Viagens (1)
Caldas da Rainha era para mim uma cidade onde a burguesia e a minha madrinha Cristina Santos iam veranear e como tal supunha que os seus edifícios teriam alguma monumentalidade e qualidade arquitectónica. Pura ilusão. A cidade é pequena e a parte antiga é triste, feia, incaracterística. No entanto persistem casas interessantes, algumas delas estilo arte nova. A parte nova, essa é igual à de outras cidades. O que me surpreendeu foi a existência de muitas "rotundas", maiores ou menores, com estátuas ou esculturas modernistas, ([1]) e alguns viadutos. Aliás Caldas é uma terra de ceramistas. Como não podia deixar de ser também tem os seus bairros pobres, como o das Morenas. Pelas ruas ainda se vêm carroças puxadas por um pachorrento e por vezes lazarento jerico ou mula.
Edifício característico é o dos Pavilhões do Parque, com ar nórdico, erguendo-se aos céus, agora muito degradados, que inicialmente estariam agregados ao Hospital Termal fundado no século XV pela Rainha D. Leonor, que tem uma estátua insípida junta ao Parque. ([2]) Neste o Museu José Malhoa, contendo essencialmente pintura e escultura "naturalistas", como a do próprio José Malhoa, para além de Tomás da Anunciação, Silva Porto, Columbano e Henrique Pousão, e cerâmica de Bordallo Pinheiro. Numa sala central encontram-se estátuas características do Estado Novo, enaltecedoras de reis e descobridores.
O Parque D. Carlos, que remonta ao século XIX, frondoso e fresco, onde agrada deambular, com um lago central, possui uma esplanada com péssimo serviço, como aliás muitas vezes sucede em casos similares, e estátuas espalhadas pelo relvado. Visitável o Museu da Cerâmica, como a tal do Zé Povinho e do manguito, figura popular tal como a Maria Paciência, que vi no Museu de Rafael Bordalo Pinheiro em Lisboa. No Museu José Malhoa existe também uma secção de cerâmica, com objectos da Real Fábrica do Rato e outros locais, como os dos Bordallos, Maria dos Cacos ou Manuel Mafra, a destes menos exuberante e multicolor e mais bisonha que a dos primeiros. No Museu da Cerâmica existe um atelier com azulejos e olaria executados pelas crianças das escolas da região, num projecto integrado.
Para além da olaria e cerâmica vidrada tradicionais, satírica ou naturalista, embora renovada, a estatuária. Para além das bienais de arte e da presença escultórica em tudo quanto é largo ou praceta, dois museus-atelier recolhem a obra de dois escultores locais: António Duarte ([3]) e José Fragoso.
De referir a doçaria tradicional: beijinhos, cavacas, trouxas de ovos e lampreias.
Achei interessante mas não entusiasmante a torre sineira manuelina, quadrangular, da Igreja do Pópulo, com um relógio em cada uma das faces e um telhadinho de duas águas por cima de cada um dos lados da torre. Este templo era a antiga capela do Hospital e nas traseiras deste encontra‑se uma frondosa mata e o antigo Paço Real. De referir a Praça da República ([4]). Trata-se duma praça sobre o comprido, como a do Giraldo em Évora, constituída por edifícios de dois ou três pisos, com varandas de sacada no primeiro andar, onde todas as manhãs se realiza o mercado de frutas e legumes, de que me lembrava apenas da Pastelaria Bocage.
A cidade possui um chafariz célebre, o das Cinco Bicas, na rua Diário de Notícias, embora lhe prefira o da Estrada da Foz, sendo ambos do século XVIII.
(Notas de Viagem, 1997/1998)
Pela Serra do Bouro
(Notas de Viagem, 1997/1998)
Pela Serra do Bouro
Da Foz do Arelho, nas terras da Rainha, a S. Martinho do Porto, nas terras do Mosteiro de que foi granja, podemos seguir pelo cume da Serra do Bouro, cuja altitude é de apenas 162 m, sobranceiro ao mar, primeiro caracterizada por ser ventosa, com vegetação rasteira, inóspita, que vai dando lugar a arvoredo à medida que nos aproximamos de S. Martinho. Não obstante o deserto, na encosta norte até ao vale existem alguns casais, como o de Celão e o das Cidades, de ruas ingremes, estreitas e casas arruinadas. Alguns moinhos estão reconvertidos em residências. No Cabeço da Vela, à berma da estrada, uma enorme eira, reconstruida recentemente.
Numa povoação que um velho mal humorado me diz ser a da Serra do Bouro, registo nomes de ruas como a das Hortas, da Prata, do Loureiro, do Centro Social, do Chafariz e dos Quintais. Em Casal Celão reparo na rua dos Ribeiros. (Notas de Viagem, 1998.02.09 e 24)
Vagueando de noite pela serrra, deparamos com o que resta da estação do caminho de ferro, perdida num ermo, um barracão de madeira longe da povoação. Da estação resta apenas este fantasmagórico armazém, e no chão a marcação do edifício demolido e rosiras do jardim que outroras alindavam o local. Nesta existe uma pequena igreja branca, adjacente ao cemitério e a um coreto de betão armado, com coberto. (Notas de Viagem, 1998.02.24)
S. Martinho do Porto
Chove desalmadamente na noite em que vamos a S. Martinho do Porto, em baia conchiforme que figura num azulejo à entrada da povoação, em curva apertada onde não se pode parar o carro, pelo que sigo caminho. A chuva não convida a passeios pedestres e da povoação retenho as ruas molhadas, a iluminação, as casas ao longo da baia e outras pela encosta acima.
De dia noto que os cabeços das colinas em volta estão cobertos de moinhos, muitos com ar de abandono. (Notas de Viagem, 1997.10.26)
Por acaso, doutra feita, sigo por uma rua acima e tenho uma surpresa agradável, pois vou ter ao centro antigo da povoação, que afinal não se resume à estrada marginal. Esta parte tem algumas parecenças com Aljubarrota, na brancura das casas e na estreiteza das ruas; num largo que pouco mais é que o alargamento duma rua encontra-se a incaracterística Igreja Paroquial de S. Martinho. Insólitamente, no altar mor, um enorme quadro representa S. Martinho ... e o seu cavalo branco! Nunca tal vira, a imagem dum animal no altar‑mor! Mais adiante, em direcção à baia, um fontenário amarelo, mandado construir no século XIX com o legado de José Bento da Silva, personagem que reaparece mais adiante, num aprazível largo sobranceiro ao mar.
O que há de notável nesta povoação, procurada pela burguesia para banhos, é o mostruário de variados estilos arquitectónicos, de várias épocas, que se encontram ao percorrer as suas ruas.
Prosseguindo a subida. em busca do pôr-do-sol, subimos ao Monte do Facho, algo inóspito, donde se avista a entrada da barra e, mais adiante, S. Martinho e Salir do Porto. (Notas de Viagem, 1998.02.09 e 24)
Salir do Porto
Foi esta povação porto de mar e estaleiro naval, até que o assoreamento da barra trasnferiu esta função para S. Martinho, povoação fronteira, que sofreu o mesmo destino sem que pudesse transferir aquelas funções. O mar já não vai terra adentro, até Alfeizerão e à Cela, e a concha de S.Martinho é alimentada por um modesto riacho que passa por entre as dunas de areia.
A povoação, que foi outrora importante e pertencia às terras da Rainha, hoje é mais modesta e à noite uma e outra refletem as suas luzes no negrume da escuridão. Um parque de campismo por entre as dunas, que me parece não ter condições, não constitui concorrência ao cosmopolitismo da povoação que lhe fica defronte.
Pelas ruas ingremes ascende-se a um pequeno largo ajardinado em escadaria, no topo do qual se situa uma bica. Mais para cima sobressai a brancura da Igreja, no topo duma pequena escadaria. (Notas de Viagem, 1998.02.09)
[1] - Esculturas provenientes das bienais aqui realizadas, promovidas pela Câmara local.
[2] - O Hospital construído à custa de rendas e jóias da Rainha, que por esse facto não consta tenha ficado na miséria. Imagine‑se a riqueza de reis e rainhas! A traça actual deve‑se a Manuel da Maia, um dos arquitectos reconstrutores de Lisboa.
[3] - Foi este escultor que fez a máscara mortuária e o molde em gesso da sua mão direita de António Salazar, sem que posteriormente alguém se tivesse interessado por isso ou pago o trabalho.
[4] - Largo, Praça ou Rua da República, 5 de Outubro e Miguel Bombarda encontram-se um pouco por todo o Portugal! Tal como o Marquês de Pombal.
[2] - O Hospital construído à custa de rendas e jóias da Rainha, que por esse facto não consta tenha ficado na miséria. Imagine‑se a riqueza de reis e rainhas! A traça actual deve‑se a Manuel da Maia, um dos arquitectos reconstrutores de Lisboa.
[3] - Foi este escultor que fez a máscara mortuária e o molde em gesso da sua mão direita de António Salazar, sem que posteriormente alguém se tivesse interessado por isso ou pago o trabalho.
[4] - Largo, Praça ou Rua da República, 5 de Outubro e Miguel Bombarda encontram-se um pouco por todo o Portugal! Tal como o Marquês de Pombal.
Na foto - Praça da Fruta e antigo edifício da Câmara, já sem sino
.
.
.
.
1 comentário:
Chego aqui a esta hora e obviamente que uma leitura pormenorizada vai ter que ficar para amanhã.
Devo dizer-te que a foto da praça da fruta que eu publiquei no meu post é anterior a esta, já que na minha ainda não se vê a "aberração" do edifício cor de rosa, enorme, cuja construção deveria ter sido proibida.
Mais um bocadinho de foto e via-se a casa onde eu nasci... hehehe.
Volto logo, porque quero ir ainda ao teu último post.
Enviar um comentário