| | Uma fuga rumo à vitória
| As fugas, individuais ou colectivas, das prisões fascistas constituem momentos marcantes da resistência dos comunistas portugueses ao regime salazarista. Todas elas são exemplos quer da criatividade e da coragem dos militantes comunistas que as protagonizaram, quer do seu apego à luta contra o fascismo, pela liberdade, pela democracia, pelo socialismo – já que os que fugiam, faziam-no tendo como objectivo primeiro prosseguir a luta nas fileiras do Partido.
A generalidade dessas fugas mostra, igualmente, a existência da organização do Partido dentro das prisões fascistas e a sua estreita ligação à organização e à luta do Partido no exterior. É significativo que parte das fugas tenha sido preparada e concretizada a partir dessa ligação entre a organização prisional e os que, na clandestinidade e na «legalidade», asseguravam a intervenção constante do Partido no combate ao fascismo. Assim aconteceu com a fuga de Peniche, ocorrida em 3 de Janeiro de 1960: ao fim da tarde desse dia, um carro com a tampa da mala levantada para em frente do Forte, confirmando que, no exterior, tudo estava a postos; dentro do Forte, os presos dão início à operação: dominam um carcereiro com um narcótico e, sob o capote de uma sentinela que integrava a organização da fuga, transpõem, um a um, uma parte mais exposta do percurso; descem, por uma árvore, a um piso inferior e escondem-se numa guarita donde descem, através de uma corda, para o fosso exterior do Forte, após o que, escalado o muro que os separava da praça fronteira, chegam aos automóveis que os aguardavam e que partem a toda a velocidade, transportando-os para locais seguros previamente determinados.
Por detrás desta fuga, aparentemente fácil e simples, estavam vários meses de cuidada planificação, de preparação pormenorizada, de coordenação exemplar entre a acção do Partido no interior e no exterior do Forte, de disciplina rigorosa e de secretismo total no cumprimento das múltiplas tarefas exigidas – para além, naturalmente, da criatividade, da determinação, da coragem de todos os seus protagonistas.
Tratou-se de uma das mais importantes evasões da história da resistência ao fascismo. Por três razões essenciais: porque o Forte de Peniche era, então, a mais segura de todas as prisões fascistas; porque se tratou da fuga de um numeroso grupo de destacados dirigentes e quadros do Partido - Álvaro Cunhal, Joaquim Gomes, Jaime Serra, Carlos Costa, Francisco Miguel, Pedro Soares, Rogério de Carvalho, Guilherme Carvalho, José Carlos e Francisco Martins Rodrigues (que poucos anos depois seria afastado do PCP); e porque ela viria a ter consequências marcantes no reforço do trabalho de direcção, das orientações políticas e da capacidade de intervenção do Partido.
Com efeito, logo nesse ano de 1960 iniciou-se no colectivo partidário um profundo e amplo debate em torno de questões envolvendo a política de quadros e a defesa do Partido; o trabalho de direcção e organização; e problemas fundamentais de táctica e orientação política e de massas do Partido. E cerca de um ano após a fuga, o Comité Central - numa reunião no decorrer da qual elegeu Álvaro Cunhal secretário-geral do PCP – procedeu a uma profunda análise ao trabalho de direcção central dos anos anteriores, submetendo a uma severa crítica e à respectiva correcção o desvio de direita que se vinha verificando em vários campos da actuação do Partido.
Desse amplo debate – que prosseguiria até meados da década de 60 e envolveria, para além do colectivo partidário, amplos sectores do campo democrático - ficam, como património teórico do colectivo partidário, importantes documentos da autoria de Álvaro Cunhal – na primeira fase, «O Desvio de Direita no Partido Comunista Português nos Anos de 1956-1959» e «A Tendência Anarco-Liberal na Organização do Trabalho de Direcção»; e, posteriormente, o relatório apresentado por Álvaro Cunhal ao Comité Central em Março de 1964: «Rumo à Vitória» - que, procedendo a uma caracterização rigorosa da ditadura fascista e da definição da via para o seu derrubamento, constituiu um contributo decisivo para a elaboração do Programa do PCP aprovado, no ano seguinte, pelo VI Congresso do Partido.
Artigo publicado na Edição Nº1727 2007.01.04 | |
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