Crítica de TV - “Belas”, “Mestres”, confusões
* Correia da Fonseca
1. Mesmo a opção pelo chamado telelixo, tomada em obediência aos interesses comerciais que decidem as estratégias das operadoras privadas de televisão, tem limites que convém não infringir. Tanto quanto parece pelo menos por agora, a mais recente estreia da TVI no formato dos “reality shows” vem confirmar esta regra: intitula-se, como se saberá, “A Bela e o Mestre”, título que desde logo transporta consigo alguma conotação com formas de erotismo “hard”, embora decerto não passa de remota sugestão, e muitas reacções conhecidas de telespectadores apontam para uma rejeição até da parte de segmentos do público habitualmente seduzidos pelo peculiar tom da TVI. Não por eventuais razões de puritanismo, entenda-se, mas porque aquilo, “A Bela e o Mestre”, tem mostrado ser, como dizer?, parvo demais mesmo para paladares habituados a condescender com aquele género e mesmo a saboreá-lo. Como praticamente todos sabem, quer por verificação directa quer por ouvir dizer, o programa assenta na participação de dezasseis jovens, oito raparigas, ditas “as belas”, e oito rapazes, chamados “os mestres”, agrupados em casais. Supostamente, os mestres tratarão de ministrar às belas algumas informações de carácter cultural. Para que esse processo decorra em clima de suficiente proximidade, cada casal é alojado em quarto próprio, isolado dos restantes, podendo optar por dormir na mesma cama ou em lugares separados, afigurando-se talvez que o leito comum poderá favorecer a transmissão eficaz de valores culturais. Há-de ser por isso que o isolamento de cada casal é afinal mais aparente que efectivo: de facto, câmaras e microfones estão a vigiá-los em permanência. E assim se regressa com suficiente clareza ao clima de “voyeurismo” sempre à espera do “momento do sexo” que caracterizou ou sucessivos “Big Brother” fornecidos pela TVI ao seu fiel público.
2. Sucede que nem as “belas” são suficientemente belas para se tornarem em isco irresistível para os olhos de telespectadores gulosos, pois nestas matérias não basta a eventual economia de vestuário em certos momentos, nem os “mestres” deram até agora sinais de convincente mestria em qualquer área cultural. O que tem acontecido, isso sim, é que a ignorância das “belas”, testada em provas brevíssimas e muito simples, aponta para uma outra conclusão: é que as pequenas não devem grande coisa à inteligência, o que confirma um preconceito que por aí vagueia e que ensina que a verdadeira bela é inevitavelmente burra, mesmo que não seja loira. Por seu lado, os “mestres” ainda não deram qualquer significativo sinal de mestria em algum domínio, mas surgem de um modo geral mal encavados, o que implica um preconceito de algum modo complementar do anterior: rapaz dado ao estudo e/ou a leituras, mesmo que não exiba um mínimo de sinal de brilho nessas áreas, há-de ser um jovem macho desinteressante nessa condição. Entenda-se que esta avaliação é feita por quem tem capacidade para a fazer, não por um obscuro comentador de TV nada habilitado para essa especialização.
3. De qualquer modo, é de crer que o facto de as “belas” exagerarem na sua condição de ignorantes e de os “mestres” abusarem da sua penúria de encanto pessoal venha sendo motivo decisivo para o desencanto que parece percorrer o largo segmento de público habitualmente conquistado para “reality show” construídos à base de jovens casais e quartos com câmaras escondidas e vigilantes. É claro que esse desencanto actual, se é que existe tanto quanto parece, pode atenuar-se ou mesmo diluir-se de um dia para o outro: bastará para tanto que uns momentos mais ou menos nocturnos com um edredão movediço ou sequência similar venham enfim, ao encontro de expectativas. Isso é questão que daqui a uns tempos se esclarecerá. Mas, de qualquer modo, sobrará um ramalhete de sugestões bastantes para definir a qualidade, o acerto, a utilidade do programa. Por exemplo: que cultura ou incultura têm a ver com a capacidade de reconhecer a cara de Bin Laden ou de Fidel. Como se a incapacidade desse reconhecimento, já provada quanto a uma ou mais “belas”, não fosse, isso sim, sinal de uma vivência de todo exilada do mundo real, estado que apela para a palavra “alienação” para que fique adequadamente definido e que resulta do caldo (des) informativo que todos os dias os media, sobretudo na parte especialmente cozinhada para consumo juvenil, derrama sobre a generalidade dos cidadãos. É o ponto onde o desdenhoso desinteresse pelo tempo actual, a despolitização tantas vezes orgulhosamente assumida por gente tonta, se transmita em formas ridículas de ignorância. Cultura ou incultura são outra coisa, é claro, situam-se num outro plano ou numa outra área. Mas o programa “A Bela e o Mestre” desconhece essa diferença, porque ele próprio é um programa burro, ou finge desconhecê-la e propaga a confusão. O que será muito mais grave.
2. Sucede que nem as “belas” são suficientemente belas para se tornarem em isco irresistível para os olhos de telespectadores gulosos, pois nestas matérias não basta a eventual economia de vestuário em certos momentos, nem os “mestres” deram até agora sinais de convincente mestria em qualquer área cultural. O que tem acontecido, isso sim, é que a ignorância das “belas”, testada em provas brevíssimas e muito simples, aponta para uma outra conclusão: é que as pequenas não devem grande coisa à inteligência, o que confirma um preconceito que por aí vagueia e que ensina que a verdadeira bela é inevitavelmente burra, mesmo que não seja loira. Por seu lado, os “mestres” ainda não deram qualquer significativo sinal de mestria em algum domínio, mas surgem de um modo geral mal encavados, o que implica um preconceito de algum modo complementar do anterior: rapaz dado ao estudo e/ou a leituras, mesmo que não exiba um mínimo de sinal de brilho nessas áreas, há-de ser um jovem macho desinteressante nessa condição. Entenda-se que esta avaliação é feita por quem tem capacidade para a fazer, não por um obscuro comentador de TV nada habilitado para essa especialização.
3. De qualquer modo, é de crer que o facto de as “belas” exagerarem na sua condição de ignorantes e de os “mestres” abusarem da sua penúria de encanto pessoal venha sendo motivo decisivo para o desencanto que parece percorrer o largo segmento de público habitualmente conquistado para “reality show” construídos à base de jovens casais e quartos com câmaras escondidas e vigilantes. É claro que esse desencanto actual, se é que existe tanto quanto parece, pode atenuar-se ou mesmo diluir-se de um dia para o outro: bastará para tanto que uns momentos mais ou menos nocturnos com um edredão movediço ou sequência similar venham enfim, ao encontro de expectativas. Isso é questão que daqui a uns tempos se esclarecerá. Mas, de qualquer modo, sobrará um ramalhete de sugestões bastantes para definir a qualidade, o acerto, a utilidade do programa. Por exemplo: que cultura ou incultura têm a ver com a capacidade de reconhecer a cara de Bin Laden ou de Fidel. Como se a incapacidade desse reconhecimento, já provada quanto a uma ou mais “belas”, não fosse, isso sim, sinal de uma vivência de todo exilada do mundo real, estado que apela para a palavra “alienação” para que fique adequadamente definido e que resulta do caldo (des) informativo que todos os dias os media, sobretudo na parte especialmente cozinhada para consumo juvenil, derrama sobre a generalidade dos cidadãos. É o ponto onde o desdenhoso desinteresse pelo tempo actual, a despolitização tantas vezes orgulhosamente assumida por gente tonta, se transmita em formas ridículas de ignorância. Cultura ou incultura são outra coisa, é claro, situam-se num outro plano ou numa outra área. Mas o programa “A Bela e o Mestre” desconhece essa diferença, porque ele próprio é um programa burro, ou finge desconhecê-la e propaga a confusão. O que será muito mais grave.
in Notícias da Amadora Opinião - Crítica Edição 0074 - 2007-03-22
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