A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, abril 12, 2007


Poesia sobre os ciganos

ROMANCE DO CIGANO QUE VIU CHEGAR O ALFERES


* Cecilia Meireles

Não vale muito, o rosilho:
mas o homem que vem montado,
embora venha sorrindo,
traz sinal de desgraçado.
Parece vir perseguido,
sem que se seja soldado;
deixou marcas no caminho
como de homem algemado.
Fala e pensa como um vivo,
mas deve estar condenado.
Tem qualquer coisa no juízo,
mas sem ser um desvairado.

A estrela do seu destino
leva o desenho estropiado:
metade com grande brilho
a outra, de brilho nublado;
quanto mais fica um, sobrio,
mais se ilumina o outro lado.


Cante Cigano
(
Janita Salomé)
by N/A

Bendita la mare
que tiene que dá como diñaba
Rosita y mosquetas
por la madrugá

En na praito berde
tendi mi pañuelo
como salieron mare tres Rosita
como tres luseros

Espanha/Popular


Aos Poetas

* Miguel Torga

Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam~
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós,
Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,mas sim do mosto que a beleza traz!

E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!


Chamaram-me cigano

* (letra e música de Zeca Afonso)

Chamaram-me um dia
Cigano e maltês.
Menino, não és boa rês!
Abri uma cova
Na terra mais funda,
Fiz dela a minha sepultura.
Entrei numa gruta,
Matei um tritão,
Mas tive o diabo na mão.

Havia um comboio
Já pronto a largar,
E vi o diabo a tentar.
Pedi-lhe um cruzado,
Fiquei logo ali,
Num leito de penas dormi.
Puseram-me a ferros,
Soltaram o cão,
Mas tive o diabo na mão.

Voltei de charola,de cilha e arnês,
Amigo, vem cá outra vez!
Subi uma escada,
Ganhei dinheirama,
Senhor D. Fulano Marquês!
Perdi na roleta,
Ganhei ao gamão,
Mas tive o diabo na mão.

Ao dar uma volta
Caí do lancil
E veio o diabo a ganir.
Nadavam piranhas
Na lagoa escura,
Tamanhas que nunca tal vi!
Limpei a viseira,
Peguei no arpão,
Mas tive o diabo na mão.


Ciganos

* Miguel Torga

Tudo o que voa é ave.
Desta janela aberta
A pena que se eleva é mais suave
E a folha que plana é mais liberta.

Nos seus braços azuis o céu aquece
Todo o alado movimento.
É no chão que arrefece
O que não pode andar no firmamento.

Outro levante, pois, ciganos!
Outra tenda sem pátria mais além!
Desumanos
São os sonhos, também...


PORTO DA SAUDADE

* Alceu Valença
(refrão do povo nordestino)

Faz tanto tempo, tempo é rua Soledade
Leia saudade quando escrevo solidão
Quis o destino tortuoso dos ciganos
E as aventuras dos pneus de um caminhão
Que atravessava o riacho de salobro
Deixando marcas desenhadas pelo chão
O vento vinha e varria a minha volta
A ventania e o tempo não têm compaixão

Oh mana deixa eu ir
Oh mana eu vou só
Oh mana deixa eu ir
Pro sertão de Caicó

Faz tanto tempo, tempo é porto da saudade
Praias do Rio de Janeiro no verão
Quero o destino das águas dos oceanos
Me evaporando preu chover no riachão
Mergulharia no riacho de salobro
Levando a culpa como se eu fosse cristão
O vento vinha e varria à minha volta
A ventania e o tempo não têm compaixão


PUNHAL DE PRATA

* Alceu Valença

Eu sempre andei descalço
No encalço dessa menina
E a sola dos meus passos
Tem a pele muito fina
Eu sempre olhei os olhos
Bem no fundo
Na retina
E a menina dos olhos
Me mata
Me alucina

Eu sempre andei sozinho
A mão esquerda vazia
A mão direita fechada
Sem medo
Por garantia
De encontrar quem me ama
Nara que me odeia
Com esse punhal de prata
Brilhando na lua cheia

Eu sendo mouro sou um cigano
Eu rasgo o oceano
Eu quebro esse mar
Morena, vem...


La guitarra

* (Poema de la siguiriya gitana in: Poema del cante jondo)

Empieza el llanto
de la guitarra.
Se rompen las copas
de la madrugada.
Empieza el llanto
de la guitarra.
Es inútil callarla.
Es imposible
callarla.
Llora monótona
como llora el agua,
como llora el viento
sobre la nevada.
Es imposible
callarla.
Llora por cosas
lejanas.
Arena del Sur caliente
que pide camelias blancas.
Llora flecha sin blanco,
la tarde sin mañana,
y el primer pájaro muerto
sobre la rama.
Oh, guitarra!
Corazón malherido
por cinco espadas


É talvez um excesso de tristezas...

***

Quando acampam de noite, é no relento,
Que vão sonhar seu Sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do Firmamento,
Lar? o lar do cigano é o mundo inteiro.

Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dalmatas,
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Alados no langor das serenatas.

Gemem guzlas e vibram castanholas,
E este rumor de errantes cavatinas
Lembra coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.

E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas.
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.

Lá vem os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas,
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Povo sem Fé, sem Deus e sem Bandeira!
Todos o temem como horrível gente,
Mas ele na existência aventureira,
Ri-se do medo alheio, indiferente.

E, livres como o Vento e a Luz volante,
Sob a aparência de Infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna Liberdade.

Poema integrante da série Poemas Inéditos.
In: LEONI, Raul de. Trechos escolhidos. Org. Luiz Santa Cruz. Rio de Janeiro: Agir, 1961. (Nossos clássicos, 58).



O AMOR


* Sophia de Mello Breyner



Não há para mim outro amor nem tardes limpas

A minha própria vida a desertei

Só existe o teu rosto geometria

Clara que sem descanso esculpirei.

E noite onde sem fim me afundarei.


in O Cristo Cigano, 1961






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