Em recente visita de Estado à China, o ministro da economia apelou ao investimento dos empresários desse país em Portugal com o argumento de que tínhamos… os mais baixos salários da zona Euro! Não se tratou dum lapso, equívoco ou erro de qualquer espécie: pelo contrário, pela boca do ministro, não apenas a burguesia portuguesa confessava a sua incapacidade para desenvolver o país, como anunciava tudo aquilo que tem para oferecer à classe trabalhadora deste país: contínua e agravada exploração.
A crise
Portugal tem atravessado tempos difíceis. Apesar do ciclo económico de crescimento capitalista, nestes últimos seis anos, a economia do país tem crescido de modo raquítico, sempre abaixo do crescimento médio do PIB europeu, com valores a não ultrapassarem – ou mal ultrapassando - o 1% anuais!
Isto tem-se reflectido no crescimento gradual, ano após ano, do desemprego que já atinge os 8,2% (dados oficiais), metade do qual é de longa duração, com a precarização do emprego (atinge já 1/3 dos trabalhadores, valor que sobre para os 50% entre os jovens). Reflecte-se, igualmente, no congelamento dos salários e consequente perca de poder de compra das classes trabalhadoras -no ano passado registou-se a maior queda dos últimos 20 anos!
De igual modo, o Estado providência tem estado sobre cerrado ataque: aumentou a idade de reforma (que sociedade tão estúpida e irracional esta em que vivemos, na qual se obriga os velhos a trabalharem quando os jovens não encontram emprego…!), limitou-se o alcance do subsídio de desemprego ao mesmo tempo que novas leis vieram a facilitar os despedimentos; por outro lado, a elitização do ensino superior conduziu a um aumento de 8000% das taxas de frequência em 10 anos; introduziram-se também taxas no Sistema Nacional de Saúde (que tem vindo a ser privatizado), deixou-se de subsidiar remédios, encerraram-se dezenas de clínicas e serviços de urgência por todo o país… Para onde quer nos viremos, vemos ataques, ataques e mais ataques aos direitos e conquistas históricas pelas quais a classe trabalhadora portuguesa muito lutou.
Patrões lucram com a crise
A falência histórica da burguesia portuguesa
A entrada na então CEE, em 1986, foi uma oportunidade de ouro que a burguesia portuguesa deixou escapar! Durante anos, a economia cresceu – e com ela, mas em menor grau, o poder de compra e bem-estar da classe trabalhadora.
Foram anos em que a entrada de mais de 5 milhões de euros todos os dias como fundos comunitários, as baixas taxas de juro, políticas cambiais favoráveis, petróleo e dólar nos seus mínimos históricos ou o forte investimento económico do Estado na economia, criaram um sentimento de optimismo em que “hoje é melhor do que ontem, amanhã será melhor do que hoje”.
Mudam os governos, não muda o cenário de crise
Tivemos um governo de direita (PSD aliado ao PP) e temos agora um governo PS com maioria absoluta – a primeira da sua história. Mudam os governos, mas não mudam as políticas nem se sai da crise!
Durante ano e meio, os trabalhadores que tinham dado tão retumbante vitória aos socialistas esperaram, aceitaram os sacrifícios, mas já disseram basta! Em Outubro e Novembro do ano passado, assistimos às maiores manifestações e greves da Função Pública, dos professores, de trabalhadores de diversos sectores. Há dois meses tivemos a maior manifestação operária de sempre: 150.000 trabalhadores marchando em Lisboa contras as políticas do governo.
E apesar de titubeante, começando por anunciar uma mega-manifestação para o Outono, pela pressão da base, a direcção da CGTP/Intersindical convocou a Greve Geral como jornada de protesto e luta. A UGT ficou de fora, mas isso não é novidade! Criada por Mário Soares e Sá Carneiro em 1977, a UGT foi um instrumento de divisão do movimento sindical, a Central Sindical que sempre assinou os mais gravosos acordos com governos e patronato…
Balanço da Greve Geral
Apesar da precaridade que já afectará quase 1 milhão de trabalhadores, apesar do “sindicalismo” amarelo da UGT, apesar das ameaças, da opressão nas empresas, dos “serviços mínimos” que o governo impõe, a Greve Geral foi mesmo para a frente, a 30 de Maio, paralisando inúmeras empresas e serviços do Estado!
Ao contrário da propaganda do governo e dos patrões, a Greve Geral mostrou o descontentamento profundo que grassa entre a classe trabalhadora portuguesa, mas não a unificou numa jornada de luta que mostrasse a todos, sobretudo a si própria, toda a sua força potencial. Apesar do seu carácter nacional, apesar de ter envolvido muitas centenas de milhar de trabalhadores, apenas tivemos meia-vitória: não foi possível paralisar o país.
A precaridade e o medo são obstáculos sérios… Mas temos de procurar outras razões que expliquem esta nossa meia-vitória, ou arriscamo-nos a nunca vir a ganhar o jogo, pois a precaridade, o medo, as pressões e os “serviços mínimos” estarão novamente presentes quando nova Greve Geral for convocada…
Porque tivemos uma meia-vitória? Não haverá descontentamento suficiente na sociedade portuguesa? Claro que sim, mas esse descontentamento deveria ter sido mobilizado em torno dum programa reivindicativo concreto e não foi isso que sucedeu.
Apelou-se à participação dos trabalhadores com um vago apelo à “mudança de rumo” nas políticas do governo. Logo aí, apesar do desgoverno a que temos estado sujeitos, a Greve Geral apresentava-se como uma greve contra o governo socialista. – e foi assim que muitos trabalhadores socialistas a encararam e dela se descartaram por não vislumbrarem alternativas ao actual estado de coisas…
Com efeito, exigir uma “mudança de rumo” ao nível da governação, deveria pressupor uma alternativa concreta, mas… onde está ela? Na verdade, nenhuma alternativa concreta, palpável, de esquerda existe ao actual governo.
O Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, desavindos, sem serem capazes, sequer, de convergir na luta contra as políticas pró-capitalistas deste governo PS não podem ser considerados como uma “alternativa” ao actual governo.
Não apenas pela menor expressão que têm – e deveriam os seus dirigentes reflectir sobre isto, sobre o extraordinário facto de numa situação de grave crise económica e social, não serem capazes de tornar-se num sério pólo de atracção ao descontentamento que existe -, mas sobretudo porque não têm uma real alternativa programática ao actual estado de coisas: uma alternativa socialista.
A alternativa que urge construir
Não é preciso ser um guru na economia para compreender que, se aumentarmos os salários, a inflação subirá com eles; se reduzirmos a jornada laboral, os capitalistas não vão investir; se aumentarmos as verbas para as funções sociais do Estado, teremos de cobrar realmente os impostos aos capitalistas…. Mas assim, os capitais fugiriam do país! Se acabarmos com a flexibilidade e a precarização, as empresas vão para a Polónia, se… Mas é necessário continuar?
Muitos dirão que “as massas não estão preparadas para esse tipo de ideias”. Todavia… Se os activistas mais conscientes não fizerem uma propaganda activa das ideias mais avançadas, como é que estas se formarão no cérebro dos trabalhadores? Espontaneamente? Bom… não somos anarquistas, pois não?
Depois – e sobretudo - as nacionalizações não são “ideias bonitas” que possam ser agendadas para as calendas gregas. Pelo contrário, são propostas que emergem da própria luta!
Quando uma multinacional ameaça em deslocalizar uma empresa, não fará sentido exigir a sua nacionalização sob controlo operário? Se quisermos resolver o problema da Habitação, não deveremos municipalizar o solo urbano e expropriar as empresas de construção civil para construir casas baratas e não edificar grandes lucros para os “pato-bravos”? Fará sentido deixar à “iniciativa privada” a agiotagem bancária quando as instituições de crédito deveriam servir o desenvolvimento económico e social do país? Seria assim tão difícil aos trabalhadores compreenderem que a propriedade privada no sector gasolineiro e petrolífero apenas engorda as contas bancários dos seus proprietários à custa dos preços altos da gasolina? Etc., etc., etc.
A maior das utopias não é reclamar a mudança radical, mas continuar a pensar que no seio do capitalismo, sem acabar com a propriedade privada dos grandes meios de produção e o mal chamado sistema de “livre concorrência” (como se os monopólios tudo não decidissem…), possam ser realizadas mudanças que satisfaçam efectivamente as necessidades das massas.
Significa isso que não se deve lutar por reformas? Claro que não! Devemos lutar por todas as conquistas possíveis para a classe trabalhadora, por todas as pequenas vitórias dentro do capitalismo, mas devemos também sempre, sem ocultar os nossos propósitos e fins – como insistiam Marx e Engels no Manifesto – explicar aos trabalhadores e à juventude que nenhuma conquista será irreversível e segura sem a aplicação de outras medidas que garantam a transição para o socialismo. A difusão das ideias, dos métodos e das tradições do marxismo é a tarefa que urge conduzir no seio das organizações da classe trabalhadora.
Rui Faustino
in http://esquerda-comunista.blogspot.com/