Terça-feira Abril 17th 2007
* João Aguiar
Lições de Abril
Para terminar, gostava de enumerar alguns dos que me parecem ser os ensinamentos mais relevantes da Revolução de Abril. Portanto, do seu imenso legado histórico e que mantém um inegável valor na actualidade torna-se pertinente destacar as seguintes lições:
1) O povo é o sujeito da História. Por outras palavras, é a classe trabalhadora e seus aliados que estão na origem de todas as transformações sociais e políticas progressistas e revolucionárias da época contemporânea. Ao contrário das teses burguesas que propagam a ideia que a História move-se apenas por intermédio da acção de grandes figuras históricas, a Revolução do 25 de Abril evidencia a capacidade própria que as massas trabalhadoras possuem para desenvolver lutas e intervenções no sentido de satisfazerem os seus interesses e necessidades. Em suma, os trabalhadores e o povo são o elemento decisivo por excelência na inscrição de dinâmicas de progresso social e humano nas sociedades. Os comunistas têm (e devem ter) sempre presente esta noção de que o povo quando liberto da opressão e/ou do enquadramento ideológico das classes dominantes consegue sempre alcançar grandes feitos. Gostaria ainda de frisar a autêntica epopeia da gente anónima, simples e digna que vive todos os dias fazendo das tripas coração. Esta epopeia é ainda mais elucidativa se atendermos ao facto de que se realizou num pequeno país, num país com pouca relevância política e económica na cena internacional. Se algumas das grandes revoluções contemporâneas ocorreram em países importantíssimos no xadrez mundial (França em 1789, Rússia em 1917, China em 1949), não podemos ignorar o papel autónomo que os povos dos ditos pequenos países tiveram nos últimos 100 anos. Apesar das suas diferenças, Cuba, Vietname e Portugal, só para citar alguns casos, são a prova de que não há povos maiores e povos menores e que a luta pela sua libertação é uma possibilidade histórica real. Termino este ponto, dizendo apenas que tendo sempre consciência que o povo é o sujeito da História é inevitável que depositemos confiança nas massas.
2) A importância de uma organização política de vanguarda. Se o povo assume-se nas situações revolucionárias como o sujeito colectivo da transformação social, tal não acontece sem a existência de uma organização política de vanguarda. No caso da Revolução de Abril, o PCP foi o partido que mais contribuiu para o aprofundamento do processo revolucionário e democrático, como também na correcta orientação das massas, lendo adequadamente o balanço de forças objectivas e de forças subjectivas em cada momento da conjuntura revolucionária. Sem nunca ter caído na conciliação de classes e sem ter embarcado em aventuras esquerdistas que em nada tomavam em atenção o contexto real e concreto existente, o PCP permitiu que a dialéctica entre espontaneidade e organização fosse conseguida. Pelo menos nos campos do Sul (zona da Reforma Agrária) e na cintura industrial de Lisboa. De facto, o PCP, em conjunto com os governos provisórios de Vasco Gonçalves e os sectores mais consequentes do MFA, foi a força política dirigente dos trabalhadores mais esclarecidos e avançados. Desse modo, conseguiu-se evitar que o turbilhão popular espontâneo surgido nos primeiros dias após a revolução se desarticulasse e fosse mais facilmente manietado pelas forças políticas conciliadoras. Não foi possível o triunfo completo do projecto emancipador de Abril. Contudo, isso não nos deve levar a deitar fora um princípio fundamental em cada período histórico, mais ainda numa situação revolucionária: a existência de um Partido marxista-leninista, de uma força revolucionária empenhada na transformação da sociedade e portadora dos interesses mais autênticos e avançados das massas populares. Parafraseando – e modificando – a célebre máxima de Lenine (“sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário”), podemos afirmar que sem Partido revolucionário não há movimento revolucionário. Pela sua ideologia, pelo recrutamento dos melhores filhos do povo, pelo espírito de militância e de dedicação à causa do socialismo, pelos ideais de fraternidade e solidariedade que enformam a relação entre os seus membros, pela sua actividade junto e com as massas, pela defesa da soberania nacional, pela solidariedade com qualquer povo ou trabalhador oprimido ou explorado em qualquer parte do mundo, a existência de uma organização política de vanguarda é um pré-requisito imprescindível em qualquer processo de transformação social. O 25 de Abril e o PCP são os exemplos vivos deste ensinamento.
3) O poder de Estado, a revolução e o seu aprofundamento. Anteriormente falei que não foi possível uma vitória completa do projecto de Abril. Boa parte das razões encontra-se na acção concertada de PS, PSD e CDS, militares reaccionários, sectores obscurantistas da igreja, etc. contra Abril. Porém, um condicionalismo da maior relevância tem que ver com o poder de Estado. Isto é, sem o controlo do poder de Estado pelas forças políticas mais consequentes na defesa dos interesses do povo, o processo revolucionário corre sempre um risco elevado de reversão e de ser derrotado. Houve a participação de comunistas e de outros democratas nos governos provisórios a seguir à Revolução. Contudo, o controlo garantido, estável e duradouro da máquina de Estado nunca foi uma realidade concretizada.
Um dos factos mais curiosos da Revolução prende-se com a profundidade das conquistas atingidas. Vistas pelo prisma de que o poder político nunca esteve nas mãos das organizações políticas da classe trabalhadora portuguesa, o grau de aquisições e direitos efectivos foi colossal. Mas sem o poder de Estado nas suas mãos, o povo não tinha a alavanca fundamental que lhe permitiria avançar o processo revolucionário e em simultâneo protegesse a sua acção política das investidas da reacção. O camarada Álvaro Cunhal foi muito explícito neste âmbito quando afirma em “A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro” que «As forças revolucionárias tiveram capacidade para realizar profundas transformações democráticas no Estado. Mas não tiveram capacidade para construir um Estado democrático, garantia de capital importância para salvaguarda da Revolução».
Desta linha marxista de pensamento conclui que tal facto «é uma falha da Revolução portuguesa de extrema gravidade» (Cunhal, 1976, p.59). Daqui deriva a questão da natureza de classe do Estado, ou seja, quem o controla e a quem ele serve, que forças políticas estão à sua frente e que políticas impulsionam. Já dizia Lenine que «a questão mais importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder de Estado. Nas mãos de que classe está o poder, isto é que decide tudo» (Lenine, 1978, p.201), e este foi um princípio que o Partido seguiu sempre. Não é por acaso que o escrito mais marcante do camarada Álvaro Cunhal sobre o Estado se intitule precisamente “A questão do Estado, questão central de cada revolução”. Assim, este é mais um ensinamento que não podemos descartar nos dias de hoje.
4) O papel de vanguarda da luta operária no processo revolucionário. A Revolução de Abril demonstrou vivamente o lugar destacado da classe operária no avanço da dinâmica revolucionária. As nacionalizações, as experiências de controlo operário em algumas empresas ou, o que é provavelmente o maior feito da Revolução, as ocupações de terras no Alentejo e sul do Ribatejo que se expressaram na Reforma Agrária constituem exemplos vivos da força e combatividade do operariado industrial e agrícola – com o seu Partido de classe – na condução da luta popular.A gestão colectiva dos trabalhadores é um elemento que esteve sempre presente na mente e nos corações dos trabalhadores mais conscientes e combativos e foi uma realidade viva em várias UCP’s e cooperativas durante o período da Reforma Agrária. O maior feito que um povo pode alcançar é exactamente tomar colectivamente a sua vida pelas suas próprias mãos, fazer com que o controlo da produção económica, da vida política e da criação cultural sejam um dado adquirido pelos trabalhadores. Como já dizia a canção: “façamos nós por nossas mãos tudo a que nós diz respeito”. Isto foi real em certas zonas do país, sobretudo por parte do proletariado alentejano que como nenhum outro expressa toda a história da luta operária em Portugal. Como nenhum outro sofreu a repressão do fascismo, como nenhum outro combateu com o seu sangue a ditadura, como nenhum outro construiu a revolução com os seus braços e o seu engenho e mais tarde, como nenhum outro, viu todo o seu riquíssimo novo modo de viver social e económico ter-lhe sido arrancado, com o recurso às balas, pelos governos PS e PSD e pelos ex-latifundiários. Tudo isto para, no fundo, demonstrar com um caso concreto o papel de vanguarda da classe trabalhadora na luta popular pela democracia e pela liberdade, mas também para relembrar um aspecto que me parece essencial. A burguesia nunca dá nada de borla aos trabalhadores. Os direitos não são dádivas de caridade ou prendas por bom comportamento das classes populares, mas são conquistas provenientes da luta de massas, da organização colectiva dos trabalhadores e do povo em estreita ligação e interacção com as suas organizações de classe e políticas de vanguarda. Em Portugal a CGTP e o PCP com especial importância.
5) Necessidade de uma perspectiva histórica de longo alcance. O que vivemos em cada momento do desenvolvimento de uma sociedade não é um ponto isolado no tempo e no espaço. Em termos muito óbvios, existe sempre um passado, um presente e um futuro. O presente é muito do que o passado fez dele, e o presente contém em si um novelo de contradições e tendências emaranhadas, à primeira vista caóticas e desordenadas, mas que apelam sempre para o futuro. Uma perspectiva histórica de longo alcance implica obrigatoriamente que sejamos capazes de observar os espaços de tempo mais curtos, onde nas esquinas da História se decidem as conjunturas e os acontecimentos políticos.
Consequentemente, uma perspectiva histórica de longo alcance é essencial não só para enquadrar a nossa acção política diária, mas também nos dá uma visão mais global dos processos de evolução da sociedade em que vivemos. Permite-nos aprender com as vitórias e os dissabores do passado, com os erros e as conquistas, com as experiências passadas. Isto por um lado. Por outro lado, ou seja, do lado da visão do futuro (que não é sinónimo de futurismo) permite-nos perceber que como dizia o poema de Brecht “as coisas não continuarão a ser como são. Depois de falarem os dominantes falarão os dominados (…) os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã”. Por muito sombrio que um cenário histórico possa parecer, ele só o é à primeira vista. Armados com uma postura racional e não desesperada, munidos com a ciência da compreensão e transformação das sociedades – o materialismo histórico – e abraçando uma perspectiva histórica, percebemos que a História não acaba (nem nunca acabará) e que mais tarde ou mais cedo, se persistirmos com a nossa luta diária, o povo e os trabalhadores tomarão o seu destino em suas mãos.
Portanto, os comunistas não são guiados na sua luta por uma esperança vã mas por uma esperança e por uma confiança na luta firmemente alicerçada no real movimento da História.
Vamos à luta para cumprir Abril!
25 de Abril sempre!
Fascismo nunca mais!
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