A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, maio 09, 2007


Fados do Tempo da Outra Senhora (37)
Quitandeira


* Agostinho Neto


A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra ~
da mulemba.

- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!

A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.

A quitandeira
que vende fruta vende-se.

- Minha senhora laranja,
laranjinha boa!

Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.

Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava ´
eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.

Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo com os próprios problemas da existência.


Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.

Tudo tenho dado.

Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.

Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.

Talvez vendendo-me
eu me possua.

- Compra laranjas!


Canção para Luanda


* Luandino Vieira

(Angola)


A pergunta no ar
No mar
Na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xê
mana Rosa peixeira
responde?

- Mano
Não pode responder
Tem de vender
Correr a cidade
se quer comer!

«Ola almoço, ola amoçoeé
Matona calapau
Jiferrera jiferreresé»

- E você
Mana Maria quitandeira
Vendendo maboque
Os seios-maboque
Gritando
Saltando
Os pés pescorrendo
Caminhos vermelhos
De todos os dias?
«Maboque m’boquinha boa
Dóce docinha»

- Mano
Não pode responder
O tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
O corpo vendido
Baton nos lábios
Os brincos de lata
Sorri
Abrindo o seu corpo

- seu corpo-cubata!

Seu corpo vendido
Viajado
De noite e de dia.

- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
O corpo-cubata
Os brincos de lata
Vai-se deitar
Com quem lhe pagar
- precisa comer!

-Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
O barro vermelho
As nossas cantigas
Tractor derrubou?

Meninos nas ruas
Caçambulas
Quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
- Manos
Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Você também
Zefa mulata
dos brincos de lata

- Luanda onde está?

Sorrindo
As quindas no chão
Laranjas e peixe
Maboque docinho
A esperança nos olhos
A certeza nas mãos
Mana Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Zefa mulata
- Os panos pintados
Garridos
Caídos
Mostraram o coração:

- Luanda está aqui!


Luandino Vieira, in “Cultura II, 1957, n.º 1



* Viriato da Cruz

(Angola)

MAKEZÚ


- "Kuakiè!!!... Makèzú, Makèzú..."

...................................................


O pregão da avó Ximinha
É mesmo como os seus panos,
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.

Avó Xima está velhinha,
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao reumâtico
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia...

Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão p'a Baixa.

Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das "venidas de alcatrão"
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.

- "Kuakiè... Makèzú... Makèzú..."
- "Antão, véia, hoje nada?"
- "Nada, mano Filisberto...
Hoje os tempo tá mudado..."

- "Mas tá passá gente perto...
Como é aqui tás fazendo isso?"

- "Não sabe?! Todo esse povo
Pegó um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão...

E diz ainda pru cima
(Hum... mbundo kène muxima...)
Qui o nosso bom makèzú
É pra veios como tu".

- "Eles não sabe o que diz...
Pru qué qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu?"

- "É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!..."

(Poemas, 1961)
* António Cardoso
Oferta

Sou a quitandeira mais doce
que todos os doces de coco,
minha boca é tão docinha
como a fruta da minha quinda.
Tenho os seios para dar
duas laranjas do loje,
tenho nos olhos pitangas
tão boas de namorar

Tenho o Sol na barriga
e doçura da manga nos braços,
quem quer a minha vida
pra adoçar os seus cansaços?

(No reino de Caliban II - antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa)
Quadro - Quitandeiras - Lívio Morais

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