Globalizar a luta contra a barbárie imperialista
* Miguel Urbano Rodrigues
Faz mais de um século que o imperialismo, na sua luta contra trabalhadores, quando confrontado com questões fundamentais, supera contradições económicas que opõem os diferentes centros de poder e actua globalmente. O mesmo não ocorre no campo das forças que combatem a globalização neoliberal. São numerosos os movimentos e organizações progressistas que ainda acreditam na possibilidade de um capitalismo humanizado através de reformas concretizáveis pela via institucional.
No Fórum Social Mundial e nos Fóruns Sociais Europeus, algumas personalidades transmitiram a ideia de um suposto antagonismo entre movimentos sociais e partidos políticos.
Essas manobras representam um serviço prestado ao imperialismo.
A complementaridade do papel que os movimentos sociais e as organizações partidárias revolucionárias desempenham nas grandes lutas actuais no âmbito da crise de civilização que a humanidade vive é cada vez mais necessária. O debate sobre o tema da relação movimentos-partidos perde todo o significado quando resvala para o terreno da pequena política.
Sendo ficcional a antinomia movimentos-partidos, a nossa reflexão deve ser orientada para os objectivos e o tipo de intervenção das forças empenhadas no combate à globalização neoliberal. Gerada pelo capitalismo , a globalização – como reconhecem Kissinger e Thomas Friedman – não poderia sobreviver hoje sem o «punho invisível» (o poder militar) que a sustenta. O imperialismo, fase ultima do capitalismo, garante agora a continuidade do sistema que o criou.
Partidos e movimentos não são enteléquias, forças abstractas e uniformes. Para se avaliar a sua participação na história, o que importa é saber o que pretendem e como actuam.
Uma linha divisória cada vez más nítida é a que separa os movimentos e partidos que encaram a transformação da historia sob uma perspectiva revolucionária e os partidos e movimentos que adoptam uma posição muito diferente.
Clivagens hoje existentes entre forças sociais que rejeitam o projecto desumanizante da globalização neoliberal encontram a sua expressão prática em comportamentos que ao longo dos séculos, em crises de grande complexidade, traduziram concepções divergentes sobre a evolução da humanidade.
Nem todos os que condenam a globalização neoliberal identificam no desaparecimento do capitalismo uma necessidade histórica.
ENTRE O TUDO E O NADA
Marx atribuiu sempre uma grande importância à relação entre a luta quotidiana e o objectivo final, entre o factor objectivo das contradições sociais e o subjectivo do desejo de revolução. A vontade de revolução é dialéctica, nunca mecânica.
Mas a impossibilidade da revolução a curto prazo não implica o abandono da meta final.
Neste inicio do século XXI a hegemonia militar, económica e política do sistema de poder imperial dos EUA empurra muitos dos que a condenam para um pessimismo que os leva a considerar a transformação radical da sociedade uma impossibilidade absoluta. Admitem que, sendo inviável em data previsível o socialismo, o mal menor será o convívio com um capitalismo menos agressivo e perigoso do que o imposto pela globalização neoliberal.
Essa atitude não é original. O conhecimento das polémicas travadas na esquerda europeia, no inicio do século XX, em torno de temas fundamentais de estratégia e táctica é, creio, muito útil para as actuais gerações.
Sabemos que a história nunca se repete da mesma maneira. Mas o choque de ideias então ocorrido foi definidor de opções decisivas no posicionamento perante o capitalismo. Ajuda, portanto, a clarificar o debate sobre a luta contra o monstruoso sistema de poder que hoje ameaça a humanidade.
Desde o final do século XIX, e mais acentuadamente após a derrota da revolução russa de 1905, a Social Democracia Alemã — ao tempo marxista e com grandes tradições revolucionarias — começou a revelar a sua tendência reformista. As bases do partido, o mais respeitado da Europa como organização de esquerda, mantinham uma perspectiva revolucionaria. Mas a direcção, progressivamente, distanciou-se do Programa e da praxis que o concretizava.
Porquê? Porque acreditou que a revolução era inatingível.
Edward Bernstein foi o teórico da mutação ideológica, condensada na teoria segundo a qual o movimento é tudo e o resto nada.
No tocante ao trabalho político, essa opção levou o Partido a adoptar posições conciliadoras no diálogo com a burguesia, tanto no Parlamento como na área sindical. O Partido Social Democrata Alemão foi o precursor das estratégias que preconizam a transformação da sociedade exclusivamente pela via institucional.
Marx e depois Lenine atribuíam uma grande importância às lutas reivindicativas da classe operária. Elas surgiam-lhes como um complemento indispensável da acção revolucionária.
Muito diferente era a perspectiva dos reformistas alemães e austríacos. O imediato, ou seja as lutas por novas conquistas na área social e a consolidação das existentes, aparecia a Bernstein e aos seus seguidores como um resultado inelutável do movimento da historia. O complemento passou a fim estratégico e a ideia de revolução, adiada para as calendas gregas, foi arquivada.
Na pratica ruíram as pontes entre o programa revolucionário e o objectivo final, contemplado como utopia.
Da história do Partido Social Democrata Alemão, que até à Revolução Russa apareceu aos trabalhadores europeus como a mais prestigiosa das organizações marxistas do mundo, fala-se hoje pouco. É uma história incomoda para os seus actuais dirigentes porque ilumina o percurso de um partido que, tendo surgido de um projecto revolucionário, desembocou na adesão final ao capitalismo que se propunha destruir.
A caminhada foi lenta. O divórcio entre a teoria marxista e a prática que a negou não se tornou durante muitos anos transparente para a maioria dos militantes.
Por isso mesmo os textos de Rosa Luxemburgo sobre o tema não perderam actualidade pela riqueza dos ensinamentos neles contidos.
Criticando os economicistas, G. Lukács lembrava que «a categoria da totalidade, o predomínio universal e determinante do todo sobre as partes é a essência do método que Marx tomou de Hegel e colocou de modo original na base de uma ciência totalmente nova (...) O que há de fundamentalmente revolucionário na ciência proletária não consiste somente no facto de contrapor os conteúdos revolucionários à ciência burguesa, mas principalmente na essência revolucionaria do próprio método. O predomínio da categoria da totalidade é o portador do principio revolucionário na ciência».
Um dos maiores méritos de Rosa Luxemburgo é precisamente o recurso ao método dialéctico de Marx para interpretação da história e análise da sociedade da sua época. Introduzindo-o no centro da luta de classes, ela fazia dele um instrumento de construção do futuro.
Nos quadrantes da esquerda, muitos intelectuais temem hoje empregar a palavra revisionismo na critica a personalidades e forças políticas que apresentando-se como renovadoras do marxismo, participam activamente na satanização do comunismo.
Esse medo das palavras não se justifica. O marxismo ortodoxo não significa uma adesão acrítica à obra de Marx. É, como sublinhou Lukács, a convicção cientifica de que o seu método de investigação «pode ser elaborado, desenvolvido e aprofundado somente no sentido dos fundadores e que todas as tentativas para o superar ou «melhorar» conduziram, e não poderia acontecer outra coisa, a achatá-lo, trivializá-lo e converte-lo em ecléctico».
A que propósito vem isso, perguntarão vocês?
Creio que a defesa do método de Marx é mais do que nunca indispensável num momento em que o debate em torno da questão do Poder se torna muito polémico sobretudo na América Latina. Envernizadas, as velhas teses bernsteinianas são assumidas noutro contexto e com outra linguagem por movimentos que combatem a globalização neoliberal e sobretudo por intelectuais com prestigio internacional.
São conhecidas as posições do sub comandante zapatista Marcos sobre a diferença entre o revolucionário e o rebelde, categoria que assume por se identificar com a sua concepção transformadora do mundo. Na perspectiva por ele esboçada também o movimento seria quase tudo. A questão da luta pelo poder é subalternizada tal como a importância do Estado como instrumento de dominação de classe.
A adesão de personalidades como Ignacio Ramonet, Pablo Gonzalez Casanova e escritores de prestígio mundial às teses humanistas, mas não marxistas de Marcos, traduz a inegável receptividade que elas encontram em sectores intelectuais progressistas. Seria um erro subestimar o peso dessa tendência reformadora, que apresenta matizes diferentes.
Quando alguns dirigentes de movimentos de esquerda, criticando os males do capitalismo, afirmam que a questão do Poder se tornou secundária, essa atitude significa na prática que, sem disso tomarem consciência, pretendem reformar o capitalismo e não lutar pela sua destruição.
Não estamos perante uma questão académica. Para aqueles que se mantêm fiéis ao legado de Marx o objectivo final é uma questão pratica e não um tema para especulação.
A luta, no âmbito das instituições, pela conquista de parcelas do Estado capitalista e pela sua democratização, tal como a luta reivindicativa em todas as frentes, deve ser encarada como tarefa permanente. É absolutamente indispensável. Mas esse esforço, longe de ser incompatível com o combate pelo objectivo final – a transformação revolucionária da sociedade – deve estar subordinado a ele.
Parafraseando Bernstein, Rosa dizia que «o movimento como fim, em si mesmo, não é nada para a classe operária; o objectivo final é tudo».
Transcorridos 150 anos, a advertência continua a ser válida.
OS FALSOS RENOVADORES
A linha divisória que separa revolucionários e reformadores nem sempre é fácil de traçar.
No campo daqueles que, rejeitando o neoliberalismo e o imperialismo, não se definem claramente pela destruição do capitalismo coexistem tendências muito heterogéneas.
Um importante sector admite que através da conquista das instituições criadas pela própria burguesia será possível transformar gradualmente a sociedade. A experiência fracassou no Chile da Unidade Popular. Num contexto muito diferente é retomada hoje na Venezuela bolivariana e, no âmbito de uma aliança ampla, mas frágil, de forças contraditórias, no Brasil de Lula. No Equador, Lucio Gutierrez já renunciou ao seu projecto progressista, atraiçoando aqueles que o elegeram. Na Argentina e no Paraguai desenvolvem-se duas novas experiências. Neste ultimo país Nicanor Duarte anuncia reformas de conteúdo revolucionário. Mas o seu passado, como ministro de governos reaccionários, foi o de um político do sistema, o que desaconselha esperanças prematuras.
Nas Universidades e com implantação em meios intelectuais, conquistou adeptos outra tendência que, a partir de um discurso aparentemente revolucionário, acaba por negar a própria possibilidade de revolução, na medida em que desconhece ou subalterniza a luta de massas, e apresenta como alternativa à luta pelo poder e contra o imperialismo, projectos de contornos messiânicos de matizes neoanarquistas.
Citarei como exemplos a doutrina desmobilizadora do italiano Toni Negri sobre «O Império» , e o livro «Mudar o Mundo sem tomar o Poder» , do escocês John Holloway, actualmente professor da Universidade de Puebla, no México.
Ambos se apresentam como marxistas, mas ambos dele se distanciam pela concepção do mundo e das formas de luta contra o capitalismo. Na realidade o dualismo de Marx não é outra coisa senão o dualismo do futuro socialismo e do presente capitalista, do capital e do trabalho, da burguesia e do proletariado.
Obviamente o marxismo é, por definição, uma ciência em permanente renovação. Quando os dirigentes comunistas optam pelo imobilismo, excluem o povo da participação, transformam, o partido numa maquina burocrática, e o dogma substitui a criatividade, o resultado é uma caricatura do marxismo. Na implosão da URSS e no regresso do capitalismo à Rússia temos um exemplo terrível das consequências de políticas que, negando Marx e Lenine, transformaram o marxismo numa doutrina estática, fazendo dela dogma do Estado.
Mas a tragédia da URSS não pode servir de justificação às tentativas de grupos que, invocando a necessidade de renovar o marxismo, têm contribuído na pratica para o enfraquecimento do movimento comunista internacional.
Na Itália o Partido Comunista Italiano foi, em poucos anos, transformado pelos falsos renovadores num partido social democrata que se aliou à burguesia. A renovação significou a renúncia ao marxismo, a aceitação do neoliberalismo e a cumplicidade com o imperialismo.
Na França o Partido Comunista, sob a bandeira da «mudança», participou de um governo socialista, o de Jospin, que privatizou em três anos mais empresas do que os dois governos de direita anteriores e deu o seu apoio a agressão imperialista contra a Jugoslávia.
Não é por acaso que a direita, na América como na Europa, oferece a mais ampla cobertura a grupos e personalidades que, declarando-se marxistas, iniciam campanhas contra partidos revolucionários, proclamando a necessidade de os renovar. O capitalismo alinha logo com os «bons comunistas» contra «os maus comunistas». Isso aconteceu recentemente em El Salvador e em Portugal. Mas em ambos os casos a máscara dos falsos renovadores caiu; ocultava o rosto de aspirantes a alianças com a burguesia.
A juventude, desinformada por um sistema mediático perverso, é levada a crer que estes sismos que atingem partidos marxistas são um fenómeno novo, inseparável da «falência do comunismo» como projecto. Mas tal conclusão carece de fundamento histórico.
As polémicas de Lenine e Rosa Luxemburgo com Bernstein e Kautsky conservam actualidade permanente precisamente porque se repetiram desde então ciclicamente os movimentos que partiam da convicção de que a sociedade pode ser radicalmente transformada a partir de reformas graduais introduzidas no capitalismo. O revisionismo e o reformismo não desapareceram com a vitória da Revolução Russa de Outubro. Mudou o estilo, mas não o objectivo. Naturalmente, a implosão da URSS e a incapacidade do PCUS para edificar uma sociedade socialista que respondesse ao projecto de Marx contribuíram muito para estimular na esquerda o discurso reformista. Mas como tendência ele foi um fenómeno geracional. Repetiu-se de geração em geração.
UMA CRISE DIFERENTE
Existe consenso entre as forças que combatem a globalização neoliberal de que a humanidade enfrenta hoje uma crise de civilização que, pelas suas características, não tem precedentes.
Mas o reconhecimento dessa evidência coincide com a consciência de que as vítimas da crise não se encontram ainda preparadas para combater organizadamente os responsáveis por ela.
A ausência de uma Declaração Final nas três reuniões do Fórum Social Mundial confirma a dificuldade no aproveitamento para o combate do imenso potencial que o protesto dos povos contra as consequências do neoliberalismo expressa.
Faz mais de um século que o imperialismo, na sua luta contra trabalhadores, quando confrontado com questões fundamentais, supera contradições económicas que opõem os diferentes centros de poder e actua globalmente.
O mesmo não ocorre no campo das forças que combatem a globalização neoliberal. São numerosos os movimentos e organizações progressistas que ainda acreditam na possibilidade de um capitalismo humanizado através de reformas concretizáveis pela via institucional. Essa atitude manifesta-se sobretudo na timidez das posições assumidas perante o imperialismo e sobretudo o sistema de poder dos EUA. Teorias como a de Toni Negri, negam hoje a própria existência do imperialismo. Segundo o autor de «O Império» , o imperialismo, transformado-se e diluindo-se, não poderia já contar com um centro de poder hegemónico, porque os EUA não estariam mais em situação de cumprir essa função.
A confusão gerada por doutrinas desmobilizadoras como essa beneficia obviamente a estratégia de dominação mundial de um sistema de poder que, mediante uma política de militarização da Terra, começa a adquirir contornos fascizantes.
O imperialismo é na pratica o modo de ser do capitalismo. A esperança de que este possa evoluir, humanizando-se, e pretenda reduzir o fosso existente entre os exploradores e os explorados revela desconhecimento da lógica do sistema. Mas o discurso sobre a paz entre o capital e o trabalho continua a enganar milhões de pessoas. Quando Lula em Davos é abraçado por Soros e pelos dirigentes do FMI, e quando Tony Blair o chama a Londres com Kirchner e faz para ambos a apologia da Terceira Via gera a confusão, e cria no Terceiro Mundo ilusões sobre a possibilidade concreta de reformar o mundo mediante políticas como a do actual governo brasileiro aplaudidas pelo imperialismo.
A burguesia, como classe, não pode assumir prolongadamente uma posição progressista, porque ela é vocacionalmente contra-revolucionária. Daí a impossibilidade de uma reforma do sistema que, exclusivamente pela acção dos movimentos, possa conduzir à negação do capitalismo.
O discurso de matizes messiânicos que sataniza os partidos revolucionários atribuindo a um mítico Movimento dos Movimentos a tarefa de libertar a humanidade das forças que a oprimem não incentiva á luta organizada. Desmobiliza.
A consciência de que o imperialismo é o grande inimigo e tem de ser combatido globalmente avança, mas muito lentamente. Por isso mesmo a releitura dos clássicos do marxismo é utilíssima.
Em congressos e seminários, nos debates sobre a obra de Marx e o seu pensamento não se valoriza suficientemente um aspecto da sua herança: a exigência da compreensão da historia à luz de um método que exige a colocação dos problemas em situações temporais concretas.
Com frequência a atenção concentra-se em grandes temas abstractos, desvinculados de desafios contemporâneos.
Um dos maiores méritos do húngaro István Meszaros, um marxista criador, terá sido o de, aplicando o método do autor de «O Capital» , nos alertar para uma faceta pouco estudada da actual crise do capitalismo. Diferentemente das anteriores, ela não é conjuntural, tornou-se estrutural.
O sistema do capital funciona através de uma rede labiríntica de contradições que não consegue já superar. Atingiu o auge do poderio. Mas o equilíbrio do binómio antinómico consumo-destruição, imprescindível à reprodução do capital rompeu-se. A globalização capitalista – como sublinha Mészaros – accionou forças que colocam em causa não somente a incontrolabilidade do sistema por qualquer processo racional, mas também e simultaneamente a sua própria incapacidade para cumprir as funções de controle que se definem como a sua condição de existência e legitimidade».
Como a teoria da acumulação, alavanca do capitalismo, não funciona como antes, as forças mais retrógradas do sistema de poder dos EUA idearam e tentam executar um projecto de dominação e controle perpétuo do planeta, que configura ameaça à humanidade. O novo imperialismo planetário, prisioneiro de um circuito infernal produção-destruição, não pode subsistir sem as chamadas «guerras preventivas» que alimentam as caldeiras do capitalismo senil.
Sendo global a crise – económica, política, militar, social, cultural e ambiental – a resposta à estratégia neofascista que, através do controle dos recursos naturais e portanto das guerras preventivas, está a empurrar a humanidade para o abismo – terá de ser também global.
Esse o grande desafio, pois não se encontram ainda reunidas as condições imprescindíveis à mobilização dos povos para a luta organizada e permanente contra um inimigo muito mais vulnerável do que parece.
Merece reflexão o facto de durante o breve período de algumas semanas, antes da agressão ao Iraque e durante a primeira quinzena de Abril, dezenas de milhões de homens e mulheres terem saído às ruas em cidades de todos os Continentes para condenar a guerra. A indignação dos povos francês, alemão e russo, tornou possível que governos aliados do imperialismo estadunidense e seus cúmplices dele se demarcassem na ONU, movidos também por contradições de interesses económicos.
Mas, ocupado o Iraque, logo que a grande maré do protesto dos povos baixou, as fissuras abertas na frente do capital desapareceram e dirigentes como Chirac e Schroeder submeteram-se à vontade de Washington. Ambos deram o seu aval à situação criada pela agressão norte-americana. O mesmo aconteceu com Putin.
No Iraque o povo não aceita a recolonização. Quase diariamente militares do exército de ocupação são abatidos pela resistência. O alto comando norte-americano acabou por reconhecer que no país se formou uma guerrilha de tipo clássico que conta com o apoio de amplas camadas da população. No Afeganistão a luta popular contra as tropas estrangeiras também se intensificou. Para enfrentar os desafios das guerrilhas que contam agora com o apoio de quadros do antigo Partido Democrático Popular que esteve no poder durante a Revolução Afegã, Washington transferiu o comando, em Kabul, para a OTAN. Mas com excepção da capital, os invasores não controlam o país.
A crescente resistência que o plano do sistema de poder estadunidense de controle do Médio Oriente e da Ásia Central cria, portanto, condições muito favoráveis ao desenvolvimento da luta dos povos.
Entretanto, por falta de condições subjectivas, a resposta à estratégia imperialista é débil e desarticulada.
Reflectir sobre as causas do refluxo do movimento de massas e extrair dos acontecimentos lições que permitam a intensificação das lutas contra a estratégia imperialista, imprimindo-lhe caracter permanente e elevando-a a uma fase superior é, portanto, um desafio para os partidos e organizações revolucionarias.
GLOBALIZAR A LUTA
Não ha precedente histórico para um protesto comparável ao que precedeu a agressão ao Iraque. Aquilo que aconteceu confirmou o imenso potencial dos povos para transformar a vida.
E, contudo, transcorridos cinco meses, o Iraque é administrado por um procônsul dos EUA, assessorado por um conselho de governo fantoche. E os povos não saem mais às ruas em protestos maciços. O apoio à luta de iraquianos e afegãos (e palestinos) caiu para um nível muito baixo.
O contraste entre as duas situações envolve um convite ao debate sereno sobre temas que tem sido discutidos nos Fóruns Sociais.
É óbvio que os movimentos sociais tem desenvolvido um esforço magnífico cujos resultados ultrapassaram as expectativas mais optimistas. A humanidade deve-lhes muitíssimo. Partiu deles a arrancada para a luta. Mas a sua capacidade de intervenção tem limites insuperáveis se não visar objectivos estratégicos permanentes e bem definidos. Dai a necessidade da uma acção complementar, convergente e harmoniosa de movimentos e partidos.
A revolta popular por mais ampla que seja, quando não ultrapassa o quadro de uma resposta espontaneísta, perde o impulso, dilui-se e não atinge a fase que culmina com a confrontação frontal com o inimigo – no caso o poder imperial hegemónico. A disponibilidade das massas para a luta é sempre condicionada por factores subjectivos complexos, inseparáveis de situações conjunturais. O rechaço às guerra «preventivas» exemplifica essa realidade.
Pode argumentar-se, com razão, que escasseiam hoje no mundo os partidos revolucionários em condições de desempenhar adequadamente o papel insubstituível que lhes cabe nas grandes lutas do nosso tempo.
Mas é precisamente em crises como aquela que a humanidade vive que o partido revolucionário, num processo de interacção muito complexo, cresce, se transforma, assume como organizador e formador o papel que os movimentos, isoladamente, não podem desempenhar. Num processo dialéctico, o partido, contribui decisivamente para o aprofundamento da consciência de classe, mas é também, ele próprio subtilmente influenciado pelas transformações criadoras que as massas vão forjando durante a luta.
É transparente que a actual crise não nos coloca perante a possibilidade uma insurreição no estilo antigo.
Mas a repetição de protestos cíclicos, grandiosos, mas com fluxo e refluxo, não aponta o caminho a seguir.
Precisamente porque a crise do sistema, e sobretudo a do seu bastião e motor, é estrutural, abrem-se ao combate dos povos perspectivas de uma resposta global – repito – que não tem sido devidamente exploradas pelos partidos e organizações revolucionários.
Intelectuais revolucionários como Samir Amin e Istvan Mészaros prestam uma contribuição importante ao debate em curso através de diagnósticos sobre a crise do capitalismo senil. A radiografia de um sistema que não encontrando solução para os seus problemas, opta pela irracionalidade, adverte a humanidade para o enorme perigo que a ameaça.
A implosão da URSS deve funcionar como vacina contra os sonhos deterministas. O socialismo que ali se implantou não foi o imaginado por Marx e Lenine, mas o regresso do capitalismo significou uma tragédia para a humanidade.
O futuro próximo é uma incógnita.
Poucas vezes como hoje terá sido tão necessária a humildade revolucionária.
Georges Gastaud, o lúcido pensador comunista francês, lembra-nos que «os militantes da paz têm antes de mais de associar-se aos movimentos sindical e operário, às forças republicanas partidárias da soberania nacional, às forças antifascistas opostas às leis liberticidas, porque a instalação do exército americano em Bagdad, depois de Belgrado, Kabul e Samarcanda é também um retrocesso tremendo imposto aos trabalhadores que lutam em cada país, incluindo o nosso, pela democracia e o progresso social».
Apenas sugestões para um programa de luta no seu pais, a França?
Não, Gastaud, tem uma concepção global da luta. Na convergência e simultaneidade de muitas e diversificadas acções contra o imperialismo e as políticas neoliberais identifica a única estratégia eficaz, susceptível de minar as bases do seu poder, de introduzir fissuras nas suas engrenagens, de criar condições para a sua derrota final.
«Associar a luta contra a guerra – declarou numa Conferencia na cidade de Lens – às lutas em defesa dos salários da reforma, do poder aquisitivo, dos serviços públicos, à recusa conjunta do superarmamento, dos porta-aviões e demais «forças de projecção europeias».
As lutas nacionais, especialmente mobilizadoras, não devem, porem, ser dissociadas das acções internacionais. Caminhar para uma estratégia globalizada das acções de massas deve ser um objectivo permanente. Em primeiro lugar da classe operária.
A esta – e aos partidos revolucionários a ela ligados – cabe em cada país a tarefa de criar uma atmosfera de luta que mobilize as massas de modo permanente – insisto sempre na palavra – para o combate, em múltiplas frentes, contra a ameaça mortal que a estratégia do sistema de poder fascizante passou a representar para a humanidade. No esforço tendente a evitar o refluxo das mobilizações populares, é importantíssimo desenvolver um trabalho de esclarecimento com características inéditas. O mundo não está em vésperas de uma revolução planetária. Mas a irracionalidade fascizante do imperialismo estadunidense pode levar ao holocausto, à extinção da humanidade. Daí a necessidade de explicar ao cidadão comum, a todas as pessoas que a invasão e recolonização do Iraque é, no projecto imperial estadunidense, «somente um degrau – como diz Gastaud – na guerra de classe ilimitada contra as nações soberanas, contra a paz mundial, contra as avançadas do mundo do trabalho».
Paradoxalmente, a mobilização contra a escalada da dominação imperialista é, entretanto pluriclassista, o que lhe confere um caracter praticamente inédito. Transcende as fronteiras da classe mais combativa, porque a ameaça se tornou planetária.
Quando a evolução do capitalismo, nas vésperas do primeiro conflito mundial, empurrava a humanidade para uma guerra imperialista, Rosa Luxemburgo advertiu que a alternativa colocada aos povos se condensava na opção entre Socialismo e Barbárie. Como evitar a tragédia iminente? «Quando a maioria do povo chega ao convencimento – essa a sua resposta – de que as guerras são um fenómeno bárbaro, profundamente imoral, reaccionário e contrário ao povo, então as guerras tornam-se impossíveis».
Os povos, como sabemos, não lutaram para evitar a Primeira Guerra. Nem a Segunda.
Transcorreram quase noventa anos. O panorama agravou-se. Mészaros retomou a advertência de Rosa num contexto dramático. Não estamos em condições de esboçar sequer o perfil de um Socialismo futuro, mas conhecemos já o prólogo de uma Barbárie, que pode, aliás, levar ao fim da aventura humana.
Mas, pela primeira vez, os povos, este ano, em movimento mundial condenaram a guerra, uma guerra imperialista inseparável de um projecto de dominação mundial. O protesto não foi suficiente para a conter, mas apontou um caminho. Se aquilo que foi espontâneo e teve duração breve se transformar em desafio e combate organizado, permanente, a guerra será cada vez mais difícil e fecha-se a porta à barbárie.
Rosa inseria a política, a vida, a teoria e a prática da revolução numa totalidade, aplicando com lucidez e rigor o método de Marx.
É esse conceito da totalidade, a convicção de que a fidelidade intransigente ao objectivo final deve primar sobre a circunstância, sobre tudo o que é transitório – é essa atitude perante a história que hoje impressiona, porque ajuda a compreender e a lutar.
O lema do Fórum Social Mundial tem corrido pela Terra, repetido milhões de vezes. Mas não basta proclamar que «Outro mundo é possível». Quando se avança na procura do caminho, a maioria perde-se num labirinto de veredas secundárias. O objectivo é esquecido.
E porquê?
Porque ele exige uma disponibilidade total, constante, para uma batalha de duração imprevisível, contra um adversário formidável que, sem o ser, parece invencível.
O sujeito dessa batalha, inevitável, são os povos. Mas porque ela é total, abrangente, planetária, pluriclassista, porque na realidade coloca exigências próprias de uma guerra, os movimentos que a fortalecem e desafiam o imperialismo, mas actuam como as mares, em fluxo e refluxo, não podem prescindir da cooperação com as vanguardas, na tarefa estratégica de imprimir ao confronto com o imperialismo a organização que é fonte da consciência social.
É um facto que os revolucionários, mesmo nas fases de grandes rupturas históricas, são sempre uma minoria. É também uma evidência que o Socialismo, como alternativa à Barbárie, não tem nem rosto nem data no calendário. O fim do capitalismo, a derrota do imperialismo não se esboça no horizonte.
Mas os revolucionários, para o serem autenticamente, para justificarem essa opção, não lutam para assistirem à vitoria das revoluções que transformam o mundo. Batem-se, pela palavra e pela acção para que elas sejam possíveis, mesmo para além das suas existências transitórias.
No Fórum Social Mundial e nos Fóruns Sociais Europeus, algumas personalidades transmitiram a ideia de um suposto antagonismo entre movimentos sociais e partidos políticos.
Essas manobras representam um serviço prestado ao imperialismo.
A complementaridade do papel que os movimentos sociais e as organizações partidárias revolucionárias desempenham nas grandes lutas actuais no âmbito da crise de civilização que a humanidade vive é cada vez mais necessária. O debate sobre o tema da relação movimentos-partidos perde todo o significado quando resvala para o terreno da pequena política.
Sendo ficcional a antinomia movimentos-partidos, a nossa reflexão deve ser orientada para os objectivos e o tipo de intervenção das forças empenhadas no combate à globalização neoliberal. Gerada pelo capitalismo , a globalização – como reconhecem Kissinger e Thomas Friedman – não poderia sobreviver hoje sem o «punho invisível» (o poder militar) que a sustenta. O imperialismo, fase ultima do capitalismo, garante agora a continuidade do sistema que o criou.
Partidos e movimentos não são enteléquias, forças abstractas e uniformes. Para se avaliar a sua participação na história, o que importa é saber o que pretendem e como actuam.
Uma linha divisória cada vez más nítida é a que separa os movimentos e partidos que encaram a transformação da historia sob uma perspectiva revolucionária e os partidos e movimentos que adoptam uma posição muito diferente.
Clivagens hoje existentes entre forças sociais que rejeitam o projecto desumanizante da globalização neoliberal encontram a sua expressão prática em comportamentos que ao longo dos séculos, em crises de grande complexidade, traduziram concepções divergentes sobre a evolução da humanidade.
Nem todos os que condenam a globalização neoliberal identificam no desaparecimento do capitalismo uma necessidade histórica.
ENTRE O TUDO E O NADA
Marx atribuiu sempre uma grande importância à relação entre a luta quotidiana e o objectivo final, entre o factor objectivo das contradições sociais e o subjectivo do desejo de revolução. A vontade de revolução é dialéctica, nunca mecânica.
Mas a impossibilidade da revolução a curto prazo não implica o abandono da meta final.
Neste inicio do século XXI a hegemonia militar, económica e política do sistema de poder imperial dos EUA empurra muitos dos que a condenam para um pessimismo que os leva a considerar a transformação radical da sociedade uma impossibilidade absoluta. Admitem que, sendo inviável em data previsível o socialismo, o mal menor será o convívio com um capitalismo menos agressivo e perigoso do que o imposto pela globalização neoliberal.
Essa atitude não é original. O conhecimento das polémicas travadas na esquerda europeia, no inicio do século XX, em torno de temas fundamentais de estratégia e táctica é, creio, muito útil para as actuais gerações.
Sabemos que a história nunca se repete da mesma maneira. Mas o choque de ideias então ocorrido foi definidor de opções decisivas no posicionamento perante o capitalismo. Ajuda, portanto, a clarificar o debate sobre a luta contra o monstruoso sistema de poder que hoje ameaça a humanidade.
Desde o final do século XIX, e mais acentuadamente após a derrota da revolução russa de 1905, a Social Democracia Alemã — ao tempo marxista e com grandes tradições revolucionarias — começou a revelar a sua tendência reformista. As bases do partido, o mais respeitado da Europa como organização de esquerda, mantinham uma perspectiva revolucionaria. Mas a direcção, progressivamente, distanciou-se do Programa e da praxis que o concretizava.
Porquê? Porque acreditou que a revolução era inatingível.
Edward Bernstein foi o teórico da mutação ideológica, condensada na teoria segundo a qual o movimento é tudo e o resto nada.
No tocante ao trabalho político, essa opção levou o Partido a adoptar posições conciliadoras no diálogo com a burguesia, tanto no Parlamento como na área sindical. O Partido Social Democrata Alemão foi o precursor das estratégias que preconizam a transformação da sociedade exclusivamente pela via institucional.
Marx e depois Lenine atribuíam uma grande importância às lutas reivindicativas da classe operária. Elas surgiam-lhes como um complemento indispensável da acção revolucionária.
Muito diferente era a perspectiva dos reformistas alemães e austríacos. O imediato, ou seja as lutas por novas conquistas na área social e a consolidação das existentes, aparecia a Bernstein e aos seus seguidores como um resultado inelutável do movimento da historia. O complemento passou a fim estratégico e a ideia de revolução, adiada para as calendas gregas, foi arquivada.
Na pratica ruíram as pontes entre o programa revolucionário e o objectivo final, contemplado como utopia.
Da história do Partido Social Democrata Alemão, que até à Revolução Russa apareceu aos trabalhadores europeus como a mais prestigiosa das organizações marxistas do mundo, fala-se hoje pouco. É uma história incomoda para os seus actuais dirigentes porque ilumina o percurso de um partido que, tendo surgido de um projecto revolucionário, desembocou na adesão final ao capitalismo que se propunha destruir.
A caminhada foi lenta. O divórcio entre a teoria marxista e a prática que a negou não se tornou durante muitos anos transparente para a maioria dos militantes.
Por isso mesmo os textos de Rosa Luxemburgo sobre o tema não perderam actualidade pela riqueza dos ensinamentos neles contidos.
Criticando os economicistas, G. Lukács lembrava que «a categoria da totalidade, o predomínio universal e determinante do todo sobre as partes é a essência do método que Marx tomou de Hegel e colocou de modo original na base de uma ciência totalmente nova (...) O que há de fundamentalmente revolucionário na ciência proletária não consiste somente no facto de contrapor os conteúdos revolucionários à ciência burguesa, mas principalmente na essência revolucionaria do próprio método. O predomínio da categoria da totalidade é o portador do principio revolucionário na ciência».
Um dos maiores méritos de Rosa Luxemburgo é precisamente o recurso ao método dialéctico de Marx para interpretação da história e análise da sociedade da sua época. Introduzindo-o no centro da luta de classes, ela fazia dele um instrumento de construção do futuro.
Nos quadrantes da esquerda, muitos intelectuais temem hoje empregar a palavra revisionismo na critica a personalidades e forças políticas que apresentando-se como renovadoras do marxismo, participam activamente na satanização do comunismo.
Esse medo das palavras não se justifica. O marxismo ortodoxo não significa uma adesão acrítica à obra de Marx. É, como sublinhou Lukács, a convicção cientifica de que o seu método de investigação «pode ser elaborado, desenvolvido e aprofundado somente no sentido dos fundadores e que todas as tentativas para o superar ou «melhorar» conduziram, e não poderia acontecer outra coisa, a achatá-lo, trivializá-lo e converte-lo em ecléctico».
A que propósito vem isso, perguntarão vocês?
Creio que a defesa do método de Marx é mais do que nunca indispensável num momento em que o debate em torno da questão do Poder se torna muito polémico sobretudo na América Latina. Envernizadas, as velhas teses bernsteinianas são assumidas noutro contexto e com outra linguagem por movimentos que combatem a globalização neoliberal e sobretudo por intelectuais com prestigio internacional.
São conhecidas as posições do sub comandante zapatista Marcos sobre a diferença entre o revolucionário e o rebelde, categoria que assume por se identificar com a sua concepção transformadora do mundo. Na perspectiva por ele esboçada também o movimento seria quase tudo. A questão da luta pelo poder é subalternizada tal como a importância do Estado como instrumento de dominação de classe.
A adesão de personalidades como Ignacio Ramonet, Pablo Gonzalez Casanova e escritores de prestígio mundial às teses humanistas, mas não marxistas de Marcos, traduz a inegável receptividade que elas encontram em sectores intelectuais progressistas. Seria um erro subestimar o peso dessa tendência reformadora, que apresenta matizes diferentes.
Quando alguns dirigentes de movimentos de esquerda, criticando os males do capitalismo, afirmam que a questão do Poder se tornou secundária, essa atitude significa na prática que, sem disso tomarem consciência, pretendem reformar o capitalismo e não lutar pela sua destruição.
Não estamos perante uma questão académica. Para aqueles que se mantêm fiéis ao legado de Marx o objectivo final é uma questão pratica e não um tema para especulação.
A luta, no âmbito das instituições, pela conquista de parcelas do Estado capitalista e pela sua democratização, tal como a luta reivindicativa em todas as frentes, deve ser encarada como tarefa permanente. É absolutamente indispensável. Mas esse esforço, longe de ser incompatível com o combate pelo objectivo final – a transformação revolucionária da sociedade – deve estar subordinado a ele.
Parafraseando Bernstein, Rosa dizia que «o movimento como fim, em si mesmo, não é nada para a classe operária; o objectivo final é tudo».
Transcorridos 150 anos, a advertência continua a ser válida.
OS FALSOS RENOVADORES
A linha divisória que separa revolucionários e reformadores nem sempre é fácil de traçar.
No campo daqueles que, rejeitando o neoliberalismo e o imperialismo, não se definem claramente pela destruição do capitalismo coexistem tendências muito heterogéneas.
Um importante sector admite que através da conquista das instituições criadas pela própria burguesia será possível transformar gradualmente a sociedade. A experiência fracassou no Chile da Unidade Popular. Num contexto muito diferente é retomada hoje na Venezuela bolivariana e, no âmbito de uma aliança ampla, mas frágil, de forças contraditórias, no Brasil de Lula. No Equador, Lucio Gutierrez já renunciou ao seu projecto progressista, atraiçoando aqueles que o elegeram. Na Argentina e no Paraguai desenvolvem-se duas novas experiências. Neste ultimo país Nicanor Duarte anuncia reformas de conteúdo revolucionário. Mas o seu passado, como ministro de governos reaccionários, foi o de um político do sistema, o que desaconselha esperanças prematuras.
Nas Universidades e com implantação em meios intelectuais, conquistou adeptos outra tendência que, a partir de um discurso aparentemente revolucionário, acaba por negar a própria possibilidade de revolução, na medida em que desconhece ou subalterniza a luta de massas, e apresenta como alternativa à luta pelo poder e contra o imperialismo, projectos de contornos messiânicos de matizes neoanarquistas.
Citarei como exemplos a doutrina desmobilizadora do italiano Toni Negri sobre «O Império» , e o livro «Mudar o Mundo sem tomar o Poder» , do escocês John Holloway, actualmente professor da Universidade de Puebla, no México.
Ambos se apresentam como marxistas, mas ambos dele se distanciam pela concepção do mundo e das formas de luta contra o capitalismo. Na realidade o dualismo de Marx não é outra coisa senão o dualismo do futuro socialismo e do presente capitalista, do capital e do trabalho, da burguesia e do proletariado.
Obviamente o marxismo é, por definição, uma ciência em permanente renovação. Quando os dirigentes comunistas optam pelo imobilismo, excluem o povo da participação, transformam, o partido numa maquina burocrática, e o dogma substitui a criatividade, o resultado é uma caricatura do marxismo. Na implosão da URSS e no regresso do capitalismo à Rússia temos um exemplo terrível das consequências de políticas que, negando Marx e Lenine, transformaram o marxismo numa doutrina estática, fazendo dela dogma do Estado.
Mas a tragédia da URSS não pode servir de justificação às tentativas de grupos que, invocando a necessidade de renovar o marxismo, têm contribuído na pratica para o enfraquecimento do movimento comunista internacional.
Na Itália o Partido Comunista Italiano foi, em poucos anos, transformado pelos falsos renovadores num partido social democrata que se aliou à burguesia. A renovação significou a renúncia ao marxismo, a aceitação do neoliberalismo e a cumplicidade com o imperialismo.
Na França o Partido Comunista, sob a bandeira da «mudança», participou de um governo socialista, o de Jospin, que privatizou em três anos mais empresas do que os dois governos de direita anteriores e deu o seu apoio a agressão imperialista contra a Jugoslávia.
Não é por acaso que a direita, na América como na Europa, oferece a mais ampla cobertura a grupos e personalidades que, declarando-se marxistas, iniciam campanhas contra partidos revolucionários, proclamando a necessidade de os renovar. O capitalismo alinha logo com os «bons comunistas» contra «os maus comunistas». Isso aconteceu recentemente em El Salvador e em Portugal. Mas em ambos os casos a máscara dos falsos renovadores caiu; ocultava o rosto de aspirantes a alianças com a burguesia.
A juventude, desinformada por um sistema mediático perverso, é levada a crer que estes sismos que atingem partidos marxistas são um fenómeno novo, inseparável da «falência do comunismo» como projecto. Mas tal conclusão carece de fundamento histórico.
As polémicas de Lenine e Rosa Luxemburgo com Bernstein e Kautsky conservam actualidade permanente precisamente porque se repetiram desde então ciclicamente os movimentos que partiam da convicção de que a sociedade pode ser radicalmente transformada a partir de reformas graduais introduzidas no capitalismo. O revisionismo e o reformismo não desapareceram com a vitória da Revolução Russa de Outubro. Mudou o estilo, mas não o objectivo. Naturalmente, a implosão da URSS e a incapacidade do PCUS para edificar uma sociedade socialista que respondesse ao projecto de Marx contribuíram muito para estimular na esquerda o discurso reformista. Mas como tendência ele foi um fenómeno geracional. Repetiu-se de geração em geração.
UMA CRISE DIFERENTE
Existe consenso entre as forças que combatem a globalização neoliberal de que a humanidade enfrenta hoje uma crise de civilização que, pelas suas características, não tem precedentes.
Mas o reconhecimento dessa evidência coincide com a consciência de que as vítimas da crise não se encontram ainda preparadas para combater organizadamente os responsáveis por ela.
A ausência de uma Declaração Final nas três reuniões do Fórum Social Mundial confirma a dificuldade no aproveitamento para o combate do imenso potencial que o protesto dos povos contra as consequências do neoliberalismo expressa.
Faz mais de um século que o imperialismo, na sua luta contra trabalhadores, quando confrontado com questões fundamentais, supera contradições económicas que opõem os diferentes centros de poder e actua globalmente.
O mesmo não ocorre no campo das forças que combatem a globalização neoliberal. São numerosos os movimentos e organizações progressistas que ainda acreditam na possibilidade de um capitalismo humanizado através de reformas concretizáveis pela via institucional. Essa atitude manifesta-se sobretudo na timidez das posições assumidas perante o imperialismo e sobretudo o sistema de poder dos EUA. Teorias como a de Toni Negri, negam hoje a própria existência do imperialismo. Segundo o autor de «O Império» , o imperialismo, transformado-se e diluindo-se, não poderia já contar com um centro de poder hegemónico, porque os EUA não estariam mais em situação de cumprir essa função.
A confusão gerada por doutrinas desmobilizadoras como essa beneficia obviamente a estratégia de dominação mundial de um sistema de poder que, mediante uma política de militarização da Terra, começa a adquirir contornos fascizantes.
O imperialismo é na pratica o modo de ser do capitalismo. A esperança de que este possa evoluir, humanizando-se, e pretenda reduzir o fosso existente entre os exploradores e os explorados revela desconhecimento da lógica do sistema. Mas o discurso sobre a paz entre o capital e o trabalho continua a enganar milhões de pessoas. Quando Lula em Davos é abraçado por Soros e pelos dirigentes do FMI, e quando Tony Blair o chama a Londres com Kirchner e faz para ambos a apologia da Terceira Via gera a confusão, e cria no Terceiro Mundo ilusões sobre a possibilidade concreta de reformar o mundo mediante políticas como a do actual governo brasileiro aplaudidas pelo imperialismo.
A burguesia, como classe, não pode assumir prolongadamente uma posição progressista, porque ela é vocacionalmente contra-revolucionária. Daí a impossibilidade de uma reforma do sistema que, exclusivamente pela acção dos movimentos, possa conduzir à negação do capitalismo.
O discurso de matizes messiânicos que sataniza os partidos revolucionários atribuindo a um mítico Movimento dos Movimentos a tarefa de libertar a humanidade das forças que a oprimem não incentiva á luta organizada. Desmobiliza.
A consciência de que o imperialismo é o grande inimigo e tem de ser combatido globalmente avança, mas muito lentamente. Por isso mesmo a releitura dos clássicos do marxismo é utilíssima.
Em congressos e seminários, nos debates sobre a obra de Marx e o seu pensamento não se valoriza suficientemente um aspecto da sua herança: a exigência da compreensão da historia à luz de um método que exige a colocação dos problemas em situações temporais concretas.
Com frequência a atenção concentra-se em grandes temas abstractos, desvinculados de desafios contemporâneos.
Um dos maiores méritos do húngaro István Meszaros, um marxista criador, terá sido o de, aplicando o método do autor de «O Capital» , nos alertar para uma faceta pouco estudada da actual crise do capitalismo. Diferentemente das anteriores, ela não é conjuntural, tornou-se estrutural.
O sistema do capital funciona através de uma rede labiríntica de contradições que não consegue já superar. Atingiu o auge do poderio. Mas o equilíbrio do binómio antinómico consumo-destruição, imprescindível à reprodução do capital rompeu-se. A globalização capitalista – como sublinha Mészaros – accionou forças que colocam em causa não somente a incontrolabilidade do sistema por qualquer processo racional, mas também e simultaneamente a sua própria incapacidade para cumprir as funções de controle que se definem como a sua condição de existência e legitimidade».
Como a teoria da acumulação, alavanca do capitalismo, não funciona como antes, as forças mais retrógradas do sistema de poder dos EUA idearam e tentam executar um projecto de dominação e controle perpétuo do planeta, que configura ameaça à humanidade. O novo imperialismo planetário, prisioneiro de um circuito infernal produção-destruição, não pode subsistir sem as chamadas «guerras preventivas» que alimentam as caldeiras do capitalismo senil.
Sendo global a crise – económica, política, militar, social, cultural e ambiental – a resposta à estratégia neofascista que, através do controle dos recursos naturais e portanto das guerras preventivas, está a empurrar a humanidade para o abismo – terá de ser também global.
Esse o grande desafio, pois não se encontram ainda reunidas as condições imprescindíveis à mobilização dos povos para a luta organizada e permanente contra um inimigo muito mais vulnerável do que parece.
Merece reflexão o facto de durante o breve período de algumas semanas, antes da agressão ao Iraque e durante a primeira quinzena de Abril, dezenas de milhões de homens e mulheres terem saído às ruas em cidades de todos os Continentes para condenar a guerra. A indignação dos povos francês, alemão e russo, tornou possível que governos aliados do imperialismo estadunidense e seus cúmplices dele se demarcassem na ONU, movidos também por contradições de interesses económicos.
Mas, ocupado o Iraque, logo que a grande maré do protesto dos povos baixou, as fissuras abertas na frente do capital desapareceram e dirigentes como Chirac e Schroeder submeteram-se à vontade de Washington. Ambos deram o seu aval à situação criada pela agressão norte-americana. O mesmo aconteceu com Putin.
No Iraque o povo não aceita a recolonização. Quase diariamente militares do exército de ocupação são abatidos pela resistência. O alto comando norte-americano acabou por reconhecer que no país se formou uma guerrilha de tipo clássico que conta com o apoio de amplas camadas da população. No Afeganistão a luta popular contra as tropas estrangeiras também se intensificou. Para enfrentar os desafios das guerrilhas que contam agora com o apoio de quadros do antigo Partido Democrático Popular que esteve no poder durante a Revolução Afegã, Washington transferiu o comando, em Kabul, para a OTAN. Mas com excepção da capital, os invasores não controlam o país.
A crescente resistência que o plano do sistema de poder estadunidense de controle do Médio Oriente e da Ásia Central cria, portanto, condições muito favoráveis ao desenvolvimento da luta dos povos.
Entretanto, por falta de condições subjectivas, a resposta à estratégia imperialista é débil e desarticulada.
Reflectir sobre as causas do refluxo do movimento de massas e extrair dos acontecimentos lições que permitam a intensificação das lutas contra a estratégia imperialista, imprimindo-lhe caracter permanente e elevando-a a uma fase superior é, portanto, um desafio para os partidos e organizações revolucionarias.
GLOBALIZAR A LUTA
Não ha precedente histórico para um protesto comparável ao que precedeu a agressão ao Iraque. Aquilo que aconteceu confirmou o imenso potencial dos povos para transformar a vida.
E, contudo, transcorridos cinco meses, o Iraque é administrado por um procônsul dos EUA, assessorado por um conselho de governo fantoche. E os povos não saem mais às ruas em protestos maciços. O apoio à luta de iraquianos e afegãos (e palestinos) caiu para um nível muito baixo.
O contraste entre as duas situações envolve um convite ao debate sereno sobre temas que tem sido discutidos nos Fóruns Sociais.
É óbvio que os movimentos sociais tem desenvolvido um esforço magnífico cujos resultados ultrapassaram as expectativas mais optimistas. A humanidade deve-lhes muitíssimo. Partiu deles a arrancada para a luta. Mas a sua capacidade de intervenção tem limites insuperáveis se não visar objectivos estratégicos permanentes e bem definidos. Dai a necessidade da uma acção complementar, convergente e harmoniosa de movimentos e partidos.
A revolta popular por mais ampla que seja, quando não ultrapassa o quadro de uma resposta espontaneísta, perde o impulso, dilui-se e não atinge a fase que culmina com a confrontação frontal com o inimigo – no caso o poder imperial hegemónico. A disponibilidade das massas para a luta é sempre condicionada por factores subjectivos complexos, inseparáveis de situações conjunturais. O rechaço às guerra «preventivas» exemplifica essa realidade.
Pode argumentar-se, com razão, que escasseiam hoje no mundo os partidos revolucionários em condições de desempenhar adequadamente o papel insubstituível que lhes cabe nas grandes lutas do nosso tempo.
Mas é precisamente em crises como aquela que a humanidade vive que o partido revolucionário, num processo de interacção muito complexo, cresce, se transforma, assume como organizador e formador o papel que os movimentos, isoladamente, não podem desempenhar. Num processo dialéctico, o partido, contribui decisivamente para o aprofundamento da consciência de classe, mas é também, ele próprio subtilmente influenciado pelas transformações criadoras que as massas vão forjando durante a luta.
É transparente que a actual crise não nos coloca perante a possibilidade uma insurreição no estilo antigo.
Mas a repetição de protestos cíclicos, grandiosos, mas com fluxo e refluxo, não aponta o caminho a seguir.
Precisamente porque a crise do sistema, e sobretudo a do seu bastião e motor, é estrutural, abrem-se ao combate dos povos perspectivas de uma resposta global – repito – que não tem sido devidamente exploradas pelos partidos e organizações revolucionários.
Intelectuais revolucionários como Samir Amin e Istvan Mészaros prestam uma contribuição importante ao debate em curso através de diagnósticos sobre a crise do capitalismo senil. A radiografia de um sistema que não encontrando solução para os seus problemas, opta pela irracionalidade, adverte a humanidade para o enorme perigo que a ameaça.
A implosão da URSS deve funcionar como vacina contra os sonhos deterministas. O socialismo que ali se implantou não foi o imaginado por Marx e Lenine, mas o regresso do capitalismo significou uma tragédia para a humanidade.
O futuro próximo é uma incógnita.
Poucas vezes como hoje terá sido tão necessária a humildade revolucionária.
Georges Gastaud, o lúcido pensador comunista francês, lembra-nos que «os militantes da paz têm antes de mais de associar-se aos movimentos sindical e operário, às forças republicanas partidárias da soberania nacional, às forças antifascistas opostas às leis liberticidas, porque a instalação do exército americano em Bagdad, depois de Belgrado, Kabul e Samarcanda é também um retrocesso tremendo imposto aos trabalhadores que lutam em cada país, incluindo o nosso, pela democracia e o progresso social».
Apenas sugestões para um programa de luta no seu pais, a França?
Não, Gastaud, tem uma concepção global da luta. Na convergência e simultaneidade de muitas e diversificadas acções contra o imperialismo e as políticas neoliberais identifica a única estratégia eficaz, susceptível de minar as bases do seu poder, de introduzir fissuras nas suas engrenagens, de criar condições para a sua derrota final.
«Associar a luta contra a guerra – declarou numa Conferencia na cidade de Lens – às lutas em defesa dos salários da reforma, do poder aquisitivo, dos serviços públicos, à recusa conjunta do superarmamento, dos porta-aviões e demais «forças de projecção europeias».
As lutas nacionais, especialmente mobilizadoras, não devem, porem, ser dissociadas das acções internacionais. Caminhar para uma estratégia globalizada das acções de massas deve ser um objectivo permanente. Em primeiro lugar da classe operária.
A esta – e aos partidos revolucionários a ela ligados – cabe em cada país a tarefa de criar uma atmosfera de luta que mobilize as massas de modo permanente – insisto sempre na palavra – para o combate, em múltiplas frentes, contra a ameaça mortal que a estratégia do sistema de poder fascizante passou a representar para a humanidade. No esforço tendente a evitar o refluxo das mobilizações populares, é importantíssimo desenvolver um trabalho de esclarecimento com características inéditas. O mundo não está em vésperas de uma revolução planetária. Mas a irracionalidade fascizante do imperialismo estadunidense pode levar ao holocausto, à extinção da humanidade. Daí a necessidade de explicar ao cidadão comum, a todas as pessoas que a invasão e recolonização do Iraque é, no projecto imperial estadunidense, «somente um degrau – como diz Gastaud – na guerra de classe ilimitada contra as nações soberanas, contra a paz mundial, contra as avançadas do mundo do trabalho».
Paradoxalmente, a mobilização contra a escalada da dominação imperialista é, entretanto pluriclassista, o que lhe confere um caracter praticamente inédito. Transcende as fronteiras da classe mais combativa, porque a ameaça se tornou planetária.
Quando a evolução do capitalismo, nas vésperas do primeiro conflito mundial, empurrava a humanidade para uma guerra imperialista, Rosa Luxemburgo advertiu que a alternativa colocada aos povos se condensava na opção entre Socialismo e Barbárie. Como evitar a tragédia iminente? «Quando a maioria do povo chega ao convencimento – essa a sua resposta – de que as guerras são um fenómeno bárbaro, profundamente imoral, reaccionário e contrário ao povo, então as guerras tornam-se impossíveis».
Os povos, como sabemos, não lutaram para evitar a Primeira Guerra. Nem a Segunda.
Transcorreram quase noventa anos. O panorama agravou-se. Mészaros retomou a advertência de Rosa num contexto dramático. Não estamos em condições de esboçar sequer o perfil de um Socialismo futuro, mas conhecemos já o prólogo de uma Barbárie, que pode, aliás, levar ao fim da aventura humana.
Mas, pela primeira vez, os povos, este ano, em movimento mundial condenaram a guerra, uma guerra imperialista inseparável de um projecto de dominação mundial. O protesto não foi suficiente para a conter, mas apontou um caminho. Se aquilo que foi espontâneo e teve duração breve se transformar em desafio e combate organizado, permanente, a guerra será cada vez mais difícil e fecha-se a porta à barbárie.
Rosa inseria a política, a vida, a teoria e a prática da revolução numa totalidade, aplicando com lucidez e rigor o método de Marx.
É esse conceito da totalidade, a convicção de que a fidelidade intransigente ao objectivo final deve primar sobre a circunstância, sobre tudo o que é transitório – é essa atitude perante a história que hoje impressiona, porque ajuda a compreender e a lutar.
O lema do Fórum Social Mundial tem corrido pela Terra, repetido milhões de vezes. Mas não basta proclamar que «Outro mundo é possível». Quando se avança na procura do caminho, a maioria perde-se num labirinto de veredas secundárias. O objectivo é esquecido.
E porquê?
Porque ele exige uma disponibilidade total, constante, para uma batalha de duração imprevisível, contra um adversário formidável que, sem o ser, parece invencível.
O sujeito dessa batalha, inevitável, são os povos. Mas porque ela é total, abrangente, planetária, pluriclassista, porque na realidade coloca exigências próprias de uma guerra, os movimentos que a fortalecem e desafiam o imperialismo, mas actuam como as mares, em fluxo e refluxo, não podem prescindir da cooperação com as vanguardas, na tarefa estratégica de imprimir ao confronto com o imperialismo a organização que é fonte da consciência social.
É um facto que os revolucionários, mesmo nas fases de grandes rupturas históricas, são sempre uma minoria. É também uma evidência que o Socialismo, como alternativa à Barbárie, não tem nem rosto nem data no calendário. O fim do capitalismo, a derrota do imperialismo não se esboça no horizonte.
Mas os revolucionários, para o serem autenticamente, para justificarem essa opção, não lutam para assistirem à vitoria das revoluções que transformam o mundo. Batem-se, pela palavra e pela acção para que elas sejam possíveis, mesmo para além das suas existências transitórias.
Comunicação apresentada em Santiago do Chile, no seminário «Allende Vive», em 10 de Setembro de 2003.
Santiago, 16 de setembro de 2003
[Artigo tirado do sitio web alternativo 'resistir.info',
12 de setembro de 2003]
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