90 Anos das Aparições de Fátima (10)
Tempos de Fátima na igreja capitalista
* Jorge Messias
Os pobres – tudo o indica - estão na moda. A luta contra a pobreza parece atrair irresistivelmente um imenso leque de privilegiados. Banqueiros que dizem trabalhar só para combaterem a miséria, Ongs que organizam corridas contra a pobreza, políticos cuja maior paixão são os pobres ou patrões que patrocinam caridosos bancos alimentares. É que já foram contados dois milhões de portugueses pobres (para não falarmos da multidão de outros cuja existência a estatística esqueceu). Também se diz – e não custa a acreditar - que a igreja está no centro desta singular metanoia ou mudança das almas dos ricos e que o milagre a que se assiste demonstra que dentro do sistema capitalista há capacidade para corrigir as injustiças, suprimir fossos da desigualdade entre pobres e ricos e recusar a luta de classes através da prática da caridade cristã. Por isso, a hierarquia católica recorda frequentemente que a Igreja é dos pobres, vive para os pobres e ela própria é pobre. Sobre estes mistérios transcendentes Fátima derramou agora alguma luz
Num país que não cessa de exibir as chagas da sua miséria, 2007 ficará na história do Santuário mariano como um ano-padrão. Estão quase prontas as obras de construção de uma gigantesca catedral cuja grandiosidade deixará varados de espanto os descendentes dos pastorinhos. Evidentemente que o novo templo nada tem a ver com a «capelinha das aparições». Nem sequer, a verdade seja dita, é uma simples catedral. O local sagrado ficará rodeado por uma complexa teia de outras construções aptas para constituírem, no futuro, um fortíssimo eixo director da Nova Evangelização da Europa. É já considerada a mais importante central de acção missionária da península ibérica e provavelmente a mais completa do mundo. Custará à volta de 60 milhões de euros (12 milhões de contos na moeda antiga). Tem a inauguração prevista para o próximo mês de Outubro, na data em que se celebra a segunda aparição da Virgem. Foi anunciado que o pagamento da empreitada será realizado a pronto, pelos cofres do próprio Santuário. É um bom investimento. Mais uma vez se prova que a religião dá lucro.
Os novos segredos de Fátima
Punhamos de parte a questão menor das mentiras do clero. Do obscurantismo da igreja. O que importa é a validação positiva dos efeitos da mentira. É ou não pobre, a igreja católica? A igreja global tem ou não tem preocupações políticas de poder e de consolidação das bases de suporte do capitalismo ? Contém ou não contém a Nova Cruzada uma estratégia comum do fundamentalismo religioso e do grande capital ? Sobre estas questões a igreja, vista de Fátima, permite recolher alguns esclarecimentos de muito interesse.
Em primeiro lugar, claro que a igreja não é totalmente pobre : tem o necessário para viver e um pouco mais que o necessário. E arrisca-se. Basta ver-se em quantos negócios cotados na Bolsa ela anda metida. Tem o Euromilhões e tem as Lotarias. Está no Turismo, na Hotelaria, na Banca, no Desporto, na Construção Civil e Obras Públicas, na Comunicação Social, nas Opas e nas fusões de capitais, nas privatizações ou nos negócios de alienação dos bens patrimoniais do Estado. Gere Misericórdias, redes hospitalares, estabelecimentos de ensino, opulentas Fundações e ocultos grupos de interesses. A ninguém dá contas daquilo que tem. Nem ninguém lhas pede. A igreja escuda-se por detrás dos estatutos de privilégio que lhe são reconhecidos pela Concordata e pela Lei da Liberdade Religiosa. Reconheça-se, então, que o alto clero trabalhou bem para alcançar a posição de força que actualmente ocupa.
Vem, depois, a questão ideológica. Que fazer, num mundo onde o racionalismo ateu e a ganância do lucro dividem entre si os diferentes níveis da sociedade ; e onde a igreja procura prolongar a sua fase de enchimento e de expansão, impondo dependências mas não dependendo dos outros?
Os cardeais têm vistas largas e traçam planos a longo prazo. No caso português, não é provavelmente o país católico o que mais interessa ao Vaticano. Mas Portugal, passivo e submisso, potencialidades para se transformar numa boa proposta como segunda linha para uma igreja que busca lançar novas raízes no mundo. Devíamos saber mais, compreender melhor, a doutrina e os métodos característicos desta Nova Evangelização que oferece a originalidade de estabelecer para cada continente estratégias de adaptação diferenciadas, a partir dos perfis regionais de riqueza, cultura e níveis civilizacionais.
A Nova Evangelização identifica-se e funde-se com os objectivos finais da globalização capitalista. Mas oculta-se por detrás de propostas aparentemente inocentes.
Trata-se de introduzir na luta de classes um conteúdo religioso. Sem que os homens disso se apercebam.
in Avante 2007.05.24
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