A Revolução Russa e os direitos da mulher
* Manuela Pires
Jurista
Numa época em que tanto, e aos mais diversos níveis, se fala de igualdade entre homens e mulheres, é oportuno e indispensável recordar, no mês do aniversário da Revolução Russa de 1917, o seu valioso contributo para a emancipação da mulher.
Em primeiro lugar, porque as alterações jurídicas e de facto ocorridas na Rússia de 1917, e nos anos imediatamente seguintes, foram notavelmente revolucionárias, avançadas para a época. Recorde-se que se estava em princípios do séc. XX e que a situação da mulher, por todo o Mundo, era a de ausência total de direitos, quer no plano legal quer na vida quotidiana. Por outro lado, na Rússia csarista, devastada pela fome, pela miséria e pela guerra, a situação da mulher era de despojamento total de direitos.
Em segundo lugar, porque a permanente falsificação da história, através do silenciamento, da deturpação e da mentira, subverte os factos históricos objectivos. É, aliás, extremamente raro ver referido o contributo decisivo das ideias socialistas e da Revolução Russa para a alteração profunda da situação da mulher, das mentalidades e para a sua real emancipação
Ainda são reivindicações actuais
É espantoso verificar que muitas das alterações ocorridas na Rússia soviética são ainda reivindicações actuais do movimento das mulheres e dos trabalhadores conservando toda a sua razão de ser. E é interessante verificar que o processo acelerado de desmantelamento das forças produtivas na Rússia actual teve e tem como uma componente essencial a supressão dos direitos económicos e sociais e a destruição de todas as estruturas e serviços sociais de apoio, considerados em 1917 pelos revolucionários como absolutamente vitais ao processo de emancipação da mulher.
Imediatamente após a Revolução Russa de 1917 foram concretizados uma série de direitos políticos, económicos e sociais de importância vital para as mulheres, entre os quais:
direitos políticos iguais aos dos homens e nomeadamente o direito de votar e ser eleita sem quaisquer restrições;
direito ao trabalho e princípio do trabalho igual, salário igual;
jornada de oito horas de trabalho (4 dias após a revolução foi aprovado um decreto sobre a jornada de 8 horas que previa também as interrupções obrigatórias para descanso e refeições, fixava os dias de descanso semanal e o direito a férias remuneradas; de notar que o trabalho era interdito a menores de 14 anos e os jovens entre os 14-18 não podiam trabalhar mais que 6 horas por dia);
salvaguarda do direito ao emprego durante a gravidez e durante o primeiro ano de vida dos filhos;
licença de maternidade (8 semanas anteriores ao parto e 8 posteriores);
dispensa para amamentação e direito a um subsídio de aleitamento;
medidas especiais de apoio às mães adolescentes;
direito à segurança social, nomeadamente à reforma e pensões de velhice, apoio nas situações de doença e em situações resultantes de acidentes de trabalho;
direito aos cuidados médicos e medicamentosos qualificados e gratuitos para todos.
Outras conquistas
O Decreto da Terra, aprovado a 8 de Novembro de 1917, determinava no seu ponto 6 que: “ O direito ao uso da terra é concedido a todos os cidadãos, sem distinção de sexos (...)”, abrindo assim à mulher a possibilidade de obter direitos sobre a terra que anteriomente lhe eram negados.
Em Dezembro de 1917 foi instituído o casamento civil como o único reconhecido perante a lei e foi legalizado o divórcio, com formalidades simplificadas e por solicitação de um dos cônjuges.
A Constituição aprovada em 1918 proclamava a igualdade de todos os cidadãos independentemente do sexo, raça ou nacionalidade. Também em 1918 foi aprovado o primeiro Código da Família que contemplava as alterações verificadas após a Revolução.
Em 1920 um decreto legalizou o aborto terapêutico gratuito, por simples solicitação da mulher. Em 1926 foi aprovado um novo Código da Família que reconhecia as uniões de facto, conferindo-lhe os mesmos direitos que ao casamento quanto a alguns aspectos, nomeadamente no que se refere aos bens e ao direito a pensão de alimentos em caso de separação. Acaba-se com a terrível e injusta distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Pela independência económica
Mas as alterações ocorridas com a Revolução não se limitaram ao plano jurídico. Desde o primeiro momento que a revolução soviética colocou o acento tónico na necessidade de integração da mulher no mundo do trabalho, como base da criação da sua independência económica. Por outro lado, foram tomadas medidas efectivas visando criar as estruturas sociais de apoio (creches, lavandarias, maternidades...) essenciais à emancipação da mulher. Ênfase particular foi dado à necessidade de eliminar o analfabetismo e de aumentar o nível educacional das mulheres (antes da Revolução, cerca de 84% das mulheres russas até aos 49 anos era analfabeta).
Em Setembro de 1919, num discurso proferido na IV Conferência das Operárias sem Partido da cidade de Moscovo, Lénine afirmava: «O poder soviético, como poder dos trabalhadores, logo nos primeiros meses da sua existência operou a mais decidida revolução na legislação relativa às mulheres. Das leis que colocavam a mulher numa situação de sujeição não ficou pedra sobre pedra na república soviética.(...). Naturalmente, as leis só por si não bastam, e nós não nos contentamos de modo algum apenas com decretos.(...) Para a completa libertação da mulher e para a sua real igualdade com o homem, é necessário que exista uma economia social e que a mulher participe no trabalho produtivo comum.(...) Nós criaremos instituições modelares, cantinas, creches, que libertem a mulher das tarefas domésticas.».
E em Fevereiro de 1920, apelando ao aumento da participação das mulheres a todos os níveis, Lénine afirmava «O proletariado não poderá libertar-se totalmente sem ter conquistado a liberdade total para as mulheres.»
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