Fados do Tempo da Outra Senhora (32)
Na Índia o homem toca para encantar a serpente. Cá o amola tesouras tocava para encantar os clientes. Outros ainda havia que encantavam tamborilando o martelo na bigorna que, aquando dos consertos, espetavam entre as pedras da calçada. E eu ficava por ali vidrado na habilidade manual daqueles homens de avental de couro que ganhavam a sopa andarilhando a profissão. Há dias ouvi o toque corrido da gaita do amola tesouras. Raros devem resistir. O consumismo descartável empurrou para o museu da arqueologia o gatar da racha do alguidar, o amolar do fio da tesoura ou da faca e o conserto do guarda-chuva. Era muito mais do que um serviço de proximidade. Era o verdadeiro serviço sazonal do porta-a-porta. Passava de tempos a tempos, dando prazo ao fio da tesoura ficar rombo de tanto tesourar. Geralmente artífices espanhóis, galegos, dizia-se. Asturianos, digo eu, por as Astúrias serem a terra de tudo o que tenha corte afiado. Possivelmente homens refugiados da guerra civil.
Publicado por machede em fevereiro 17, 2004 03:56 PM
Comentários
Gostei desta prosa. De vez em quando a nostalgia apodera-se de nós. Esta do amolador e do seu assobio inconfundível, trouxe-me também à memória as gentes que o tempo levou e que não voltam mais; a leiteira e as suas bilhas de folha, o padeiro na sua bicicletas com os característicos cestos de pão, o “petrolinho” na sua carroça e respectivo macho que vendia muito mais que o simples petróleo ou mesmo o policia gordo no seu andamento vagaroso fazendo o seu giro diário.
Afixado por: vmar em fevereiro 17, 2004 10:34 PM
retirado do blog Alentejanando
Amolador
As peças em exposição foram pertences do Sr. Garcia, conhecido como “Espanhol” e doadas por este ao Museu da Lourinhã. O Sr. Garcia, galego e natural da zona de Orense, veio para Portugal fugido da Guerra Civil Espanhola, assim como muitos dos seus conterrâneos, procurando melhor vida. Estes exerciam, na generalidade, dois tipos de profissão: Amoladores, na qual eram mestres, arranjando chapéus de chuva, amolando facas e tesouras, actividade que lhes deu o nome, colocando “gatos” (espécie de agrafos) em loiça partida, etc.; e Taberneiros, comprando carvoarias, transformando-as mais tarde em tabernas e depois em restaurantes.
O Sr. Garcia foi disso um exemplo típico. Fixou-se na Lourinhã em 1955 executando sempre a actividade de amolador e adquirindo mais tarde uma taberna, na antiga praça antiga, que era conhecida como “Taberna do Espanhol”.
Da exposição sobressai a roda do amolador, roda essa que o Sr. Garcia doou para o Museu e vinha amolar facas e tesouras na presença dos visitantes (....)
fotografia de Américo Ribeiro - Museu do Trabalho - Setúbal
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