A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, maio 26, 2007


Viagens (4)

Alcobaça

Visitamos Alcobaça, onde chegamos já de noite, com uma chuva miudinha que cai continuamente. É uma vila simpática onde se destaca a fachada comprida do respectivo mosteiro, da Ordem de Cister, situado destacadamente na Praça 25 de Abril: uma Igreja ao centro, dum amarelo rendilhado, exuberante, contrastando com a horizontalidade branca e ascética dos dois corpos laterais. Corpos que nas outras fachadas estão escurecidos e degradados, resultado das "conservações" para turista ver. O Mosteiro, considerado Património Mundial desde 1989, não é esmagadora e massivamente impositivo à povoação circundante, como o de Mafra. A Praça está ajardinada e num dos passeios de calçada à portuguesa figuram, oh! céus, os signos do Zodíaco. Num recanto umas carroças miniaturais com toldo, presumivelmente bancas do mercado que de dia ali terá lugar. Por aqui existem muitas lojas de louça artesanal da região e não só, com uma característica peculiar: na fachada, mas não ao alcance das mãos, louça-mostruário em exposição. Mas, para lá chegar, só de escadote, o que está manifestamente fora de questão.

Foram poderosos os frades da Ordem, dona das ricas terras agrícolas (coutos) em redor e dos seus habitantes, do interior até ao mar. A vila é alegre, de casas com traça antiga, cuidadas, havendo muitas para alugar, poucas arruinadas. Apesar de ser noite e da chuva, as ruas e os cafés estão cheios de gente e parece que estes têm freguesias distintas: os jovens, as pessoas bem vestidas... Porque por lá passamos, fico a saber que a povoação é atravessada por dois rios que lhe dão o nome: Alcoa e Baça, que aqui originam o Alcobaça. ([1]) O Alcoa é atravessado por uma pequena ponte e nas suas margens ouve‑se o marulhar das águas correndo por entre dois paredões que lhe estreitam o leito. As casas têm varandas e janelas debruçadas sobre o rio e de noite poder‑se-ia imaginar que se trataria de Veneza, opinião de quem a conhece apenas de filmes, como em Sentimento ou Morte em Veneza, ambos de Visconti.

No rio Baça, no centro da povoação, vê‑se a roda duma antiga azenha, que já não é movida pelo correr das águas, cujo edifício agora é ocupado por uma loja de electrodomésticos, a TELE RIO.

Com tudo fechado pouco mais há para ver e a chuva não convida a mais. Entramos na sede de campanha da CDU, a única aberta, onde um candidato independente nos faz o balanço da situação e nos oferece uma ginjinha e bolos. Perto situa-se o Largo D.Afonso Henriques onde, no 3º domingo de cada mês, se realiza uma Feira de Velharias e Coleccionismo. Na praça da República, que comunica com o largo anterior através de dois arcos, realizava‑se outrora o mercado do peixe.

Daqui, por força duma placa, partimos em busca do castelo, que será miradouro deslumbrante sobre a povoação e o seu mosteiro; não sonhava que tal fortificação existisse, mas dela nesta noite não encontrámos rasto, salvo a Rua do... Castelo. Difícil seria encontrá‑lo, como soube posteriormente, pois sucessivos terramotos o destruíram. Mas deu para percorrer as ruas dos arredores, ladeadas de simpáticas vivendas, para além de quintas. ([2])(Notas de Viagem, 1997.10.25)

Nos arredores, ao passar pela estrada, a nossa atenção é desperta para muitos carros estacionados e movimento, junto a um estendal de barracas e luz, mas sem música. Trata‑se da Feira de S. Simão ou das Tasquinhas: no exterior uma série de tendas com exposição de frutos e bolos secos e, dentro dum barracão pomposamente denominado "Pavilhão das Exposições", protegidas das intempéries, duas correntezas de "tendinhas" com a gastronomia local, "exploradas" por várias entidades e associações: comes, bebes e doçarias das freguesias de Aljubarrota. Ao fundo, um palco com cadeiras defronte, onde em cada noite tocam grupos musicais tradicionais de cada uma das freguesias. (Notas de Viagem, 1997.10.31)

Para além de descobrir o castelo, como se refere em nota de rodapé anterior, visitamos a igreja do Mosteiro, cujas portas estão inopinadamente abertas. É um choque a visão daquela nave branca, ladeada duma floresta de colunas, elevando‑se para os céus. De cada lado antes do altar mor, maravilho‑me com os túmulos góticos de D. Inês e D.Pedro I, finamente lavrados, cujas estátuas jacentes estão suspensas por anjos. As arcas tumulares assentam em leões (D. Pedro) e em pessoas que me parecem monges ou nobres (D. Inês) e cada uma delas conta em quadros (baixo‑relevo), respectivamente e por um lado, a vida e morte de Cristo, e por outro a vida de S. Bartolomeu e dos dois amantes. (Notas de Viagem 1997.12.08)

Numa nova visita passamos para além da igreja do mosteiro, passeando pelos claustros e pela sala do capítulo, defronte da qual existe um lavabo. Visitámos a sala dos reis, com estátuas de todos eles até determinada altura, para além duma série de peanhas vazias, talvez porque entretanto não tivessem concluído a estatuária por extinção das ordens religiosas; inexplicavelmente, do D. Manuel I salta para o D. José, sendo a peanha da filha deste, vazia, mais larga que as restantes. Reparámos na floreada porta para a sacristia, tomámos consciência da vastidão do dormitório, do refeitório (com o seu púlpito encrastado na parede) e da cozinha, na qual passa um braço do rio Alcoa e onde antigamente se guardaria o peixe vivinho da costa antes de passar aos caldeirões. Na sala dos reis, que foi panteão real, até transferirem os túmulos para outra sala, existe um painel de azulejos que pretende contar uma história, afinal inventada, relacionada com a coroação de D. Afonso Henriques, pelo papa e pelo fundador da ordem de Cister! As arcas tumulares daqui transferidas têm menos riqueza decorativa relativamente que as de D. Pedro e D. Inês. (Notas de Viagem, 1998.02.21)

[1] - Conta a lenda que o rio Baça e o rio Alcoa resultam das lágrimas de dois jovens e pobres namorados que as vicissitudes da vida separaram, mas que se voltaram a encontrar. E do reencontro nasceu o rio ... Alcobaça, junção dos seus nomes..
[2] - Noutra visita nocturna descobrimos finalmente o castelo, perto do qual estivemos doutra vez. Numa curva da estrada, um caminho lamacento leva-nos a um amontoado de pedras postas, dizem, para inglesa ver, quando Isabel II de Inglaterra visitou Portugal. Dali se avista o Mosteiro e a povoação, iluminados lá em baixo. O castelo teria origem goda, embora a ele estejam ligadas lendas mouriscas.

NOTA - William Beckford nas suas «Recollections of an Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha», realizadas nos finais do século XVIII, refere a opulência da vida dos frades, nada condicente com as Regras iniciais. Por outro lado os Abades tinham-se tornado poderossímos, e nas suas vastas terras havia os coutos, onde se refugiavam criminosos fugidos à justiça d´El Rei, que neles não podia entrar. E deste modo conseguiam os frades braços para cultivarem as suas imensas terras, com porto de mar, com métodos agrícolas inovadores para a altura.

Fotos: Mosteiro de Alcobaça - nave central da Igreja e, se a memória me não falha, o dormitório dos ricos abades

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