Tudo em família
Empresas com tradição
* Sofia Canela de Castro
São poucas as empresas antigas, com anos e anos de história, que permanecem na mesma família. Mas há casos que se escrevem de luta pela manutenção de um nome. A honra de uma herança.
Podia ter escolhido outra profissão qualquer mas nasceu “com um carimbo que dizia chapeleiro.” Era ainda menino quando Ricardo percebeu que esta ia ser a sua profissão: “Quando andava a passear na fábrica pela mão do meu avô.”
A história repete-se em várias famílias que fazem história nas respectivas indústrias. Com Ricardo Figueiredo foi assim. Nasceu há 44 anos entre chapéus de feltro, cresceu e tornou-se, inevitavelmente, chapeleiro. Hoje, depois do bisavô, do avô e do pai (que aos 81 anos ainda vai à fábrica diariamente) representa a quarta geração à frente da Fepsa, gere um negócio de quase oito milhões de euros e é, actualmente, o terceiro produtor mundial. Os seus chapéus encaixam em cabeças tão ilustres como as de George W. Bush e Robert De Niro e fazem furor nas elitistas corridas de cavalos de Ascott, em Inglaterra.
Também não foi por acaso que Sónia Brito se tornou a rainha dos sabonetes ou Manuel Guerreiro Ramirez o barão das conservas. O selo da herança familiar estava-lhes gravado no sangue. Daniel e Ricardo Redondo também não escaparam ao destino que se lhes colou à pele mal sentiram os primeiros odores do licor que “se bebe aqui” (ver caixa). Casos de sucesso que vêm de longe, empresas familiares que escapam à gula das multinacionais e justificam, com honra, o rótulo made in Portugal.
O cheiro a nacionalidade está bem patente na Ach Brito dos sabonetes Patti e das águas-de-colónia Lavanda. A estrela da companhia criada por Achilles de Brito há quase um século é, no entanto, a Claus Porto, famosa também no além-mar, em terras de Oprah Winfrey e Nicolas Cage, clientes dos sabonetes de rótulos seculares. O nome da marca Premium mantém-se desde 1887 – data de criação da Claus & Schweder, primeira fábrica de sabonetes e perfumes em Portugal – e prestigia Ferdinand Claus, um dos dois fundadores alemães. À saída de Georges Schweder, em 1903, Achilles substitui-o na administração e, quando se dá a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, já o português caíra de amores pela empresa que resgataria em leilão, criando assim a Ach. Brito & Co. Lda, em 1918.
Aos 38 anos, Sónia sabe esta história de cor e por ela sentiu a “obrigação” de perpetuar o nome da família. “Não ia deixar isto, não era?”, pergunta, fatalista. A fábrica era ainda na Avenida de França, no centro do Porto, quando ela, menina, dava por lá umas voltas com o avô Achilles. “Mas não imaginava que viria para aqui. Queria seguir outro caminho, talvez relações internacionais.” O destino apanhou-a entre as fragrâncias que hoje fazem as delícias de personalidades como Oprah Winfrey, que as recomenda no seu site, de Nancy Reagan, fã das colónias da Lavanda, ou da actriz Molly Sims, que não dispensa a linha de banho da Claus.
Sónia tinha 24 anos, só conhecia as festas, a praia e o campo mas rápido teve de se adaptar à gestão do negócio daquelas barras escorregadias, velas de odores, sais de banho coloridos e colónias florais que perfumam a fábrica. “A vida dá muitas voltas e eu e o meu irmão, Aquiles, acabámos por ficar com a empresa. No início, só me apetecia fugir”, recorda. Não fugiu. Já lá vão 14 anos.
O novo espaço de produção, na zona industrial de Vila do Conde, ainda não tem dois meses mas as máquinas já se afinam para tornear os Voga, Condessa e Favoritos (Claus) que vão ser embalados à mão com arte e mestria; já recortam com precisão os populares Patti.
Por dia saem dali 30 mil sabonetes. Uns, da Claus, vão para uma restrita e muito fashion rede de lojas nacionais – Farmácia Lemos, Bazar (Porto) e Empório Casa e Mercearia da Atalaya, no Bairro Alto, em Lisboa, entre outros – e para fora do País – Collette (Paris), Liberty (Londres) e Saks (EUA). Outros ainda, como os Patti, rumam ao palco da competição renhida que se cruza nas prateleiras das grandes superfícies.
Por ano, numa facturação que em 2006 chegou aos 2,4 milhões de euros, são mais de sete milhões de sabonetes.
AS ESTRELAS DA COMPANHIA
Já em Matosinhos são diferentes os cheiros que povoam outra fábrica de renome. Na Ramirez as estrelas das conservas são as sardinhas, alinhadas em latas que se fazem ainda de outros peixes do mar. Lulas, polvo, bacalhau, cavalas esperam vez na linha de produção e, diariamente, o armazém enche-se de 220 mil latas prontas para saírem nos camiões.
A empresa passou por altos e baixos desde os primórdios, pelas mãos de Sebastian Ramirez – bisavô do actual presidente, Manuel Guerreiro Ramirez –, chegou a fechar a unidade fundadora de Vila Real de Santo António (funciona ainda em Peniche), mas hoje tem expressão em mais de 30 países que ajudam a engrossar um volume de negócios na ordem dos 20 milhões de euros.
Aos 65 anos, o industrial convive desde os 15 com aquele odor a “peixe selvagem”, a sua matéria-prima que, como ele diz para sublinhar a incerteza do mercado, “está nadando no mar”. Os filhos Manuel, de 37 anos, e Vasco, de 39 anos, seguiram-lhe as pisadas do negócio que vai já na quinta geração, depois da fundação, em 1853, 12 anos ainda antes de Pasteur desenvolver a ciência da microbiologia (a pasteurização), permitindo assim o aperfeiçoamento do então imaturo processamento de alimentos enlatados.
Já no tempo do avô “abrir uma lata de conservas era uma tragédia” e, empreendedor e inventivo, Manuel resolveu a questão. “Criei a lata de abertura fácil que foi adoptada por todo o sector”, lembra.
Desde os anos 60, a inovação continua a ser a alma do negócio, matéria de estudos cuidados no departamento técnico da fábrica de Matosinhos ou adjectivo da maquinaria que se perfila para ‘cuspir’ latas e latas, todas elas verificadas pelo olhar e mãos humanos.
Na Ach. Brito esta é também uma prioridade das reuniões regulares da empresa. No primeiro piso das novas instalações estão duas grandes mesas de madeira, de bancos corridos, centro nevrálgico de muita criatividade.
Ali se juntam designers, funcionários e administração, imersos em papéis, frascos e livros antigos que recordam a história da Ach. Brito. Dali saem novos produtos, rótulos originais e embalagens artísticas. Porque o mercado não pára.
A imaginação e olhar cirúrgico de Ricardo Figueiredo também não dormem à sombra do sucesso da Fepsa. Todos os dias, quando chega à fábrica e veste a bata azul, desce à área de produção para verificar como andam os seus chapéus feitos de pele de coelho, de lã, de vison, para modelos diversos onde o de cowboy é o rei.
No escritório, lá em cima, a internet ajuda o engenheiro químico a ver o que se passa no Mundo. E porque o Mundo tem destas coisas, há que arranjar “vantagens competitivas: em dois anos as peles aumentaram de preço dez vezes. E os chineses compram tudo o que encontram”, aponta o industrial, que para contornar o problema não se ficou a lamentar. “Usamos lã superfina para fazer feltros, uma tecnologia desenvolvida aqui na Fepsa, e somos os únicos no Mundo a fazê-lo. O toque é quase tão macio como um feltro de coelho e está a ter um êxito muito grande nos Estados Unidos”. Agora, é esperar que os concorrentes “não cheguem lá tão depressa”.
Os chapéus saem da linha de produção e das mãos dos funcionários da unidade fabril de São João da Madeira sem a etiqueta made in Portugal porque “os acabamentos, forros e tiras são colocados pelo cliente final”. É pena que o carimbo nacional não seja parte visível dos feltros de lã, coelho e outras peles que chegam a casas de renome como a Prada ou Hermès e até já brilharam como acessórios das mais prestigiadas top models.
Como há dois meses, depois de um e-mail vindo de Paris, “a pedir umas amostras”, com carácter de urgência. Um chapéu leva o seu tempo a fazer e na Fepsa produz-se anualmente 450 mil dos dois milhões de chapéus que circulam no Mundo.
Ainda assim, rigoroso nos prazos, Ricardo deu resposta imediata: os chapéus estariam prontos no dia seguinte e seriam enviados pela transportadora. Mas a pressa era tal que o próprio cliente mandou buscar a encomenda. Destino? Um desfile de moda, em Paris. Marca? Louis Vuitton. “Se me tivessem dito para o que era eu ia lá entregar os chapéus pessoalmente”, brinca o industrial. Já mais a sério: “É uma promoção de valor inestimável. No fundo, é um serviço para o bem da indústria.”
A SUCESSÃO
São empresas familiares e bem sucedidas. No futuro incerto, parece que só uma certeza os sustenta: vão manter o nome da família que lhes deu o estatuto. “Um negócio familiar não é um caminho fácil”, reconhece Sónia Brito. “São poucos os que se mantêm mas há que tentar preservar a tradição.”
Manuel Ramirez vai mais longe: “Estou casado com a fábrica e isto confunde-se connosco”, diz, seguro da escolha dos filhos e, quem sabe, até dos netos.
Já para as filhas de Ricardo Figueiredo – Mia, de seis anos, Sara, de oito e Teresa, de 10 – ainda não é a profissão do pai que lhes serve de modelo. Quando crescerem, dizem, “querem correr como pai”, brinca o industrial, fã de desportos radicais e das maratonas. Mas não há problema: entre os descendentes de Ricardo e dos irmãos – o Nuno e a Margarida, também administradores do negócio – há de vir a solução. “A próxima geração conta já com oito sucessores e é bem capaz do vírus contaminar algum deles.”
FÁBRICA DE CAHPEÚS
Criada em 1969, a Fepsa deriva da associação de vários chapeleiros de São João da Madeira que não deixaram morrer o negócio. O avô de Ricardo Figueiredo era um deles. Agora, ele e os irmãos gerem o terceiro maior produtor do Mundo de chapéus de feltro.
FÁBRICA DE SABONETES
Sónia Brito não escapou ao destino. Hoje é chamada de rainha dos sabonetes e, com o irmão Aquiles, gere a Ach. Brito, que o avô Achilles fundou, em 1918. Para casa leva quilos de sabonetes e gel de banho da Claus, a marca premium da empresa.
FÁBRICA DE CONSERVAS
Foi em meados do séc. XIX que se afinou o processamento de alimentos enlatados. A Ramirez já funcionava e foi crescendo até se tornar num império das conservas. Manuel Guerreiro Ramirez é a quarta geração da empresa. Atrás, vêm os filhos, Manuel e Vasco.
PELAS MARCAS MADE IN PORTUGAL
O apelo é óbvio: ‘Compro o que é nosso’ é um projecto da Associação Empresarial Portuguesa (AEP) que visa promover marcas e produtos made in Portugal.
“A ideia é sensibilizar a população para a qualidade e preço dos produtos feitos em Portugal”, resumiu ao CM Elisabete Soares, assessora de imprensa da AEP. Mas não é só o consumidor o alvo desta iniciativa criada em finais de 2006. Além de pretender “criar um novo estado de espírito na sociedade portuguesa, valorizando a produção nacional, a criatividade, o empreendorismo, o trabalho, o esforço e a determinação”, a iniciativa visa ainda “elevar a auto-estima de empresários e trabalhadores mobilizando-os para produzirem melhor e acreditarem que podem vencer o desafio da globalização”.
São valores patrióticos os que moveram a associação a apostar numa campanha de publicidade multimeios, orçamentada em 2,1 milhões de euros, que se baseia no ‘claim’: ‘Cá se fazem, cá se compram’.
Quanto aos produtores nacionais de vários sectores de actividade, são às dezenas os que já aderiram ao projecto e que vão colocando o selo ‘Compro o que é nosso’ nos seus rótulos e embalagens. Uma forma rápida, diz a AEP, de os consumidores “identificarem, sem dificuldade, os produtos e marcas que contribuem para gerar valor acrescentado em Portugal.”
OUTRAS HISTÓRIAS EMPRESARIAIS DE SUCESSO COM TRADIÇÃO FAMILIAR
SUCESSÃO NA DELTA
Fundada em Campo Maior, em 1961, por Manuel Rui Azinhais Nabeiro, a Delta Cafés já reclamava sucessão. O fundador sempre foi o único rosto visível à frente da empresa que escapou à cobiça de ilustres multinacionais – casos da Phillip Morris, do grupo Jerónimo Martins e da concorrente Nestlé – mas agora já tem sucessor. O negócio continua na família e Rui Miguel Nabeiro, dizem, é muito parecido com o avô. Dele herdou o olho para o negócio e o segredo mais cobiçado: a fórmula das melhores misturas de café.
AMERICO AMORIM O REI DA CORTIÇA
Passou mais de um século e o nome Amorim continua a ser sinónimo de sucesso. De uma pequena indústria familiar produtora de rolhas de cortiça, fundada em 1870, foi-se desenvolvendo, ao longo das gerações, um grupo de grande força económica, que diversificou o investimento para áreas como o turismo, a banca, as telecomunicações, a imobiliária. Depois de várias reestruturações dos negócios de família, Américo Amorim (na foto) está já desligado da gestão corrente da famosa indústria . Mas já ninguém lhe tira o título de rei da cortiça.
UM LOJA SECULAR
Confundem-se com a história de Lisboa as origens da Loja das Meias que, há mais de cem anos, começou a vender meias e espartilhos na esquina da Rua Augusta com o Rossio. Inaugurada em 1905 por Pedro Rodrigues Costa, a prestigiada loja que servia a aristocracia feminina lisboeta passou as guerras mundiais, a revolução e mantém-se firme sob a gestão do neto do fundador: Pedro António (na foto). Seguem-se Manuela, Pedro e Marina, representantes da quarta geração.
A QUINTA DOS MANOS GUEDES
A produção e comércio de vinho, fomentados por Manoel Pedro Guedes, remonta a 1860, na pitoresca Quinta da Aveleda, ali perto de Penafiel. A empresa evoluiu nas mãos da família Guedes até 1946, ano de criação de uma sociedade agrícola para a administração da propriedade. É esta a fase de maior desenvolvimento da Quinta da Aveleda, resultado das fortes exportações para o Brasil e para alguns países de África. É ainda nesta altura que surge no mercado uma das estrelas da companhia e que é, ainda hoje, uma referência nos vinhos verdes: o Casal Garcia. Actualmente são cerca de 15 as marcas geridas pelos bisnetos do fundador, António e Roberto Guedes (na foto), com uma produção anual de 12 milhões de garrafas.
MAIS DE 300 ANOS DE DESCENDÊNCIA
Mais de 300 anos depois do nascimento da Taylor’s, o Vinho do Porto não perdeu o sabor nem a fama. Nem o negócio saiu das mãos das mesmas famílias. À frente de uma marca que é ícone de Portugal, mantêm-se os descendentes dos primeiros britânicos que, em 1962, apostaram na produção de Vinho do Porto. A companhia fundada em 1692 por Job Bearsley chama-se agora Taylor Fladgate & Yeatman, designação que concentra os nomes de famílias que se foram associando, mas mantém a abreviatura Taylor’s. Na dianteira está Alistair Robertson, descendente do barão de Fladgate que em 1837 entrou na empresa.
GRUPO VIOLAS: QUANDO AS FAMÍLIAS SE SEPARAM
A fortuna da família Violas, de Espinho, era a quinta maior do País e estava avaliada em 651,9 milhões de euros quando, em finais de 2005, se decidiu a reestruturação do grupo. Quinze anos após a morte do patriarca, Manuel Soares Violas, os irmãos Manuel (na foto), Celeste e Otília preferiram fazer as partilhas da herança que incluía os casinos Solverde, participações na Unicer e no BPI e vários negócios imobiliários. Mas continuavam a entender-se na gestão familiar dos interesses.
A Manuel e Celeste coube a Unicer, os casinos e os negócios de cordoaria. Para Otília ficaram os interesses imobiliários e financeiros, que incluíam a participação no BPI, avaliada à data em 75 milhões de euros (e entretanto inflacionada), activos aglomerados na então criada HVF, SGPS.
O processo começou tranquilamente mas não tardaram a surgir pontos de vista divergentes entre os familiares. A harmonia viria a ruir, menos de um ano depois, vítima de desentendimentos entre os netos do fundador do grupo.
O único herdeiro de Otília, Tiago (gestor financeiro da holding) entrou em choque com o primo Pedro Violas (responsável pela Cotesi, empresa de cordas), filho de Manuel. E a separação das empresas tornou-se inevitável. Como disse à ‘Sábado’ Manuel Violas: “Antes os problemas eram comuns a todos, agora cada um tem problemas diferentes. São outros tempos.”
SAIBA MAIS
33 é o número das únicas empresas familiares do Mundo com mais de 200 anos e que permaneceram sempre sob o comando da mesma família.
7 países apenas albergam negócios familiares com mais de 200 anos: Itália (14), França (10), Alemanha (4), Japão (2), Espanha, Holanda e Irlanda (1).
LES HÉNOOKIENS
É o clube formado pelas companhias formadas há, pelo menos, 200 anos.
REQUISITOS
Além da antiguidade referida, as empresas têm de ser financeiramente saudáveis, modernas e ainda geridas por um membro da mesma família.
TAYLOR`S
Criada em 1692, só em 1837 Fladgate, antecessor do actual proprietário, se associou à empresa. Faltam-se 30 anos para entrar para o clube.
A história repete-se em várias famílias que fazem história nas respectivas indústrias. Com Ricardo Figueiredo foi assim. Nasceu há 44 anos entre chapéus de feltro, cresceu e tornou-se, inevitavelmente, chapeleiro. Hoje, depois do bisavô, do avô e do pai (que aos 81 anos ainda vai à fábrica diariamente) representa a quarta geração à frente da Fepsa, gere um negócio de quase oito milhões de euros e é, actualmente, o terceiro produtor mundial. Os seus chapéus encaixam em cabeças tão ilustres como as de George W. Bush e Robert De Niro e fazem furor nas elitistas corridas de cavalos de Ascott, em Inglaterra.
Também não foi por acaso que Sónia Brito se tornou a rainha dos sabonetes ou Manuel Guerreiro Ramirez o barão das conservas. O selo da herança familiar estava-lhes gravado no sangue. Daniel e Ricardo Redondo também não escaparam ao destino que se lhes colou à pele mal sentiram os primeiros odores do licor que “se bebe aqui” (ver caixa). Casos de sucesso que vêm de longe, empresas familiares que escapam à gula das multinacionais e justificam, com honra, o rótulo made in Portugal.
O cheiro a nacionalidade está bem patente na Ach Brito dos sabonetes Patti e das águas-de-colónia Lavanda. A estrela da companhia criada por Achilles de Brito há quase um século é, no entanto, a Claus Porto, famosa também no além-mar, em terras de Oprah Winfrey e Nicolas Cage, clientes dos sabonetes de rótulos seculares. O nome da marca Premium mantém-se desde 1887 – data de criação da Claus & Schweder, primeira fábrica de sabonetes e perfumes em Portugal – e prestigia Ferdinand Claus, um dos dois fundadores alemães. À saída de Georges Schweder, em 1903, Achilles substitui-o na administração e, quando se dá a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, já o português caíra de amores pela empresa que resgataria em leilão, criando assim a Ach. Brito & Co. Lda, em 1918.
Aos 38 anos, Sónia sabe esta história de cor e por ela sentiu a “obrigação” de perpetuar o nome da família. “Não ia deixar isto, não era?”, pergunta, fatalista. A fábrica era ainda na Avenida de França, no centro do Porto, quando ela, menina, dava por lá umas voltas com o avô Achilles. “Mas não imaginava que viria para aqui. Queria seguir outro caminho, talvez relações internacionais.” O destino apanhou-a entre as fragrâncias que hoje fazem as delícias de personalidades como Oprah Winfrey, que as recomenda no seu site, de Nancy Reagan, fã das colónias da Lavanda, ou da actriz Molly Sims, que não dispensa a linha de banho da Claus.
Sónia tinha 24 anos, só conhecia as festas, a praia e o campo mas rápido teve de se adaptar à gestão do negócio daquelas barras escorregadias, velas de odores, sais de banho coloridos e colónias florais que perfumam a fábrica. “A vida dá muitas voltas e eu e o meu irmão, Aquiles, acabámos por ficar com a empresa. No início, só me apetecia fugir”, recorda. Não fugiu. Já lá vão 14 anos.
O novo espaço de produção, na zona industrial de Vila do Conde, ainda não tem dois meses mas as máquinas já se afinam para tornear os Voga, Condessa e Favoritos (Claus) que vão ser embalados à mão com arte e mestria; já recortam com precisão os populares Patti.
Por dia saem dali 30 mil sabonetes. Uns, da Claus, vão para uma restrita e muito fashion rede de lojas nacionais – Farmácia Lemos, Bazar (Porto) e Empório Casa e Mercearia da Atalaya, no Bairro Alto, em Lisboa, entre outros – e para fora do País – Collette (Paris), Liberty (Londres) e Saks (EUA). Outros ainda, como os Patti, rumam ao palco da competição renhida que se cruza nas prateleiras das grandes superfícies.
Por ano, numa facturação que em 2006 chegou aos 2,4 milhões de euros, são mais de sete milhões de sabonetes.
AS ESTRELAS DA COMPANHIA
Já em Matosinhos são diferentes os cheiros que povoam outra fábrica de renome. Na Ramirez as estrelas das conservas são as sardinhas, alinhadas em latas que se fazem ainda de outros peixes do mar. Lulas, polvo, bacalhau, cavalas esperam vez na linha de produção e, diariamente, o armazém enche-se de 220 mil latas prontas para saírem nos camiões.
A empresa passou por altos e baixos desde os primórdios, pelas mãos de Sebastian Ramirez – bisavô do actual presidente, Manuel Guerreiro Ramirez –, chegou a fechar a unidade fundadora de Vila Real de Santo António (funciona ainda em Peniche), mas hoje tem expressão em mais de 30 países que ajudam a engrossar um volume de negócios na ordem dos 20 milhões de euros.
Aos 65 anos, o industrial convive desde os 15 com aquele odor a “peixe selvagem”, a sua matéria-prima que, como ele diz para sublinhar a incerteza do mercado, “está nadando no mar”. Os filhos Manuel, de 37 anos, e Vasco, de 39 anos, seguiram-lhe as pisadas do negócio que vai já na quinta geração, depois da fundação, em 1853, 12 anos ainda antes de Pasteur desenvolver a ciência da microbiologia (a pasteurização), permitindo assim o aperfeiçoamento do então imaturo processamento de alimentos enlatados.
Já no tempo do avô “abrir uma lata de conservas era uma tragédia” e, empreendedor e inventivo, Manuel resolveu a questão. “Criei a lata de abertura fácil que foi adoptada por todo o sector”, lembra.
Desde os anos 60, a inovação continua a ser a alma do negócio, matéria de estudos cuidados no departamento técnico da fábrica de Matosinhos ou adjectivo da maquinaria que se perfila para ‘cuspir’ latas e latas, todas elas verificadas pelo olhar e mãos humanos.
Na Ach. Brito esta é também uma prioridade das reuniões regulares da empresa. No primeiro piso das novas instalações estão duas grandes mesas de madeira, de bancos corridos, centro nevrálgico de muita criatividade.
Ali se juntam designers, funcionários e administração, imersos em papéis, frascos e livros antigos que recordam a história da Ach. Brito. Dali saem novos produtos, rótulos originais e embalagens artísticas. Porque o mercado não pára.
A imaginação e olhar cirúrgico de Ricardo Figueiredo também não dormem à sombra do sucesso da Fepsa. Todos os dias, quando chega à fábrica e veste a bata azul, desce à área de produção para verificar como andam os seus chapéus feitos de pele de coelho, de lã, de vison, para modelos diversos onde o de cowboy é o rei.
No escritório, lá em cima, a internet ajuda o engenheiro químico a ver o que se passa no Mundo. E porque o Mundo tem destas coisas, há que arranjar “vantagens competitivas: em dois anos as peles aumentaram de preço dez vezes. E os chineses compram tudo o que encontram”, aponta o industrial, que para contornar o problema não se ficou a lamentar. “Usamos lã superfina para fazer feltros, uma tecnologia desenvolvida aqui na Fepsa, e somos os únicos no Mundo a fazê-lo. O toque é quase tão macio como um feltro de coelho e está a ter um êxito muito grande nos Estados Unidos”. Agora, é esperar que os concorrentes “não cheguem lá tão depressa”.
Os chapéus saem da linha de produção e das mãos dos funcionários da unidade fabril de São João da Madeira sem a etiqueta made in Portugal porque “os acabamentos, forros e tiras são colocados pelo cliente final”. É pena que o carimbo nacional não seja parte visível dos feltros de lã, coelho e outras peles que chegam a casas de renome como a Prada ou Hermès e até já brilharam como acessórios das mais prestigiadas top models.
Como há dois meses, depois de um e-mail vindo de Paris, “a pedir umas amostras”, com carácter de urgência. Um chapéu leva o seu tempo a fazer e na Fepsa produz-se anualmente 450 mil dos dois milhões de chapéus que circulam no Mundo.
Ainda assim, rigoroso nos prazos, Ricardo deu resposta imediata: os chapéus estariam prontos no dia seguinte e seriam enviados pela transportadora. Mas a pressa era tal que o próprio cliente mandou buscar a encomenda. Destino? Um desfile de moda, em Paris. Marca? Louis Vuitton. “Se me tivessem dito para o que era eu ia lá entregar os chapéus pessoalmente”, brinca o industrial. Já mais a sério: “É uma promoção de valor inestimável. No fundo, é um serviço para o bem da indústria.”
A SUCESSÃO
São empresas familiares e bem sucedidas. No futuro incerto, parece que só uma certeza os sustenta: vão manter o nome da família que lhes deu o estatuto. “Um negócio familiar não é um caminho fácil”, reconhece Sónia Brito. “São poucos os que se mantêm mas há que tentar preservar a tradição.”
Manuel Ramirez vai mais longe: “Estou casado com a fábrica e isto confunde-se connosco”, diz, seguro da escolha dos filhos e, quem sabe, até dos netos.
Já para as filhas de Ricardo Figueiredo – Mia, de seis anos, Sara, de oito e Teresa, de 10 – ainda não é a profissão do pai que lhes serve de modelo. Quando crescerem, dizem, “querem correr como pai”, brinca o industrial, fã de desportos radicais e das maratonas. Mas não há problema: entre os descendentes de Ricardo e dos irmãos – o Nuno e a Margarida, também administradores do negócio – há de vir a solução. “A próxima geração conta já com oito sucessores e é bem capaz do vírus contaminar algum deles.”
FÁBRICA DE CAHPEÚS
Criada em 1969, a Fepsa deriva da associação de vários chapeleiros de São João da Madeira que não deixaram morrer o negócio. O avô de Ricardo Figueiredo era um deles. Agora, ele e os irmãos gerem o terceiro maior produtor do Mundo de chapéus de feltro.
FÁBRICA DE SABONETES
Sónia Brito não escapou ao destino. Hoje é chamada de rainha dos sabonetes e, com o irmão Aquiles, gere a Ach. Brito, que o avô Achilles fundou, em 1918. Para casa leva quilos de sabonetes e gel de banho da Claus, a marca premium da empresa.
FÁBRICA DE CONSERVAS
Foi em meados do séc. XIX que se afinou o processamento de alimentos enlatados. A Ramirez já funcionava e foi crescendo até se tornar num império das conservas. Manuel Guerreiro Ramirez é a quarta geração da empresa. Atrás, vêm os filhos, Manuel e Vasco.
PELAS MARCAS MADE IN PORTUGAL
O apelo é óbvio: ‘Compro o que é nosso’ é um projecto da Associação Empresarial Portuguesa (AEP) que visa promover marcas e produtos made in Portugal.
“A ideia é sensibilizar a população para a qualidade e preço dos produtos feitos em Portugal”, resumiu ao CM Elisabete Soares, assessora de imprensa da AEP. Mas não é só o consumidor o alvo desta iniciativa criada em finais de 2006. Além de pretender “criar um novo estado de espírito na sociedade portuguesa, valorizando a produção nacional, a criatividade, o empreendorismo, o trabalho, o esforço e a determinação”, a iniciativa visa ainda “elevar a auto-estima de empresários e trabalhadores mobilizando-os para produzirem melhor e acreditarem que podem vencer o desafio da globalização”.
São valores patrióticos os que moveram a associação a apostar numa campanha de publicidade multimeios, orçamentada em 2,1 milhões de euros, que se baseia no ‘claim’: ‘Cá se fazem, cá se compram’.
Quanto aos produtores nacionais de vários sectores de actividade, são às dezenas os que já aderiram ao projecto e que vão colocando o selo ‘Compro o que é nosso’ nos seus rótulos e embalagens. Uma forma rápida, diz a AEP, de os consumidores “identificarem, sem dificuldade, os produtos e marcas que contribuem para gerar valor acrescentado em Portugal.”
OUTRAS HISTÓRIAS EMPRESARIAIS DE SUCESSO COM TRADIÇÃO FAMILIAR
SUCESSÃO NA DELTA
Fundada em Campo Maior, em 1961, por Manuel Rui Azinhais Nabeiro, a Delta Cafés já reclamava sucessão. O fundador sempre foi o único rosto visível à frente da empresa que escapou à cobiça de ilustres multinacionais – casos da Phillip Morris, do grupo Jerónimo Martins e da concorrente Nestlé – mas agora já tem sucessor. O negócio continua na família e Rui Miguel Nabeiro, dizem, é muito parecido com o avô. Dele herdou o olho para o negócio e o segredo mais cobiçado: a fórmula das melhores misturas de café.
AMERICO AMORIM O REI DA CORTIÇA
Passou mais de um século e o nome Amorim continua a ser sinónimo de sucesso. De uma pequena indústria familiar produtora de rolhas de cortiça, fundada em 1870, foi-se desenvolvendo, ao longo das gerações, um grupo de grande força económica, que diversificou o investimento para áreas como o turismo, a banca, as telecomunicações, a imobiliária. Depois de várias reestruturações dos negócios de família, Américo Amorim (na foto) está já desligado da gestão corrente da famosa indústria . Mas já ninguém lhe tira o título de rei da cortiça.
UM LOJA SECULAR
Confundem-se com a história de Lisboa as origens da Loja das Meias que, há mais de cem anos, começou a vender meias e espartilhos na esquina da Rua Augusta com o Rossio. Inaugurada em 1905 por Pedro Rodrigues Costa, a prestigiada loja que servia a aristocracia feminina lisboeta passou as guerras mundiais, a revolução e mantém-se firme sob a gestão do neto do fundador: Pedro António (na foto). Seguem-se Manuela, Pedro e Marina, representantes da quarta geração.
A QUINTA DOS MANOS GUEDES
A produção e comércio de vinho, fomentados por Manoel Pedro Guedes, remonta a 1860, na pitoresca Quinta da Aveleda, ali perto de Penafiel. A empresa evoluiu nas mãos da família Guedes até 1946, ano de criação de uma sociedade agrícola para a administração da propriedade. É esta a fase de maior desenvolvimento da Quinta da Aveleda, resultado das fortes exportações para o Brasil e para alguns países de África. É ainda nesta altura que surge no mercado uma das estrelas da companhia e que é, ainda hoje, uma referência nos vinhos verdes: o Casal Garcia. Actualmente são cerca de 15 as marcas geridas pelos bisnetos do fundador, António e Roberto Guedes (na foto), com uma produção anual de 12 milhões de garrafas.
MAIS DE 300 ANOS DE DESCENDÊNCIA
Mais de 300 anos depois do nascimento da Taylor’s, o Vinho do Porto não perdeu o sabor nem a fama. Nem o negócio saiu das mãos das mesmas famílias. À frente de uma marca que é ícone de Portugal, mantêm-se os descendentes dos primeiros britânicos que, em 1962, apostaram na produção de Vinho do Porto. A companhia fundada em 1692 por Job Bearsley chama-se agora Taylor Fladgate & Yeatman, designação que concentra os nomes de famílias que se foram associando, mas mantém a abreviatura Taylor’s. Na dianteira está Alistair Robertson, descendente do barão de Fladgate que em 1837 entrou na empresa.
GRUPO VIOLAS: QUANDO AS FAMÍLIAS SE SEPARAM
A fortuna da família Violas, de Espinho, era a quinta maior do País e estava avaliada em 651,9 milhões de euros quando, em finais de 2005, se decidiu a reestruturação do grupo. Quinze anos após a morte do patriarca, Manuel Soares Violas, os irmãos Manuel (na foto), Celeste e Otília preferiram fazer as partilhas da herança que incluía os casinos Solverde, participações na Unicer e no BPI e vários negócios imobiliários. Mas continuavam a entender-se na gestão familiar dos interesses.
A Manuel e Celeste coube a Unicer, os casinos e os negócios de cordoaria. Para Otília ficaram os interesses imobiliários e financeiros, que incluíam a participação no BPI, avaliada à data em 75 milhões de euros (e entretanto inflacionada), activos aglomerados na então criada HVF, SGPS.
O processo começou tranquilamente mas não tardaram a surgir pontos de vista divergentes entre os familiares. A harmonia viria a ruir, menos de um ano depois, vítima de desentendimentos entre os netos do fundador do grupo.
O único herdeiro de Otília, Tiago (gestor financeiro da holding) entrou em choque com o primo Pedro Violas (responsável pela Cotesi, empresa de cordas), filho de Manuel. E a separação das empresas tornou-se inevitável. Como disse à ‘Sábado’ Manuel Violas: “Antes os problemas eram comuns a todos, agora cada um tem problemas diferentes. São outros tempos.”
SAIBA MAIS
33 é o número das únicas empresas familiares do Mundo com mais de 200 anos e que permaneceram sempre sob o comando da mesma família.
7 países apenas albergam negócios familiares com mais de 200 anos: Itália (14), França (10), Alemanha (4), Japão (2), Espanha, Holanda e Irlanda (1).
LES HÉNOOKIENS
É o clube formado pelas companhias formadas há, pelo menos, 200 anos.
REQUISITOS
Além da antiguidade referida, as empresas têm de ser financeiramente saudáveis, modernas e ainda geridas por um membro da mesma família.
TAYLOR`S
Criada em 1692, só em 1837 Fladgate, antecessor do actual proprietário, se associou à empresa. Faltam-se 30 anos para entrar para o clube.
in Correio da Manhã 2007.05.12
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