Viagens (2)
Óbidos, no cimo dum escalavrado monte, da Serra d'El Rei, faz-me lembrar Monsaraz, embora mais "humilde" e em ponto maior: ruas estreitas, uma artéria central, uma terra sem habitantes, embora cheia de forasteiros, deambulando pelas ruas como em Valença do Minho, e sem trânsito automóvel. Tal como em Monsaraz, no Alentejo, ou Monsanto, na Beira Baixa, a decadência económica preservou a traça antiga e os edifícios ([1]). Tal como em Monsaraz, noutro tempo a população migrou para a planície, neste caso para Caldas da Rainha, que inicialmente se chamava Caldas de Óbidos. Não há comércio, salvo de artesanato, postais e alguns restaurantes, sobretudo na sempre presente rua Direita. No Museu Municipal da vila, pinturas em madeira - primitivos não tão belos como os de Évora, de Setúbal ou do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, para além duma colecção de armas da Guerra Peninsular. A vila, esguia, está cercada pelas muralhas e numa das extremas situa-se o castelo medieval, altaneiro, com as suas torres quadrangulares ou cilíndricas. As casas, brancas na sua maioria, com os cunhais pintados de ocre ou de azul, estão engalanadas de flores naturais.
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Desembocando junto às muralhas, a arcaria do aqueduto de Usseira com cerca de 3 quilómetros, que abastecia a vila. Da toponímia intra‑muros, para além da rua Direita, destaco a Nova e as da Talhada, da Biquinha, da Mouraria, do Arco, das Colegiadas, de Cima, de Baixo ou do Hospital, do Vale, do Postigo, da Porta da Vila, do Arco da Cadeia, para além da pintora Josefa de Ayala ou de Óbidos, que, embora nascida em Sevilha, desta terra tomou o nome. Desta pintora existem telas na igreja matriz de Santa Maria. Nesta merece também referência o túmulo de D. João de Noronha, o Moço, considerado uma obra notável do renascimento português.
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A povoação na prática tem um único largo desafogado, a Praça de Santa Maria, alargado ao longo dos tempos com terrenos penosamente conquistados aos particulares. Nela se situam a Igreja de Santa Maria, a (antiga) Câmara e Cadeia (actual Museu), o pelorinho, o Chafariz, o telheiro do antigo Mercado e os Solares da Praça (inicialmente dos Sanhudo e depois dos Brito Pegado) e dos Aboim (actual CTT). Acerca deste último se conta que era um barracão, que impediria o seu proprietário de nele receber o rei D. João V, pelo que este lhe concedeu um subsídio para que edificasse um palácio condigno.
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Vestígios manuelinos persistem apenas no antigo Paço dos Alcaides (actual Pousada) e numa casa da rua D. Antão Vaz Moniz. Perto, fora das muralhas, encerrado em capela mas não oculto das vistas, situa‑se o cruzeiro da Memória comemorativo da conquista de Óbidos aos mouros, com duas faces: numa, Cristo crucificado, noutra, Cristo deposto nos braços de N.Sra. da Piedade, Sua Mãe, tal como em Atouguia da Baleia ou Cabeço de Vide. Noutra encosta, a poente, visitei e fotografei a Ermida de N.Sra do Carmo ou do Mucharro, arruinada e ao abandono, devido ao terramoto de 1755, e que teria sido edificada sobre um templo romano dedicado a Júpiter. O seu interior, escavacado e escavado, está protegido por um gradeamento de ferro que substitui o primitivo portal gótico; desligado do corpo da igreja está o campanário, triplo, tendo ao centro uma pequena sineira, ladeada pelas outras duas. Esta zona, sobranceira à Várzea da Rainha (anterior Veiga do Mocharro), foi deixada ao abandono devido aos maus ares.
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Merece visita a desactivada estação ferroviária de Óbidos, muito longe da povoação, com interessantes painéis de azulejos com motivos da vila.
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No caminho para as Caldas da Rainha, deparamos com uma Igreja ortogonal, o Santuário do Senhor da Pedra, com um Museu de Arte Sacra que não visitei. ([2]) O Santuário do Senhor da Pedra parece uma nave espacial atarracada, com os foguetões laterais. Neste local, junto a uma fonte, foi descoberta uma tosca imagem de pedra, representando Cristo. Circundando a enorme, incompleta e desajeitada Igreja, um conjunto de cafés e restaurantes fechados. No largo fronteiro um fontanário joanino, com desenhos azuis, ao lado duma estalagem. Para ocidente, no horizonte e ao longo da cumeada, as muralhas da Vila de Óbidos, em contraluz ao pôr-do-sol. (Notas de Viagem, 1997.06.28)
.Usseira
.Usseira é a terra que deu nome ao aqueduto que abastecia Óbidos de água, construído no século XVI. Resolvo ir visitá-la, seguindo pela estrada velha que liga as Caldas da Rainha a Torres Vedras, estrada cheia de curvas e agradávelmente arborizada no vale transposto pelo viaduto da IC 1. Dos pontos mais altos avistam-se os campos, cabeços e povoações nos arredores, designadamente do lugar dos Moinhos da Usseira. Uma placa indica uma estrada secundária, mas chegado à povoação ninguém sabe onde fica a nascente ou mãe de água do aqueduto. Resta a visita à aldeia, longilínea, com casas arruinadas, um moinho de vento caiado e conservando ainda a estrutura das velas, vinhedos pelos campos. Retenho nomes interessantes: ruas do Rio, do Canto, do Poço do Concelho, Escura, Principal, das Arigueiras, da Espinheira, do Outeiro, da Boavista, da Pereira ...
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Regresso a Óbidos e resolvo seguir ao longo do aqueduto, rumo a Navalheira, mas a edificação perde-se por dentro dum portão, e fico sem chegar à nascente por esta via, a cavalo no automóvel. (Notas de Viagem, 1997.12.02)
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[1] - Embora a vila tenha sido reconstruida de acordo com um ideal medievalizante, sem razão de ser porquanto a povoação fora destruída pelo terramoto de 1755.
[2] - Museu que acabei por visitar doutra feita, subindo uma estreita escadaria talhada no interior da grossa parede, percorrendo apertados corredores e atravessando salas que guardam os tesouros e peças, visitante solitário e talvez raro, tendo como cicerone a filha do guarda.
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Na foto - Castelo e Muralhas de Óbidos
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