O negócio das «privadas» (10)
Superior: Polémica no ensino particular
30 mil alunos perdidos em dez anos
* André Pereira / Edgar Nascimento
Só a Universidade Internacional ficou sem 2600 alunos desde 1997 e é uma das instituições do Superior privado envoltas em polémica. Os responsáveis da UI vão agir criminalmente contra o Estado português.
Entre 1997 e 2006 o Ensino Superior privado perdeu cerca de 30 mil alunos: de 110 mil inscritos há dez anos passaram a ser 80 mil no início do presente ano lectivo.
Só a Universidade Internacional (UI) perdeu mais de 2600 alunos numa década. Na última semana, o ministro Mariano Gago emitiu dois despachos onde determina o fim de interesse público da UI de Lisboa e da Figueira da Foz. Em resposta, o presidente do conselho de administração da entidade instituidora da Universidade, Javier Mendez de Vigo, garantiu ontem que a SIPEC – Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura – accionará “criminalmente quem, abusando dos seus poderes, tenha como objectivo lesar os interesses dos alunos, professores e funcionários das duas universidades”. Isto depois de afirmar que o Ministério do Superior “não pode abusar das suas competências legais para prosseguir objectivos ilícitos”.
Em conferência de imprensa, na qual esteve mais de uma centena de alunos, Javier Mendez de Vigo garantiu que apresentará os planos de cada curso, com a identificação dos docentes e respectivas provas das qualificações académicas. Desta forma a sociedade responde aos pressupostos enumerados pela Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior que serviram de justificação para o ministro retirar o reconhecimento de interesse público à instituição.
O administrador da SIPEC revelou ainda o conteúdo da notificação enviada pela DGES, na qual é referido, por engano, o nome da Universidade Independente. Perante este erro Javier Mendez de Vigo afirmou: “Por que nos querem confundir? Não temos lutas de sócios, não há distribuição de dividendos, não existe duplicação de reitores nem de conselhos de administração.”
As últimas decisões de Mariano Gago relançaram dúvidas sobre o funcionamento das instituições de Ensino Superior privado. “Não é negativo que instituições sejam punidas pelas infracções que cometem. Até é bom para esclarecer a comunidade, de uma vez por todas, de quais é que cumprem”, diz João Redondo, director executivo da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP). O dirigente recorda que o Superior privado envolve perto de 90 instituições e que apenas algumas têm tido situações mais complicadas. “As privadas têm sido sistematicamente inspeccionadas. Não vejo que as últimas decisões sejam uma investida.”
ESPERA
A Universidade Independente entrega amanhã a contestação ao despacho do ministro que lhe retirou o estatuto de interesse público, após meses conturbados. O processo de encerramento compulsivo ainda decorre.
SALÁRIOS
Após o caso Moderna, relativo a 1999, a universidade volta agora a ser motivo de polémica. Os professores reclamam salários em atraso. O DIAP investiga irregularidades no funciona-mento e dívidas ao Fisco.
POLÍTICOS PARA ATRAIR ALUNOS
As universidades privadas têm apostado na contratação de políticos para dar nome e atrair alunos. Pedro Santana Lopes tem dedicado parte da sua vida académica a dar aulas em privadas. Esteve na Livre, passou pela Lusíada e pela Moderna e depois de ter dado aulas na Universidade de Lisboa voltou às privadas, à Internacional, para ensinar Direito Constitucional e Direito Internacional Público. “As aulas fazem bem ao espírito, puxam por nós”, diz.
O ex-primeiro-ministro assume que as privadas “estão num momento difícil, mas fazem muita falta”. Ao contrário da maior parte das privadas, a Fernando Pessoa não contrata docentes com actividade política.
DIFERENÇAS ENTRE PÚBLICO E PRIVADO
TRÊS QUARTOS
No presente ano lectivo 75 por cento dos alunos do Ensino Superior estão inscritos em instituições públicas.
DIPLOMADOS
Segundo o Observatório do Ensino Superior, 70 por cento dos diplomas em 2006 foram concedidos no público.
CALOIROS
Mais alunos inscritos pela 1.ª vez no 1.º ano no ensino Superior público (74 por cento) do que no privado.
SAIBA MAIS
80 637 alunos inscritos no Ensino Superior privado no início do ano lectivo 2006/07, de acordo com o Observatório do Ensino Superior.
1986 é o ano-chave do Ensino Superior privado em Portugal: com o fim da Universidade Livre (criada em 1979) nascem as universidades Lusíada, Autónoma e Portucalense.
ENCERRAMENTO
A tutela pode decidir o encerramento compulsivo ou a retirada de estatuto de interesse público de uma instituição.
MOTIVOS
Para o encerramento compulsivo tem de haver insta-bilidade académica. A acontecer, a instituição fecha, mas os proprietários mantêm os alvarás dos cursos e podem reabrir outra instituição; a retirada de estatuto de interesse público resulta quando a instituição não cumpre os objectivos (falta de cursos e de corpo docente com formação). O fim do interesse público termina com os cursos.
NOTAS
PROBLEMA É A GESTÃO
Ângelo Correia foi consultor da Moderna entre 1999 e 2001. “Faltam corpos autónomos e a gestão é o principal problema das privadas”, diz o ex-ministro.
ECONOMIA UNE POLÍTICOS
Manuela Ferreira Leite e Pina Moura são de campos políticos opostos, mas leccionam juntos no Instituto Superior de Gestão desde 2005.
CASAL ILUSTRE NA LIVRE
O presidente do Millennium bcp, Paulo Teixeira Pinto, e a mulher, Paula Teixeira da Cruz, tiraram o curso de Direito na Universidade Livre.
EVOLUÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
1997: 224.091 (Público) / 110.450 (Privado)
1998: 236.487 (Público) / 107.335 (Privado)
1999: 252.252 (Público) / 108.271 (Privado)
2000: 270.312 (Público) / 103.450 (Privado)
2001: 286.380 (Público) / 101.517 (Privado)
2002: 285.362 (Público) / 99.704 (Privado)
2003: 282.215 (Público) / 95.868 (Privado)
2004: 278.756 (Público) / 84.922 (Privado)
2005: 280.419 (Público) / 83.389 (Privado)
2006: 286.092 (Público) / 80.637 (Privado)
1998: 236.487 (Público) / 107.335 (Privado)
1999: 252.252 (Público) / 108.271 (Privado)
2000: 270.312 (Público) / 103.450 (Privado)
2001: 286.380 (Público) / 101.517 (Privado)
2002: 285.362 (Público) / 99.704 (Privado)
2003: 282.215 (Público) / 95.868 (Privado)
2004: 278.756 (Público) / 84.922 (Privado)
2005: 280.419 (Público) / 83.389 (Privado)
2006: 286.092 (Público) / 80.637 (Privado)
in Correio da Manhã 2007.05.29
Dia a Dia
Separar o trigo do joio
Separar o trigo do joio
Armando Esteves Pereira,
Director-Adjunto
O Ministério do Ensino Superior retirou o estatuto de interesse público aos pólos da Universidade Internacional de Lisboa e da Figueira da Foz, o que significa que esta escola fica impedida de funcionar.
Os alunos da Internacional vivem agora um drama semelhante aos da Independente e na Moderna as notícias são de queixas de salários em atraso e de alunos a tentarem mudar para outras escolas.
Nos anos 80 a pressão demográfica e a insuficiente oferta quantitativa das universidades públicas e da Católica obrigaram o Governo a permitir a abertura de várias universidades privadas. No entanto, o Executivo limitou-se a passar uma autorização administrativa sem controlar a qualidade dos cursos. Muitas escolas criaram cursos que só depois foram legalizados pelo Ministério.
Os anos 80 e 90 foram de enriquecimento fácil para quem investiu neste negócio. Criaram cursos de papel e caneta, esqueceram os tecnológicos, que exigiam investimento. Os professores eram de fácil recrutamento e acumulavam funções em diversas escolas.
O aumento da oferta do ensino público, também sem controlo eficaz de qualidade, e a diminuição do número de alunos obrigam a uma selecção entre boas e más escolas. As más acabarão por fechar e é pena que só agora o Estado esteja atento à falta de qualidade das universidades que foram criadas como supermercados.
in Correio da Manhã, 2007.05.28.
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