ABEL SALAZAR
Médico, cientista, escritor, artista plástico, um ser plural: 1889-1946
| QUANDO TUDO ACONTECEU... 1889 – No dia 19 de Julho, nasce num quarto de Hotel, em Guimarães. 1903 – Vai para o Porto fazer os estudos secundários no Liceu Central do Porto, onde em 1906 funda, com outro colega, o jornal escolar republicano «Arquivo». 1907 – Ingressa na Academia Politécnica do Porto. 1909 – Ingressa na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Contrariado. 1915 – Conclui o Curso de Medicina, apresentando a Tese «Ensaio de Psicologia Filosófica». Participa na Exposição dos Humoristas e Modernistas, nos jardins de Passos Manuel. 1916 – Concorre a uma vaga de Histologia na Faculdade de Medicina do Porto. 1917 – Em 14 de Maio, é nomeado professor extraordinário, por distinção, de Histologia e Embriologia e em 9 de Julho é nomeado professor ordinário. 1919 – Funda e dirige o Instituto de Histologia e Embriologia. 1922 – Expõe na Misericórdia do Porto e na Sociedade Nacional das Belas Artes. 1926 – Sucumbe a um esgotamento, provocado por excesso de trabalho e razões familiares. 1932 – Inicia uma activa campanha de educação da mocidade sob a égide de várias associações estudantis republicanas e anti-salazaristas. 1933 – Ingressa na Loja Maçónica Lux et Vita, do Grande Oriente Lusitano Unido, no Porto. Parte em 7 de Março para um exílio voluntário em Paris. 1934 – Regressa ao Porto e publica um ensaio sobre Henrique Pousão e «Digressão em Portugal». 1935 – Em Maio, é demitido compulsivamente da Universidade. Emprega-se como cartazista na Tipografia Lusitana, em Gaia. É-lhe recusada a saída do país, com uma bolsa do British Council e fica proibido de frequentar a Biblioteca da Faculdade. Instala na sua própria casa, um Laboratório. Passa a dedicar mais tempo à sua actividade artística e cultural. 1938 – Envolve-se em duas violentas polémicas com Casais Monteiro e António Sérgio. Publica «Paris em 1934». Efectua uma Exposição Individual em Lisboa e no Porto. Desenvolve uma interessante concepção científico-filosófica do mundo, com o relativismo e o agnosticismo como base. 1940 – Publica «O que é a Arte?». 1941 – Reintegrado na Universidade instala um Centro de Estudos Microscópicos na Faculdade de Farmácia, com o patrocínio do Instituto de Alta Cultura e por sugestão do Governo. 1942 – Publica «A Crise da Europa». Inicia colaboração com o Instituto Português de Oncologia, a convite do Prof. Gentil. 1944 – Publica «Hematologia». 1945 – Participa activamente na campanha eleitoral, ao lado do Movimento de Unidade Democrática. Em consequência desta participação, são cortadas as verbas de financiamento do Centro de Estudos Microscópicos. 1946 – Escreve no «Sol» um interessantíssimo conjunto de artigos sobre a arte modernista. Em 29 de Dezembro morre em casa de sua irmã, em Lisboa.
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AS ORIGENS |
| Nasceu em 19 de Julho de 1889, em Guimarães, filho de Adolfo Barroso Pereira Salazar e Adelaide da Luz Silva Lima Salazar. Por dificuldade em alugar casa onde se instalassem, os pais foram viver temporariamente para o Hotel do Toural, logo que casaram. Ali ocuparam um quarto e posteriormente dois, tendo sido num desses quartos, que Abel Salazar deu o primeiro vagido, filho primogénito de uma fratria de três filhos. Seu pai era secretário e bibliotecário da Sociedade Martins Sarmento e professor de Francês na Escola Industrial Francisco de Holanda. Colaborador da «Revista de Guimarães» nos seus primeiros números, foi coordenador do importante Catálogo da Biblioteca Pública de Guimarães editado em 1888 e, em 1892, assumiu sozinho a coordenação do Catálogo Suplementar da mesma biblioteca. A eliminação da disciplina de Francês dos curricula escolares em Guimarães parece ter sido a causa principal da forçada saída de Adolfo Salazar para o Porto, onde faleceu a 1 de Janeiro de 1941, com 84 anos de idade.
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O ESTUDANTE | |
| Em Guimarães, Abel faz os seus estudos primários, sendo considerado um bom aluno e tendo chegado a ser premiado, algumas vezes. Faz os estudos secundários também em Guimarães, no Seminário-Liceu, onde tem como condiscípulo Manuel Gonçalves Cerejeira, futuro Cardeal Patriarca e amigo íntimo de um homem contra quem Abel Salazar sempre há-de lutar e que, por estranha coincidência, usa o mesmo apelido – Salazar. António de Oliveira, beirão, rural, político e ditador. Por mudança dos pais para a cidade do Porto, passa a frequentar o Liceu Central do Porto, de S. Bento da Vitória, onde ingressa em 30 de Setembro de 1903 e onde se mantém até à conclusão da 7.ª classe de Ciências, em 1906-7. Ingressa seguidamente na Academia Politécnica do Porto, onde faz os preparatórios necessários para o acesso a Medicina. Em 1909, ingressa na Escola Médico-Cirúrgica. Contrariado. Queria ser engenheiro civil. Não será por isso que irá ser mal sucedido. A partir de 1913, é nomeado 2.º Assistente de Anatomia Patológica e depois primeiro assistente provisório de Clínica e escreve diversos trabalhos sobre a morfologia e anatomia comparada do córtex, para o que se obriga a frequentar as duas instituições portuenses ligadas às doenças mentais – o Hospital Conde Ferreira e o de Magalhães Lemos. Nesses trabalhos formula, pela primeira vez, uma teoria anatomo-psicológica sobre o funcionamento do sistema nervoso. Apesar da contrariedade inicial, faz um curso brilhante que conclui em 1915, com uma Tese intitulada «Ensaio de Psicologia Filosófica»; receberá do júri a classificação máxima.
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O MÉDICO E O PROFESSOR | |
| Concluído o curso, em 1915, é convidado por alguns dos seus mestres, nomeadamente Luís Viegas e Fraga de Almeida, a ingressar no magistério universitário. Recusa. Concorre posteriormente, por decisão sua e não por convite, a uma vaga na cadeira de Histologia entretanto posta a concurso. Conseguido o lugar, inicia o curso de Histologia de 1916-17, com uma notável lição de abertura onde expõe os problemas fundamentais da biologia, de uma forma considerada de grande originalidade, nessa altura. Em 14 de Maio 1917, é nomeado professor extraordinário, de Histologia e Embriologia, por distinção, e em 9 de Julho desse mesmo ano é nomeado professor ordinário. Episodicamente rege ainda a cadeira de Fisiologia. Fundador e Director do Instituto de Histologia e Embriologia, em 1919. É aí, nesse modestíssimo centro de estudos, que apesar de mil contrariedades, de que a insuficiência de material e a ridicularia das verbas são apenas uma parte, concebe e realiza uma série de notáveis trabalhos de investigação, de que se destacam as pesquisas relativas à estrutura e evolução do ovário. Introduz concepções científicas próprias sobre a atrésia do folículo de Graaf, estabelece as bases da evolução pós-fetal do ovário e descreve os seus tipos principais. Enquanto não é compulsivamente afastado da Faculdade, mantém o Laboratório de Histologia permanentemente aberto aos alunos, de dia e de noite. Representa a Faculdade de Medicina do Porto em numerosos congressos e visita estabelecimentos científicos e artísticos em quase toda a Europa Central e do Sul. Mas o cientista é também um professor voltado para processos didácticos inovadores. Defendendo a prioridade da educação sobre o ensino, opõe ao saber livresco o desenvolvimento da observação, o convite à reflexão e à iniciativa pessoal, como uma outra forma de alcançar o conhecimento, pela investigação. O magistério de Abel Salazar está aberto ao diálogo com o aluno, visando despertar o entusiasmo criador. Desenvolve métodos para estimular a inquietação científica dos discípulos, procurando desenvolver as qualidades intelectuais e humanas de cada um. Ensina-os a serem críticos em face do conhecimento estabelecido, porque sabe bem como muito dele era transitório. Defende o autodidactismo, a supressão da avaliação quantitativa e a redução ao mínimo da intervenção do professor na aprendizagem. Publica 116 trabalhos científicos.
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O INVENTOR | |
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Em 1920, inicia novos métodos de técnica histológica, dos quais se destaca a técnica tano-férrica ou «método Salazar», como passa a ser mundialmente conhecida em todos os laboratórios de biologia microscópica.
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| O PERSONAGEM NA PRIMEIRA PESSOA |
| Comecei a minha vida universitária na Universidade do Porto, quando não existia ainda vida científica. Iniciei a minha actividade no meio de grandes dificuldades, sem laboratório, sem recursos e sem bibliografia. Organizei primeiro um pequeno laboratório de Histologia que desenvolvi, pouco a pouco, e fiz os meus primeiros trabalhos sobre o ovário da coelha, nestas circunstâncias. Organizei um novo Instituto, mas sempre com grandes dificuldades materiais, devido à exiguidade dos subsídios. Esta obra, embora modesta, chamou a atenção dos meios científicos e encontra-se citada em diversas revistas, tratados, manuais e resumos da especialidade. Fundei também, com Athias e da Costa, os Arquivos Portugueses de Biologia, de que sou ainda um dos directores. Apresentei também trabalhos pessoais no Congresso de Lyon, Nancy, Turim, Liège, Lisboa, e nas Reuniões da Sociedade de Biologia. Trabalhei no Laboratório do Prof. Champy, em Paris, durante o meu exílio. Além dos trabalhos científicos, fiz na Universidade cursos sobre a Filosofia da Arte e desenvolvi um sistema de Filosofia que acabo de constatar, com satisfação, ser bastante próximo da Escola de Viena. Foi o desenvolvimento deste sistema filosófico que, teria desagradado à Ditadura e ao Catolicismo, e terá sido a causa principal da minha revogação. Quer dizer, oficialmente, ainda não conheço a causa da minha revogação; particularmente, sei que a causa principal foi o sistema filosófico em questão. Esclareço que nunca fui um político; toda a minha vida me ocupei unicamente da actividade intelectual.
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| E NA TERCEIRA PESSOA |
Bento Caraça diz que é torrencial o génio de Abel Salazar. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. | Do cientista, escreveu o Prof. Alberto Saavedra: «Quem não privasse com Abel Salazar, julgá-lo-ia, à conta do seu aspecto fechado, carregado, um homem seco, duro, avesso a expansões, a jovialidade, a efusões. No trato íntimo, porém, Abel Salazar era outro: irradiava gentileza, afabilidade, prestabilidade, a todos atendendo e servindo, sem afectação ou prosápia. Talento e cultura, de mãos dadas, faziam dele um conversador extraordinário. Com a mesma facilidade e segurança focava problemas de Ciência, Filosofia, Estética, Literatura ou Sociologia. Dessas esferas, baixava ao trivial, ao quotidiano, glosando sucessos ou figuras que, por momentos, entretinham a sua veia humorística.... Pelo seu inconformismo, rebeldia, luta pela Liberdade e pela Justiça, e assim lutar por um mundo melhor, Abel Salazar aliciava facilmente a juventude. Bento Caraça, costumava chamar torrencial ao génio deste homem de espírito perdulário. Era uma personalidade multifacetada que personificava bem a frase que lhe é atribuída – Médico que só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe. Um século antes, um outro português, Ribeiro Sanches, médico distintíssimo, conhecido em todo o mundo, escrevera algo semelhante no seu «Método para aprender e estudar a Medicina»: – Nenhum médico foi célebre na sua arte se não teve o entendimento alimentado com o estudo das humanidades. E também ele se interessou pela educação da juventude, tendo escrito as «Cartas sobre a Educação da Mocidade», onde falava do reino cadaveroso que mais não era do que o atraso científico e intelectual, a ausência de ideias e projectos, a retórica, o discurso redondo e vazio que dá para tudo.
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| O ARTICULISTA |
Abel Salazar aglutina jovens que se opõem ao fascismo do Estado Novo. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
| Ainda no Liceu de Guimarães, com um pequeno grupo de companheiros, publica um jornal escolar republicano de que saem dois números: o Arquivo. Na Academia Politécnica do Porto, relaciona-se com vários elementos da Nova Silva e do Grupo ABC. Pertence assim à notável geração que, com generosidade e ambição, proclama a liberdade «sem servilismos de programas, de escolas ou de dogmas», lema da revista portuense Nova Silva. Fundada em 1907, por Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Álvaro Pinto e Cláudio Basto, com orientação anarquista e anti-clerical, ideologia dominante no escol estudantil da época. Acompanhando essa ideologia, Abel Salazar subscreve em 1907, uma Representação de Estudantes do Porto contra um projecto franquista de limitação da liberdade de imprensa, publicada pelo Mundo, e pouco depois, em Abril, adere à greve académica. Os jovens que Abel Salazar aglutina à sua volta, têm todos interesses culturais e opõem-se firmemente à tendência do Estado Novo, que em tudo procede de forma concordante com os regimes totalitários. Esta tendência é claramente evidente na exaltação do chefe e na tentativa de penetração nos meios académicos pela primeira organização de carácter fascista – a Acção Escolar da Vanguarda. Uma grande parte desses resistentes sente-se atraída pelo Comunismo que promete Paz e Justiça Social. O Sol Nascente, quinzenário de Ciência, Arte e Crítica, torna-se então, verdadeiramente, a «sua» revista. Abel Salazar, embora sem imposições, orienta a revista e assume um papel conciliador entre as tendências anarquista e marxista do grupo juvenil. Abel Salazar pretende estimular o ambiente cultural do Porto, não só através desta revista, que tenta competir com o jornal O Diabo, publicado em Lisboa, mas também com outras iniciativas dirigidas aos novos. No Povo do Norte, na Ideia Livre, na Gérmen, no Notícias de Coimbra, numa primeira fase e, depois, numa segunda fase, no Diabo, no Trabalho, na Síntese, na revista socialista Pensamento e na Seara Nova. Formula, numa série de artigos, uma explicação histórico-organicista da Crise da Europa e aplica ao domínio das ciências humanas a matriz psicossomática da caracterologia de Kretschmer. Colabora nos seguintes jornais e revistas: Afinidades, Povo do Norte, Ideia Livre, O Distrito de Beja, O Primeiro de Janeiro, Seara Nova, Síntese, Esfera, Vida Contemporânea, Revista de Ciências Médicas e Humanismo, Revista Pensamento, Liberdade, Sol, Democracia do Sul, Voz da Justiça, Foz do ;Guadiana, O Trabalho, Sol Nascente e O Diabo.
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| O ARTISTA |
| Em 1915, participa na Exposição dos Humoristas e Modernistas que se efectua nos Jardins de Passos Manuel. Os seus 47 desenhos expostos merecem o elogio unânime da crítica. No ano seguinte, expõe no Palácio da Bolsa com um grupo denominado Os Fantasistas. Em Janeiro de 1922, expõe na Misericórdia do Porto, com Cerqueira Machado, e, dois anos depois, em Lisboa, na Sociedade Nacional das Belas Artes, com agrado geral da crítica. Em 1938 e 1940, efectua em Lisboa e no Porto grandes exposições individuais que provocam grande e generalizada admiração. Do artista, diz o pintor Júlio Pomar: «A primeira constatação a fazer perante a obra plástica de Abel Salazar é a do seu altíssimo interesse como documento humano; é, por assim dizer, a presença do homem». Os seus quadros de mulheres do Porto, no esforço de trabalho árduo, os seus retratos, como os de Camilo Castelo Branco e de Guerra Junqueiro, ficam célebres. A sua obra plástica é tocada de um humanismo profundo e duma fecundidade prodigiosa, nos mais diversos géneros. Não é um pintor de «atelier»; prefere pintar a figura humana, onde ela mais se mostra e agita - na rua. É também um pintor da mulher. Pinta as costureiras e as caixeiras, mas também as elegantes, as coquettes. Mas também, e sobretudo, as mulheres em cena de trabalho, em armazéns na Ribeira ou nas descargas dos batelões em Miragaia. Repete este tema mais do que os outros, pelo que alguns o consideraram «um dos mestres que desencadeou o Neo-Realismo», uma vez que o trabalho árduo das mulheres era uma das flagrantes condições de desarmonia social. José Augusto França atribui a Abel Salazar um lugar de precursor do movimento neo-realista, ao mesmo tempo que o condena a uma «situação amadorística». Essas mulheres, descalças, com lenços na cabeça, blusas amplas, saias enroladas na cintura, sugerindo corpos vigorosos e perfeitos, são o tipo de beleza de mulher que Abel Salazar nos deixa. Essas mulheres nada têm que ver com as deformações, intencionalmente expressivas de servidão e desgraça, dos pintores neo-realistas portugueses, na sequência do manifesto de Vespeira, de 1945. Qual homem do Renascimento, Abel Salazar expressa o seu extraordinário talento sob diversas formas, das quais se evidenciam as Artes Plásticas. A obra de Abel Salazar revela-se em diversas áreas e técnicas, desde o desenho, a caricatura e o óleo, passando pelo retrato, paisagem e pintura mural. No domínio da gravura, a realização é notável na prática das suas modalidades, com relevo para as águas-fortes, de elevada qualidade. Tenta a escultura mas dedica-se depois, com carácter de grande originalidade, aos cobres martelados. Com uma execução pessoal, repuxando e combinando a acção dos ácidos com o fogo, dá, aos seus característicos nus femininos, uma nova sensualidade. Os pratos de cobre que Abel Salazar cria são peças que despertam um fascínio incomparável. Abel Salazar é uma personalidade inconfundível. Caracterizam-no, essencialmente, o inconformismo e a ânsia de liberdade.
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| O ESCRITOR |
| Uma das facetas do seu engenho é a literatura de viagens. No ensaio «O que é a Arte?» rejeita um objectivo panfletário na concepção artística, afirmando: «não se faz Arte por decreto nazi, fascista ou comunista». De influência naturalista, a obra de Abel Salazar, pelo dramatismo e livre expressão, evolui para uma forma original de modernidade. Publica os seguintes livros: Ensaio de Psicologia Filosófica, Uma Primavera em Itália, A Ciência e o mundo actual, Digressões em Portugal, Paris em 1934, Recordações do Minho Arcaico, O que é a Arte?, A Crise da Europa, Um Estio na Alemanha, e Henrique Pousão. Publica as seguintes separatas: A Posição Actual da Ciência, da Filosofia e da Religião, A Posição Actual da Filosofia e da Religião, A Socialização da Ciência.
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| O POLÍTICO |
| Durante o exílio voluntário, ao lado de Cogniot, Prenant e Wallon, participa nas actividades antifascistas da Union Rationaliste e na Internationale des Travailleurs de l' Enseignement. Subscreve juntamente com eles um manifesto contra a Ditadura portuguesa e contra as prisões em Portugal. Envia para a redacção do Liberdade, diversos pacotes de panfletos e literatura subversiva, mas não tem notícia de que tenham sido recebidos. Nesse tempo, quem manifeste oposição ao regime é apelidado de comunista. Abel Salazar nunca pertenceu a esse partido, ataca o dogmatismo e os totalitarismos de esquerda e de direita, as utopias exclusivamente individualistas e colectivistas. Como afirma ao seu grande amigo Prof. Alberto Saavedra, não é comunista, nem sequer está interessado numa acção política partidária. Não há indicação de ter pertencido ao Movimento de Unidade Anti-Fascista. Apenas no despertar da consciência cívica que foi o M.U.D. (Movimento de Unidade Democrática), em 1945, o cientista concede ao jornal República uma entrevista e faz uma conferência em Matosinhos. Abel Salazar, figura representativa da cultura portuense, não tem a tentação de aderir ao Partido Comunista, como grande parte dos escritores e artistas desse tempo. Mas o partido, adopta-o. Em Maio de 1935, Abel Salazar é demitido de professor catedrático de Histologia da Faculdade de Medicina do Porto, sob pretexto de «influência deletéria da sua acção pedagógica-didáctica sobre a mocidade universitária». É-lhe recusada a autorização de sair do país e mesmo de frequentar a biblioteca da sua Faculdade.
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| O EXÍLIO |
| A acção do irreverente professor desperta a repressão da Censura, provoca ataques da imprensa situacionista e a proibição de tratar em público matérias que não sejam estritamente científicas. O cientista reage, exilando-se voluntariamente em Paris, para onde parte em 7 de Março. Na cidade francesa trabalhará no Laboratório do Prof. Champy, prestigiado anatomista francês. Regressa ao Porto em fins de Agosto de 1934. Em 1935, depois de ser demitido da Universidade, procura sair novamente do país, desta vez aproveitando um convite do British Council. A saída ser-lhe-á recusada, como recusada lhe será também a solicitação que faz para frequentar a biblioteca da sua Faculdade.
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| O MAÇON |
| Abel Salazar não pode deixar de se opor à ameaça nazi-fascista e aos seus imitadores internos, insistindo numa campanha de pensamento livre. É então que em 6 de Julho de 1933, ingressa na loja maçónica portuense «Lux et Vita», uma das lojas do Grande Oriente Lusitano Unido.
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| O POLEMISTA |
Polémicas de Abel Salazar com Adolfo Casais Monteiro e António Sérgio. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
| Envolve-se numa dura polémica com Casais Monteiro e António Sérgio, em 1938, sobre o problema da divulgação cultural. Casais Monteiro, de modo directo e frontal, critica o mentor dum largo sector juvenil, considerando que os ensaios de Abel Salazar «raramente são acessíveis senão a uma reduzidíssima minoria, não por dificuldade própria dos assuntos mas por falta de método, redacção apressada, dispersão, e falta de desenvolvimento das ideias expostas». Abel Salazar, embora preze muito a sua missão divulgadora, reage como verdadeiro cientista a esta crítica. «É exacto, por exemplo, que alguns dos meus artigos não foram suficientemente revistos, que não têm uma unidade perfeita de desenvolvimento, que são, por vezes, aqui e além excessivamente condensados, que o assunto me apaixona e arrasta para fora do campo da vulgarização, que alguns desses artigos flutuam indecisos entre a vulgarização e o trabalho original, que um certo nervosismo se reflecte neles...», escreve então. No entanto, numa polémica com António Sérgio, também a propósito dum excesso de entusiasmo por uma teoria - desta vez o Neo-Positivismo da Escola de Viena - e, estando em causa o conceito de divulgação e a sua prática, Abel Salazar já não mantém a mesma isenção nem a autocrítica dignificante. Agora, o interlocutor é também muito diferente. Experimentado e duro polemista, mentor não só dum sector juvenil, mas duma larga e importante camada de intelectuais. A polémica representa divergentes orientações das duas personalidades em causa, com grande influência dos elementos que incitam uma e outra. É um acontecimento importante e complexo que se alonga e alastra para o Diabo e a Seara Nova. Mas o que sobretudo ressalta no Sol Nascente, é o antagonismo pessoal lamentável, de que o título de um dos artigos – «O Bluff António Sérgio» – é exemplo de chocante exagero. Posteriormente, mantem correspondência frequente com o Abade de Baçal, não em estilo polémico, mas antes como saudável troca de ideias e posições. Numa dessas cartas, pode ler-se - «Não há diferença alguma entre o crente e o não-crente, entre o ateu e o teísta – o que parece um paradoxo, e o que é, no entanto, a realidade pura. Os próprios – Teísmo, Ateísmo – não são, no fundo, senão duas formas diferentes de definir o mesmo religiosismo indefinido: tal como se um artista pintasse em claros e outros em escuros, o mesmo estado emotivo. Um é uma reacção positiva, a outra é negativa, mas ambas geradas pelo mesmo fenómeno. Posto isto o paradoxo é este: os homens divergem e batem-se – até ensanguentar a História! – não pelo que sentem de comum, mas pelas diferenças irredutíveis das múltiplas formas de definição. Porque a realidade, para eles, reside, não no pensarem comum, mas na sua definição: e por isso eles batem-se por esta definição, como se fosse pela realidade e pela verdade».
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| A PAUSA |
| Entre 1926 e 1931, depois de 10 anos de excessivo trabalho, está afastado da actividade profissional, por doença do foro psíquico.
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| O RECONHECIMENTO |
| Abel Salazar falece em Lisboa em 29 de Dezembro de 1946. O corpo segue para o Porto, mas o préstito funerário é desviado pela polícia política, para não passar por Coimbra. Chega de noite ao Porto, seguindo logo para o Cemitério do Prado do Repouso, onde a urna ficou depositada. No dia seguinte, realiza-se o funeral, acorrendo ao cemitério um grande cortejo, sem féretro, onde uma multidão, formada por oposicionistas de diversas vertentes, lhe presta homenagem. Discursam o republicano histórico Dr. Eduardo Santos Silva e o Prof. Ruy Luís Gomes que, seguidamente, é preso. No seu funeral encontram-se portugueses de todas as condições, numa verdadeira consagração nacional. O nascimento da Casa-Museu Abel Salazar, em S. Mamede de Infesta, deve-se à acção de um grupo de intelectuais e especialmente do Prof. Alberto Saavedra. Tocados com a morte de Abel Salazar, logo no dia seguinte à sua morte, lançam a ideia da sua criação, por lhes parecer a melhor homenagem que podiam lhe prestar. No dizer dos signatários, seria uma forma de corporizar o sentimento que a sua morte e o sentido humano da sua obra causaram em todo o povo português. Nesta Casa-Museu estão expostas as variadas expressões da Arte Viva, marcadamente pessoal, profundamente humana e plena de beleza, de Abel Salazar.
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Quadro - Ao Sol - Abel Salazar
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