A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, maio 28, 2007


30 de Maio - Greve Geral


* António Ribeiro Ferreira


Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP Intersindical, confia no êxito da greve geral de quarta-feira e espera que sirva para sacudir a sociedade e contrariar a fortíssima ofensiva neoliberal em curso. Polémico, diz que não há liberdade sindical em Portugal e que, em muitos casos, ser sindicalizado é hoje em dia um acto heróico.


Correio da Manhã – Votou contra a greve geral de quarta-feira?


Carvalho da Silva – Não houve votos contra a greve geral.


- Foi uma decisão unânime da Comissão Executiva?


- Não houve votos contra. Todos estavam de acordo que era necessário elevar o patamar de luta, todos estavam de acordo que essa nova forma de luta implicava greve nos sectores privado e público e todos estavam de acordo que tinha de ser feita até final de Maio. O que aconteceu é que um grupo de dirigentes contrapôs à formulação greve geral uma outra, a de luta convergente. Mas não houve votos contra.

- Só divergiram no nome?
- Sim, só na designação da jornada de luta.


- Em qual delas votou?
- Não me pronunciei sobre isso. E como acontece sempre em situações mais delicadas, optámos por fazer uma consulta a toda a estrutura, durante duas semanas e meia, e a opção generalizada foi a da greve geral.


- Porque é que não tentou a adesão da UGT à greve geral?
- É uma questão que não se coloca a partir do momento em que sabemos perfeitamente que a análise geral e estratégica da sociedade e também do ponto de vista das opções de acção imediata não são coincidentes. Não adiantava desencadear um processo que apenas ia provocar controvérsias e divisões no movimento sindical.


- João Proença disse ao CM que a CGTP usou a greve geral para dividir e enfraquecer a UGT.
- Não, isso é imaginação. Se a análise que a UGT faz da situação é profundamente diferente da nossa e se a sua disponibilidade de acção está longe de ser a nossa não havia necessidade de estar a criar atritos no seio do movimento sindical.


- Há sindicatos da UGT que vão fazer greve geral?
- Há alguns e também muitos sindicatos independentes.


- No sector de transportes?
- A questão de fundo é esta: o pré-aviso de greve feito pela CGTP e pelos sindicatos que aderiram ou manifestaram convergência com esta luta cobre todos os trabalhadores portugueses. Isto é, qualquer trabalhador português, de qualquer profissão, de qualquer actividade, está abrangido pelo pré-aviso de greve. E isso é o que nos interessava.


- A única greve geral que teve impacto em Portugal foi a de 1988, que juntou as duas centrais. Não acha arriscado avançar sozinho?
- Devo dizer-lhe que a greve de 1982 não teve menos adesão do que a de 1988 e a de Dezembro de 2002 teve um enormíssimo impacto. A nossa opinião sobre isso é muita clara: nós não somos todo o movimento sindical, temos noção disso. Seria uma tonteria se nos afirmássemos como tal. Mas somos a essência, o motor do movimento sindical.


- E porquê esta greve geral, agora?
- O que pretendemos com esta greve é dizer basta a um conjunto de políticas que nos parecem erradas, dar sinais fortes à sociedade e sacudir a actual situação. O País está mal, não é só de agora, embora a responsabilidade não seja só deste Governo.


- Mas há reformas importantes em curso, como a do Estado. Não concorda que são necessárias?
- Há políticas em curso, umas a que se chamam reformas quando não são reformas nenhumas. O Governo só tem feito disparates na administração pública. Sob pressão dos grupos económicos e financeiros e dos que querem ir para o poder a seguir. O Governo cedeu. E neste momento não sei se haverá possibilidade de recuo. Está uma espiral de tal ordem que se corre o risco de dar cabo da administração pública.


- Na sua opinião este é um dos piores períodos para os trabalhadores?
- Não se podem fazer comparações simplistas com outros períodos. O que se passa hoje é que está em curso uma ofensiva neoliberal fortíssima, uma ofensiva que desequilibra as relações entre o económico e o social em desfavor dos trabalhadores. Não nasceu com este Governo e precisa de ser contrariada.


- Esta greve é, afinal, contra quem? Empresários, Governo?
- De uma forma resumida e sobre os objectivos da greve geral dir-lhe-ei o seguinte: temos um patronato, um poder económico e financeiro, que tem grandes responsabilidades na situação do País. Que vive à sombra do Estado, sempre a criticar o Estado e sempre a sacar ao Estado, com uma baixa formação média e com uma lógica mercantilista, de investir agora para ganhar ontem. Claro que há excepções. Também temos bons empresários.


- É esse patronato, com essa cultura, que é preciso combater?
- Exactamente. Há um núcleo duro do poder económico e financeiro que domina de forma violenta toda a estrutura da economia e que faz uma concentração de capital, mais visível nos últimos anos, absolutamente atrofiadora da economia.


- Esse núcleo duro põe em causa a concorrência e o mercado?
- Nós queremos que as empresas dêem lucro. É um disparate dizer-se que os sindicatos são contra os lucros das empresas. Agora há desequilíbrios que não aceitamos e que reflectem essa situação dramática que vive a estrutura económica portuguesa. Nós queremos, por exemplo, que a banca dê lucros. O que não podemos aceitar é que os trabalhadores tenham em 2006, em média, uma quebra de um por cento do seu salário e o sector financeiro tenha um aumento de 37 por cento nos lucros.


- Esses lucros não resultam apenas de cortes salariais.
- São retirados dos salários e de muitas pequenas e médias empresas. De mil atrofiamentos.


- Não acha que há falta de concorrência em Portugal? Por isso que disse e muitas coisas mais?
- É tudo atrofiador da estrutura económica. Mas está associado a políticas concretas. Vemos uma destruição absolutamente leviana, criminosa do aparelho produtivo nacional ao longo dos anos na base de teorias vendidas pelos próprios governantes sobre o futuro e a modernidade. Veja que Portugal, por exemplo, é o País da Europa com mais metros quadrados de grandes superfícies por habitante, numa dimensão disparatada. Veja o caso da especulação imobiliária nestes trinta anos, que provocou o fecho de tantas empresas, e que teve a mão dos elementos dominantes da estrutura económica...


- ...e política, já agora.
- ...e política porque o círculo é o mesmo...


- ...e não é apenas deste Governo do PS, como referiu.
- Claro. Há um ex-ministro, do chamado centro, que diz que neste País não há dois partidos de poder. Há um grupo de poder. E ele sabe, porque andou por lá. Se pusermos uns três mil nomes em cima da mesa encontramos aí o tal grupo de poder. Chegámos a esta situação fruto disto. Há também um conhecido banqueiro que costuma dizer que nos últimos vinte anos se fizeram algumas centenas de fortunas só com a construção, obras públicas e rotundas. E depois acrescenta: quando eu digo fortunas quero dizer acumulações por indivíduo de mais de cem milhões de contos. Repare que são contos.


- Aí está o cerne da questão?
- É por isso que nós estamos como estamos. Há uma enorme leviandade na forma como se olha o sector produtivo. Veja o caso da Delphi ...


- O despedimento de 500 trabalhadores...
- É mais grave do que isso.


- É fechar a fábrica?
- Infelizmente. Nós sabemos qual é a estratégia da Delphi para a Europa. Agora temos 500 despedimentos. Em Espanha são 1600. Houve uma greve, com grande apoio da população, e uma grande mobilização dos poderes políticos regionais e nacionais. Foram alertar Bruxelas, fizeram pressão. E vão pôr a empresa em tribunal. O próprio Zapatero recebeu os trabalhadores.


- E em Portugal nada.
- Os trabalhadores protestam mas vem o presidente da Câmara encanar a perna à rã e dar uma no cravo e outra na ferradura, o governador civil nem liga a isso – nem calçam os sapatos para passar a fronteira quanto mais irem a Bruxelas -, o ministro da Economia diz disparates absolutos sobre a matéria e o primeiro-ministro é inatingível para os trabalhadores da Delphi e para os outros. Quando é que o primeiro-ministro em Portugal recebe uma comissão de trabalhadores e os sindicatos e assume uma acção judicial contra uma multinacional que tenha feito vigarices e levá-la até às últimas consequências? Nunca. Não há uma reacção do Governo nem da sociedade.


- Como é que explica essa atitude de indiferença? Dos políticos e dos cidadãos?
- Há muitas razões.


- Resignam-se? Acham inevitável?
- É um problema com várias vertentes. É um problema político profundo. É o resultado de uma sucessão de compromissos que não se cumprem, de uma permissividade face às leis, prometer umas coisas e fazer outras e de um grande distanciamento em relação ao trabalho. A sociedade portuguesa valoriza pouco o trabalho. Falar de trabalho para muita gente é uma coisa suja...


- ...suja as mãos?
- Exactamente. Suja as mãos. Então se são sindicalistas, aqueles malandros! Foram cargas sucessivas que vão destruindo a sociedade. E com esta greve geral também queremos dizer que é preciso sacudir esta situação. É o que nós ouvimos de pessoas de diversos quadrantes políticos: não desistam, sacudam isto.


- O País está anestesiado? Está a viver uma situação pantanosa?
- Estamos numa situação pantanosa. Mas só há uma forma de sair dela. É as pessoas sacudirem isto. Não há soluções se estivermos à espera de um D. Sebastião, de um Governo muito capaz, seja este ou seja aquele. É mentira. Só há soluções se as pessoas se mobilizarem, quando os portugueses se mobilizarem mais. Essa é a questão de fundo.


- Mas estão desmotivadas e pessimistas.
- Pois estão. Não foi impunemente que vivemos 48 anos de fascismo. As pessoas também estavam desmotivadas e pessimistas.


- Agora há liberdade e as pessoas estão na mesma.
- Mas a liberdade tem de ser vivida. A democracia tem de ser vivida.


- Neste estado de coisas acha que a greve geral vai ser um êxito? Atingir o sector público e privado?
- Já fizemos 6 643 plenários e reuniões. Este esforço de passar a mensagem está a ser feito. E produz os seus efeitos. Temos 25 mil activistas sindicais a trabalhar.


- Porque é que, em sua opinião, o Governo criou uma base dados para contabilizar os grevistas?
- Este Governo é obcecado pela governação dos números.


- Só pelos números?
- São duas coisas. Primeiro é esta obsessão pelos números. Repare que há um ministro que costuma dizer que os factos, isto é, os números estão certos, a compreensão das pessoas é que está errada. Isto diz tudo. O que é mais grave, neste caso da greve, é que atrás de um número há uma pessoa. O Governo vai tentar identificar as pessoas que fazem greve, o que é manifestamente ilegal.


- Este Governo não liga às pessoas?
- As pessoas não contam. O Governo vem dando sinais crescentes de estar de saída. De saída da governação dos problemas do País, da governação dos problemas dos portugueses. Da realidade. E a realidade é feita por pessoas. E é um drama se tivermos uma governação prolongada de saída dos problemas das pessoas.


- É isso que se está a passar na Saúde?
- O que está em marcha, e que já vinha em desenvolvimento, é a destruição do Serviço Nacional de Saúde gratuito. E passar a Saúde para o sector privado, uma coisa que já está definida há muito tempo. A Saúde é, a seguir ao armamento, o mais importante para o sector financeiro. O que se passa na Saúde, só por si, devia mobilizar os portugueses.


- E o desemprego? Os números são os mais altos dos últimos vinte anos.
- Nós não somos e não queremos ser definitivamente os arautos da desgraça. Agora o facto é que o agravamento das precaridades no trabalho provoca mais desemprego.


- A precaridade é grande?
- Está a crescer aceleradamente. Neste momento 21,5 por cento dos trabalhadores são precários. Exactamente o contrário do que se passa na Europa, em que se trava um grande combate contra a precaridade.


- O que é que vai mudar no dia seguinte à greve geral?
- Penso que os portugueses vão tomar consciência de que é preciso mudar de rumo. De forma crescente. Repare que não temos nenhuma palavra de ordem a exigir a demissão do Governo. A questão é a mudança de rumo nas questões fundamentais.


- A AutoEuropa é um caso exemplar nas relações de trabalho. Não podia servir de modelo às empresas portuguesas?
- Grande parte dos empresários combate a organização dos trabalhadores nas empresas. A maior parte considera os sindicatos inimigos. É uma questão que tem tradição em Portugal, em que os grupos económicos eram contra os sindicatos no tempo do fascismo. É uma questão de cultura. O contrário do que se passou em Espanha no tempo do franquismo.


- Actualmente também são?
- Repare que quando se fala no exemplo da AutoEuropa é preciso falar na liberdade de organização dos trabalhadores. E a realidade é que em Portugal não há liberdade sindical. Ser sindicalizado, em muitos casos, é um acto heróico.


- É uma acusação grave numa democracia com 34 anos.
- Pois é. Mas é a realidade. Não vemos agora o Governo a pressionar os trabalhadores nesta greve geral?


- Na Opel da Azambuja havia organização e acabou mal.
- A Opel tinha uma cultura de negociação mais sólida do que a própria AutoEuropa.


- O secretário-geral da UGT disse que o comportamento da Comissão de Trabalhadores foi inaceitável.
- Ele não percebe nada disso. É uma asneira absoluta. Há poucos anos um administrador da Opel veio despedir-se de mim e disse-me que havia sinais preocupantes sobre o futuro da fábrica. E percebi que o último vinha com uma missão precisa. Os trabalhadores acabaram por aceitar todas as imposições da Opel. E não foi por causa de salários, porque em Espanha gastam mais em ordenados. Dizer isso é não perceber nada de sindicalismo.


- O País está em crise. Os sindicatos, e a CGTP em particular, também a sentem?
- Os sindicatos são movimentos sociais. E por isso são das estruturas que mais sofrem e que mais sentem os problemas, as limitações, as mudanças de toda a ordem. Se as sociedades estão em crise, os sindicatos sentem-na bem.


- A CGTP recebe subsídios do Estado?
- A CGTP não recebe subsídios de coisa nenhuma. Nem muito, nem pouco. Zero.


- Nem da formação?
- Nada. É um disparate. A CGTP tem um centro protocolar de formação profissional, que é considerado um dos melhores em Portugal, e uma escola técnico-profissional. Aliás, deve-se a entidades privadas, como a CGTP, o facto de não ter desaparecido esse ensino de Portugal. É uma vergonha dizer-se que a CGTP recebe subsídios.


- A CGTP está muito dependente da estratégia política do PCP?
- Toda a gente sabe da influência dos comunistas no movimento sindical. E têm-na por uma opção programática e estratégica. E isso é uma mais-valia para o movimento sindical. Que um partido se empenhe nas causas dos trabalhadores. É pena é que outros partidos e forças sociais não dêem a mesma atenção aos problemas do trabalho e dos trabalhadores.


- Vai sair em 2008 de secretário-geral da CGTP?
- Não sei qual vai ser o futuro. O que tenho dito é que estou aqui há muitos anos e que não sou um sindicalista de carreira.


- E agora tem outra formação.
- Não é por isso. Não diminui a minha actividade por isso. Sai-me do pêlo. E muitos dos que criticam os sindicalistas nem fazem ideia do que custa, do trabalho que dá. Agora, os dados são concretos, a vida vai andando e o resto vai definir-se em função da equipa e da minha avaliação pessoal.


- Não quer ir para a política?
- Não. Neste momento o que vou ou não vou fazer quando sair daqui – e não sei quando saio, depende de mim e dos outros – é uma interrogação. Posso ser útil em várias áreas e tenho formação para trabalhar em diversos sectores.


SENHOR DOUTOR COM MUITAS INTERROGAÇÕES


A sede da CGTP, na Rua Victor Cordon, propriedade da central, tem uma vista privilegiada para a Praça do Município e, claro, para o rio Tejo. Carvalho da Silva é um caso no sindicalismo e na vida. Não só dirige a intersindical há mais de vinte anos como conseguiu licenciar-se em Sociologia no ISCTE. Há sete anos. Agora prepara-se para defender a tese de doutoramente, provavelmente em Julho. É por isso que olha para o futuro com segurança, mas também com muitas interrogações.

Não sabe se fica ou não mais um mandato como secretário-geral. Depende dele e, claro, do colectivo. Quando o jornalista insiste na pergunta, Carvalho da Silva responde, lentamente, enquanto desenha numa folha um enorme ponto de interrogação. É esta a resposta. Mas tem uma certeza: com 58 anos pode fazer o que quiser da sua vida.


PERFIL


Manuel Carvalho da Silva nasceu em Viatodos, freguesia do concelho de Barcelos, no dia 2 de Novembro de 1948. Casado, com três filhos, frequentou a Escola Industrial Carlos Amarante, em Braga, e fez o curso de montador electricista. Operário, foi para a guerra colonial para Cabinda, Angola, entre 1970 e 1972 e um ano depois entrou na Electromecânica Portuguesa Preh, na Trofa.


Militante comunista, foi eleito coordenador da CGTP em 1986, primeiro, e secretário-geral a partir do congresso realizado em Dezembro de 1999. Em Julho de 2000 licenciou-se em Sociologia no ISCTE, com a nota de 16 valores, e prepara -se para acabar o doutoramento no mesmo instituto neste Verão.


in Correio da Manhã 2007.05.27

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