da própria natureza humana.

A congruência de três raças -brancos, negros e índios- na formação do povo brasileiro é sempre lembrada. Porém, o que normalmente fazem é recalcá-la para o passado, índios e negros são quase sempre enfocados no passado. Falar em índios é falar do passado, e fazê-lo de uma forma secundária: o índio aparece em função do colonizador. Mas que passado é este?

Não se trata de uma história em progresso, que acumula e que transforma. É uma história estanque, marcada por eventos, eventos significativos de uma historiografia basicamente européia (Cf. Telles, 1987).

A presença do índio neste continente não é problematizada, é um fato consumado. Privilegia-se os feitos e a historiografia das potências européias, silenciando-se ou ignorando-se os feitos e vivência dos povos que aqui viviam. Isto resulta no fato do índio aparecer como coadjuvante na história e não como sujeito histórico, o que revela o viés etnocêntrico e estereotipado da historiografia em uso.

Como entender a data de 1492 ou 1500 como uma descoberta? O continente americano havia sido descoberto e habitado há milhares de anos atrás, quando as primeiras levas de homens saíram da Eurásia, passando pelo estreito de Bering e adentrando o continente americano pelo Norte. De lá, esses grupos migraram e ocuparam todo o continente. Assim, quando os europeus aqui chegaram, o continente americano vivia uma dinâmica própria, que foi substancialmente alterada com sua chegada. Mas não havia um mundo a ser criado ou à espera de seu descobridor. O conceito de descoberta só faz sentido se o entendermos dentro da perspectiva da historiografia européia. Como conceito, sua preocupação básica era o que ocorria na Europa, ignorando a história do continente americano.

É evidente a desconsideração à história do continente e de seus povos, primeiramente pela forma como estas sociedades são tratadas: geralmente pela negação de traços culturais considerados significativos ( falta de escrita, falta de governo, falta de tecnologia para lidar com metais, nomadismo, etc.) e, em segundo lugar, pela apresentação isolada e des-contextualizada de documentos históricos que falam sobre os índios. Assim, cartas, alvarás, relatos de cronistas e viajantes são fragmentados, recortados e, porque não dizer, adulterados e apresentados como evidências, como relatos do passado, sem que sejam fornecidos instrumentos para que se possa filtrar as informações e reconhecê-las dentro do contexto no qual elas foram geradas. É assim que, fatos etnográficos retirados do seu contexto, bem como iconografas da época, são apresentados, criando um quadro de exotismo, de detalhes incompreensíveis, de uma diferença impossível de ser compreendida e, portanto, aceita. É significativo, neste sentido, o fato de ainda se usar informações sobre os índios produzidas nos primeiros séculos da colonização, escritas por cronistas, viajantes e missionários europeus . Isto pode levar os desavisados a concluírem pela não contemporaneidade dos índios, uma vez que estes são quase sempre apresentados no passado e pensados a partir do paradigma evolucionista, onde os índios estariam entre os representantes da origem da humanidade, numa escala temporal que colocava a sociedade européia no ápice do desenvolvimento humano e a "comunidade primitiva'' em sua origem. Pode levar também a concluírem pela inferioridade destas sociedades: a achar que a contribuição dos índios para nossa cultura resumir-se-ia a uma lista de vocábulos e à transmissão de algumas técnicas e conhecimentos da floresta.

Mas se é forte a apresentação dos índios no passado e como pertencentes a um tempo pretérito, fato é que a imagem do índio não é una. Há diferentes imagens, contraditórias entre si, fragmentadas, assim como também são fragmentados os momentos históricos nos quais os índios aparecem. O que parece mais grave neste procedimento é que, ao jogar os índios no passado, não é possível se entender a presença dos índios no presente e no futuro. Deste modo, não somos preparados para enfrentar uma sociedade pluriétnica, onde os índios, parte de nosso presente e também de nosso futuro, enfrentam problemas que são vivenciados por outras parcelas da sociedade brasileira .

Não obstante essa multiplicidade de imagens, é interessante notar a recorrência e redundância de informações presentes nos diversos meios de comunicação. Praticamente todos informam coisas semelhantes e privilegiam os mesmos aspectos da sociedade tribal: que os índios fazem canoas, andam nus, gostam de se enfeitar e comem mandioca, mas, por outro lado, ninguém aprende nada sobre a complexidade de sua vida ritual, as relações entre esta e sua concepção do mundo ou da riqueza de seu sistema de parentesco e descendência

Opera-se com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu entre estas sociedades. Eles são tratados como se formassem um todo homogêneo e como se a generalização fosse a maneira correta de estudá-los. É evidente que as sociedades indígenas compartilham um conjunto de características comuns e que são estas características que as diferenciam da nossa sociedade e de outros tipos de sociedades. Mas estas sociedades são extremamente diversificadas entre si: cada uma tem uma lógica própria e uma história específica, habitam diversas áreas ecológicas e experimentaram situações particulares de contato e troca com outros grupos humanos. Têm, portanto, identidades próprias: cada sociedade Indígena se pensa e se vê como um todo homogêneo e coerente e procura manter suas especificidades apesar dos efeitos destrutivos do contato. Um Guarani ou um Yanomami, apesar de índios, vão continuar se pensando como um Guarani e como um Yanomami, donos de uma rica diversidade sócio-cultural indígena.


O índio na história do Brasil

Num primeiro momento da nossa história, que começa com a chegada dos europeus, os índios da colônia são cordiais e amigáveis: carregam o pau-brasil em troca de bugigangas e miçangas, ajudam os portugueses a construir fortes e casas que dão origem às primeiras povoações e ensinam os brancos a sobreviver e conhecer a nova terra. Logo em seguida, entretanto, os índios começam a atrapalhar a colonização. São os Tamoios que se aliam aos franceses e promovem ataques aos núcleos dos brancos. O brasileiro é o português, neste momento, os franceses são estrangeiros e os índios os aliados, ora do estrangeiro, ora do brasileiro . De cordiais, os índios passam a ser traiçoeiros.

A colonização exige, por sua vez, trabalho, e o índio é mão-de-obra utilizada em toda a colônia. Nesse momento a figura do índio aparece ligada à do bandeirante, que expande o território e resolve o problema da mão-de-obra, escravizando índios e depois recapturando negros fugidos. Mas a escravidão negra só se inicia porque, como explicam vários manuais, o índio não era afeto ao trabalho: "eram preguiçosos" e sua índole para a liberdade não permitia que ele vivesse sob o jugo da escravidão. É nesse momento também que apareceu a figura do índio que deve ser "civilizado", ou melhor, "catequizado". Não são poucas as figuras que trazem Anchieta e Nóbrega com indiozinhos aos seus lados.

Mas depois disto, o índio desaparece, não antes de nos legar algumas generalidades: são tupis, adoram Jaci e Tupã e moram em ocas e tabas. E também uma herança: ensinam algumas técnicas, como a queimada, a fabricação de redes e esteiras e nos deixam suas lendas. Eles viram uma herança cultural a ser resgatada pela nacionalidade (Cf. Almeida, 1987:64-65). Tempos depois, ao se falar da necessidade de ocupação dos espaços vazios, não se fala mais de índios.

E como se o território do Centro-Oeste e do Norte do Brasil fosse virgem, como se ninguém morasse por lá (Cf. Almeida, 1987:37-40 e Telles, 1987:76-82). E é assim que chegamos aos índios atuais, isto quando chegamos, pois a maior parte dos livros didáticos não aborda a presença indígena no presente. Pulverizam-se dados, muitas vezes incorretos. Falam da existência de índios na Amazônia e no Xingu, lembram dos trabalhos de Rondon e dos Vilas-Boas e referem-se à FUNAI.


Bons e maus selvagens

Essas imagens diversas e contraditórias dos índios parecem encobrir uma dicotomia que perpassa toda a história: ou há índios vivendo isolados na Amazônia e protegidos no Xingu ou já estão contaminados pela civilização e a aculturação é seu caminho sem volta. Esta dicotomia pode ser escrita de outra forma: ou estão no passado ou vão desaparecer em breve. Tal perspectiva remete a duas vertentes opostas e sempre associadas: a do bom e mau selvagem. Sua origem talvez possa ser buscada nos primeiros anos do contato dos europeus com as populações do Novo Mundo, quando do célebre debate ocorrido em 1550 entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepúlveda ou nas proposições filosóficas do século XVII representadas por Rousseau e Hobbes. O primeiro, argumentando que os índios representariam um estágio primitivo da humanidade, vivendo basicamente pelos seus instintos e o segundo, propagando a teoria da degenerescência, onde os índios viveriam num passado, numa era sem ordem e que só a civilização os levaria para o progresso.

Bom e mau selvagem são imagens opostas e parecem catalisar o imaginário sobre os índios na nossa sociedade. Imagens cristalizadas ao longo de séculos, diante delas não se pode ficar indiferente: ou os índios são bons e é preciso que os protejamos tais como eles são, ou os índios são maus e é preciso trazê-los logo à "civilização". Tais imagens tomam o homem civilizado como parâmetro para comparação. De um lado, há a figura do bom selvagem e do mau civilizado, que espelha uma fascinação pelo estranho e pela pureza, com valores e ideais a serem resgatados e, de outro, a figura do mau selvagem e do bom civilizado, marcando uma recusa do estranho, visto como um empecilho ao progresso da humanidade

Devemos reconhecer que estas duas imagens nos permitem uma aproximação da forma como a sociedade ocidental representa tais sociedades: contraditórias entre si, elas realizam uma simplificação da questão e demonstram a nossa incapacidade em compreender um outro, que é diferente, em seus próprios termos. É assim que a questão indígena tem estado envolta num ambiente de preconceito, intolerância e muita desinformação.

Continua-se a ignorar as pesquisas feitas pela história e pela antropologia no conhecimento do outro, que se revelam deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens sociais.

Para reduzir ou acabar com o preconceito e a discriminação é preciso gerar idéias e atitudes novas, num processo que deve ser levado tanto a nível individual como coletivo. Se levarmos em conta que atitudes preconceituosas implicam em apreciações feitas sem um conjunto de informações satisfatórias, é lógico esperar que, melhorando a informação, o resultado seja mudanças de atitude.



BIBLIOGAFIA

ALMEIDA, Mauro William Barbosa de . "O racismo nos livros didáticos" in LOPES DA SILVA, Aracy (org) - A questão indígena . SP: Brasiliense, 1987, págs. 13-71.

JUNQUEIRA, Carmen . Antropologia indígena - uma introdução. São Paulo: Educ, 1991.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. RJ: Zahar Ed., 1983.

LOPES DA SILVA, Aracy . Índios. Coleção Ponto-Por-Ponto. São Paulo: Editora Ática, 1988.

RAMOS, Alcida . Sociedades indígenas. São Paulo: Editora Ática. Série Princípios, 1986.

ROGNON, Fredéric. Os primitivos nossos contemporâneos. SP: Papirus, 1991.

TELLES, Norma - ''A imagem do índio equivocada, enganadora" in LOPES DA SILVA, Aracy (org) - A questão indígena . SP: Brasiliense, 1987.

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