Raízes Históricas da Xenofobia em Espanha |
* Carlos Fontes
Casos Preocupantes Diz um velho ditado português que "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento". A justificação destes ditado, encontramo-la na história das relações entre Portugal e a Espanha, marcadas seculares actos de pilhagem, traições, guerras e ameaças. A tradição já não é o que foi, mas parece estar ainda bem viva se tivermos em conta alguns casos recentes. A relação da Espanha com os seus vizinhos portugueses, ditos amigos ou irmãos na retórica política, é tudo menos amigável a julgar pela forma como percepcionam e tratam os seus imigrantes, incluíndo os filhos destes. Por incrível que possa parecer, no início do século XXI, tem-se multiplicado os raptos de cidadãos portugueses que são depois levados como escravos para Espanha. Inquéritos recentes à Opinião Pública Espanhola são claros: Entre os povos que os espanhóis mais detestam, surgem à cabeça da lista o português e o marroquino. Ver A lógica xenófoba de anulação do Outro, têm caracterizado as relações pouco amistosas os dois vizinhos ibéricos. Numa análise objectiva é fácil constatar que o que tem preponderado é o Saque e a Destruição. As empresas espanholas que se instalam em Portugal, operam frequentemente numa lógica de saque ou de "secagem industrial". No primeiro caso, limitam-se a especular envolvendo-se em negócios obscuros, como o de Mario Conde no Banco Totta & Açores. No segundo, após adquirirem empresas industriais portuguesas, não tardam em desfazerem-se das suas unidades produtivas e em transformá-las em meros entrepostos para a comercialização de produtos espanhóis. Ao longo da fronteira com Portugal, esta lógica adquire dimensões ainda mais preocupantes, com uma longa história de saques, anexações territórios ( Olivença ), invasões, tráfico de todo o tipo (obras de arte, droga, etc). Alguns exemplos recentes entre muitos outros: a)Junto a Vila Real de Santo António (Algarve), barcos de pescas espanhóis (arrastões), em surtidas ilegais e criminosas destroem a vida nos fundos dos mares nas águas territoriais portuguesas. Perseguidos pelas autoridades portuguesas, refugiam-se na águas espanholas onde encontram protecção da sua polícia marítima. A 8 de 2003, a polícia marítima portuguesa prendeu um barco espanhol à revelia das leis portuguesas e das recomendações internacionais se dedicava a destruir a vida marítima nas águas territóriais de Portugal. Em Espanha, no porto de pesca da Ilha Cristina (Isla Cristina), a população local fez uma greve para protestar contra esta prisão. Segundo os promotores desta manifestação aos barcos de pesca espanhóis todas as impunidades são permitidas no país vizinho. b)Junto à fronteira portuguesa, e no curso de importantes rios, como o Douro ou o Tejo, instalam centrais nucleares, lixeiras de material radioactivo, etc. Outro exemplo desta atitude espanhola de total impunidade para com os seus vizinhos, ocorreu entre 13 e 19 de Novembro de 2002, com o petroleiro "Prestige". Este petroleiro que transportava 70 mil toneladas de fuel, quando vinha da Estónia e se dirigia para Gibraltar, começou a derramar fuel ( 6 mil toneladas) junto à costa Galega, contaminando-a. A Espanha em vez de o rebocar para o porto mais próximo (La Corunha), começou por prender o respectivo comandante e depois afastou o navio destas suas costas, levando-o para sul na direcção das águas de Portugal, onde veio a afundar-se. Foi necessário a intervenção da marinha de guerra portuguesa para impedir que o mesmo fosse despejado nas suas praias. Estes actos não deixam de merecer alguma atenção internacional. Em Setembro de 2003, por exemplo, a CIA recordava num famoso relatório ( 'The World Factbook' ) que a questão do etnocídio de Olivença continuava em aberto nas relações entre Portugal e a Espanha. Os portugueses não esquecem que uma parte do país foi usurpado pela Espanha, nem a barbárie aqui praticada desde 1801 (roubos, mortes, violações, negação da identidade cultural de um povo, etc) . A imprensa espanhola (El Mundo em particular), apressou-se então a negar a existência de qualquer conflito entre os dois países, apoiando-se em afirmações do chefe da polícia local. Este ilustre descende dos carniceiros espanhóis da barbárie de Olivença garante à imprensa espanhola que os portugueses estão há muito exterminados. Confirma também que os mortos não andam a fazer desacatos nas ruas, o que o leva a concluir que estes concordam com a anexação deste território português pela Espanha. Alguns actos chocaram a opinião pública portuguesa, nomeadamente por envolverem destacadas figuras da realeza espanhola, as quais em Portugal adoptaram atitudes de total impunidade. Em Abril de 1998, Carlos Zurita (Duque de Sória e cunhado do rei de Espanha), em Lisboa, no Bairro Alto, julgando-se acima das leis portuguesas, após ter provocado desacatos, recusa a identificar-se e revela uma tal atitude arrogante que acaba na prisão. A Imprensa Espanhola (jornais, rádios, televisões, etc), consideram o acto uma prepotência das autoridades portuguesas e uma afronta a um cidadão espanhol, aos quais tudo lhes lhes seria permitido em Portugal e com os portugueses. Outro dos actos que chocou a opinião pública portuguesa, ocorreu no dia 22 de Junho de 2002, na Fronteira espanhola de Rosal de La Fronteira. O caso teve o condão de deixar profundamente apreensivos os seus vizinhos ibéricos. Neste dia milhares de Portugueses, entre os quais se contavam deputados à Assembleia da Republica, foram impedidos com extrema violência e sem qualquer explicação de se dirigirem a Sevilha para participarem numa manifestação europeia contra a Xenofobia e a Globalização. A actuação do Estado Espanhol desrespeitou todos os princípios em que assenta a União Europeia. A imprensa espanhola, sempre pronta a divulgar todas as más noticias sobre o país vizinho, remeteu-se ao mais completo silêncio sobre os acidentes nas fronteiras, em particular em Rosal de la Frontera. A partir daqui qualquer português, europeu ou imigrante passou a saber que a tradição xenofoba de Espanha não está morta, mas continua a constituir uma séria ameaça. Nesta linha de actuações, recorde-se o que ocorreu durante o Euro2004, realizado em Portugal, no jogo entre a Espanha e a Rússia. A cidade de Faro foi invadida por neonazis espanhóis ostentando símbolos nazis. A imprensa espanhola ignorou o caso, centrando a sua atenção sobre possíveis excessos da polícia portuguesa no trato destes delinquentes. Esta onda racista que se havia manifestado em Portugal, perante a indiferença da imprensa espanhola, acabou pouco depois por espalhar-se em várias localidades de Espanha. Nos dias 16 e 17 de Novembro de 2004, a selecção nacional futebol de Inglaterra (seniores e sub-21), enfrentou a sua congénere espanhola em Alcalá de Henares e em Madrid. Esperavam-se dois jogos amigáveis, mas o que sucedeu foi mais um exemplo de uma tradição xenofoba. Durante dois dias, os jogadores ingleses negros foram alvo de contínuos insultos racistas por parte da assistência espanhola sempre um deles tocava na bola. Milhares de espanhóis não pararam de cantar de forma bem afinada hinos nazis. Não se tratou de um caso isolado. A imprensa internacional vinha chamando à atenção para o facto do seleccionador espanhol (Luis Aragones) ter o significativo hábito de motivar os jogadores espanhóis dizendo-lhes que eles eram melhores dos que os "pretos de merda" jogavam nas equipas adversárias. Só após o caso ser objecto de uma denúncia internacional é que o governo espanhol resolveu reagir.
Espanhóis insultando jogadores ingleses negros .. | ||
Uma Longa Tradição Estes casos parecem estar longe de serem simples factos isolados, fazem parte daquilo que muitos historiadores, sociológos e filósofos afirmam tratar-se de uma tradição xenofoba enraizada na cultura espanhola, cuja matriz remonta a 1492. A xenofobia (horror a tudo o que seja estrangeiro) parecem ter profundas raízes na cultura espanhola, onde existe uma tradição histórica de exclusão ou eliminação do Outro, seja ele Muçulmano, Judeu, Índio da América, Protestante, Mestiço, Português, Marroquino, etc. . | ||
Muçulmanos Os muçulmanos foram os primeiros a personificarem a imagem do Outro. A reconquista prolongou-se aqui até 1492, quando caiu o Reino de Granada. A expulsão ou extermínio de todos os mouros foi todavia um processo mais demorado, o que só veio a acontecer em 1609, quando todos os descendentes de antigos mouros passaram a ter apenas duas opções: a morte às mãos da Inquisição, ou a fuga (275 mil conseguem fugir). No século XVI os espanhóis avançam pelo Magrebe (Norte de África), procurando subjugar os povos que aí encontram. Marrocos só se consegue ver livre deles em 1956, quando conseguem a custa a independência, depois de séculos de matanças e ultrajes. Mas a tentativa de submeter os muçulmanos só terminou em 1975, cinco dias antes da morte de Francisco Franco Bahamonde, quando se desfizeram apressadamente do Sara Ocidental, sacrificando o povo que aí existia aos seus vizinhos (Marrocos e Mauritânia). O espírito desta gesta contra o infiel muçulmano está bem presente nos altares das igrejas espanholas, na figura do popular Santiago Mata Mouros, e na obra do Caudillo "Marruecos. Diário de una Bandeira" (1922).
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. Hereges A simples existência de hereges - os que se desviam da norma -, fazia tremer o Reino de Espanha, fundado em 1492. O dominicano espanhol Torquemada interpretou melhor que ninguém o espírito do novo país, lançando as bases da Inquisição moderna. Os inquisidores espanhóis tornam-se peritos internacionais na organização da Inquisição e em farejar os hereges. Não foi apenas na Península Ibérica que demonstraram a sua eficiência neste domínio, mas sobretudo nos Países Baixos onde pretenderam matar toda a população considerada sumariamente herege (Protestantes). Em nome da defesa da Ortodoxia do catolicismo, em Espanha, ainda irão surgir mais duas organizações para a defender: A Companhia de Jesus (século XVI) e a Opus Dei (século XX). | ||
Judeus A perseguição e expulsão dos judeus, em Espanha, em fins do século XV, tornou-se numa obsessão para os seus monarcas. Não apenas os expulsaram de Espanha, mas pressionaram Portugal para que o fizesse também. Durante o domínio de Portugal (1580-1640), a Inquisição estendeu as suas garras aos cristãos-velhos, pois os novos há muito tinham fugido ou foram queimados pelo Santo Ofício. | ||
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América Latina A morte foi sempre uma paixão em Espanha, a julgar não apenas pelas corridas de touros, mas sobretudo pelos massacres que os seus conquistadores fizeram na América, à procura de Ouro e depois por um brutal sistema escravocrata que só terminou, pouco antes de Cuba se tornar Independente. Durante a ocupação destes territórios, os espanhóis mataram mais Índios do que europeus morreram em todas as guerras no século XX. Alguns, como os Dominicanos Las Casas (Relação das Viagens e Descobertas Que os Espanhóis Fizeram nas Índias Ocidentais) e António de Montesinos, ficaram tão impressionados com o extermínio que seus olhos presenciavam que pensaram que os espanhóis tencionavam acabar com a própria espécie humana.
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Racismo e Mestiçagem Ao contrário dos seus vizinhos ibéricos, a mestiçagem foi sempre considerada pelos espanhóis como um ultraje à espécie. Os historiadores situam neste país, mais concretamente nos séculos XV e XVI o nascimento das teorias racistas modernas quando em Espanha se defendeu e se tomou medidas oficiais para garantir a "limpeza do sangue" de todos os cristãos. A partir destes momento os homens passaram a ser divididos em dois grupos fundamentais: os "puros" e os eternamente impuros (judeus, muçulmanos, etc), dado que nenhuma limpeza de sangue os seria capaz de regenerar. Em todos os lugares que conquistavam, os espanhóis passaram a impor um princípio sagrado: a proibição de cruzamento de raças. Um dos mais expressivos exemplos, ocorreu em 1620, quando alarmados pela mestiçagem que estava a ocorrer em Cabo Verde, impuseram uma emigração massiva de mulheres brancas para o território. A pior das sortes em África tiveram os negros das Canárias: foram dizimados para evitar todas as tentações de mistura de raças! | ||
Asfixia Interna de Povos e Culturas A Espanha tem vivido numa tentação permanente de mergulhar na xenofobia. Esta tendência é apenas contrariada pelas suas regiões periféricas que fazem fronteira com outros países: a França (Catalunha e Euskadia) e Portugal (Galiza). É nestas que a abertura cultural é tradicionalmente maior. O contacto com o Outro ( o diferente), mais intenso nestas regiões, acaba por criar entre as suas populações uma maior tolerância e abertura a outras culturas e povos. Na Catalunha, por reacção contra a intolerância espanhola, acabou por desenvolver-se um expressivo movimento anarquista, entre os quais se destacam figuras como o pedagogo Francisco Ferrer (fuzilado em 1909). A Catalunha continua a afirmar-se marginalizada pelo Estado Espanhol, lutando por todos os meios contra a sua asfixia cultural. Na Euskadi (País Basco), lutam à séculos contra a sua asfixia cultural. O filósofo Miguel Unamuno, quando o conseguiu compreender passou a apoiar activamente a causa dos nacionalistas bascos. A repressão da população atingiu aqui tais proporções que nos anos 60 acabou por levar a que surgisse uma movimento armado contra o Estado Espanhol. A população continua a viver, nesta região, sob um clima de verdadeiro terror, quer provocado pelo Estado Espanhol, quer pelas acções armadas dos nacionalistas. Milhares de pessoas já morreram e continuam a morrer neste conflito. Mais Na Galiza, terra de Francisco Franco, mas também de Rosália de Castro, desenvolve-se um ambíguo movimento autonomista que luta pela manutenção das tradições galegas e o que resta da sua expressão linguística. A luta empreendida pelo que resta destas antigas nações ibéricas não tem em vista a sua independência, mas algo de mais vital para a espécie humana: - impedir que se cumpra o grande desígnio dos antigos inquisidores espanhóis, o de subjugarem todos os homens a um mesmo Deus, Igreja ou Chefe. Evitar em suma o triunfo da Morte. | ||
As manifestações de xenofobia em Espanha são frequentemente atribuídas ao seu nacionalismo exacerbado. Ao contrário do chauvinismo francês que se procura afirmar a primazia da França em termos de inovações ou realizações culturais, a xenofobia assenta aqui em duas atitudes muito peculiares: 1. Horror à Diversidade.. O povo espanhol, o castelhano em particular, ao longo da história parece ter alguma dificuldade em aceitar a diversidade ou as diferenças culturais. A matriz cultural da Espanha forjou-se a partir da aniquiliação dos vários reinos ibéricos. Foi este modelo que acabaram por exportar para as Américas. O melhor exemplo disso está na forma como destruíram as florescentes cultura Maia, Azeteca, Inca, etc, O primeiro Bispo de Miranda, no Yucatan, Diego de Landa, vangloriava-se de ter destruído todos os escritos dos maias, de forma a facilitar a afirmação das ideias dos conquistadores. Ao contrário dos saques praticados pela França em outros países, os realizados pela Espanha não visam ser ostentados num qualquer museu (Lógica Militar), mas destruídos para anular os vestígios, referências culturais ou a própria existência do Outro (Lógica Inquisitorial). A história de Espanha está repleta destes exemplos até ao presente. 2.A negação da existência do Outro. Aquilo que em toda a Europa se denomina de "arrogância" espanhola é outro dos seus traços culturais matriciais. O espanhol típico olha o outro como um "touro", algo contra o qual se preparou para enfrentar, para depois o matar e comer. A existência do Outro é sentida como uma ameaça à sua própria existência. Daqui advém a recusa em aceitar o diálogo e o constante apelo à força ou à agressão despropositada. A única forma que chegam a conceber para aceitar o Outro é matando-o. "Viva La Morte " berravam os assassinos de Garcia Lorca. Só matando-o estariam em condições de o compreender. Assim como só destruindo a cultura Catalã a entenderão, etc. Em Olivença, os espanhóis não apenas se limitarem a usurpar uma histórica vila portuguesa, mas de forma sistemática foram aniquilando os seus descendentes, a sua cultura, substituíndo os nomes das terras. Os invasores acabaram por impôr uma nova cultura numa terra que não lhes pertence. Após o etnocídio o que ficou neste território português foram apenas pedras e terra, o Outro há muito que fora exterminado. Trata-se provavelmente de um retrato excessivo, como são todas as generalizações, mas é preciso recordar que o pior dos erros face à barbárie é a justamente a indiferença. . | ||
José Ortega y Gasset: Entre a Retórica Humanista e o Silêncio Cúmplice com a Barbárie Ortega é considerado o mais influente filósofo espanhol do século XX. Em teoria combateu a massificação das pessoas e a desumanização da arte, mas na prática assumiu uma conduta cúmplice com a ditadura franquista (Espanha) e a salazarista (Portugal), mostrando-se indiferente à barbárie nos dois países. Ortega viveu em Lisboa entre 1942 e 1955, sempre rodeado de fervorosos defensores da ditadura salazarista. No seu luxuoso apartamento na Avenida da República, enquanto escreve sobre as grandes ameaças do mundo moderno, ignora o mundo que está à sua volta. Logo após a IIª. Guerra Mundial numa entrevista ao director jornal italiano - IL Giornale - manifesta apenas uma única preocupação em relação a Portugal: se os portugueses conseguissem matar o ditador Salazar. Se este fosse morto seria o caos. O melhor que tinham a fazer era conformarem-se à barbárie. Ao longo dos 13 anos que viveu em Portugal, período apenas interrompido por algumas estadias em Espanha, mostrou sempre de forma clara e ostensiva que desprezava tudo o que aqui acontecia no país: a luta do povo português contra a ditadura e a miséria. O seu desprezo era extensivo aos milhares de republicanos espanhóis exilados que se encontravam no país. O drama destes exilados não o incomodou, a protecção de Salazar resolvia-lhe os problemas. Nas suas visitas a Espanha, depois de 1946, Ortega procurou de forma sistemática o reconhecimento de outro ditador: Francisco Franco. A razão da sua indiferença em relação a Portugal tem uma explicação muito simples: Ortega faz parte de uma geração de políticos e intelectuais espanhóis que impregnados de ideias totalitárias não concebia a existência de Portugal. O povo português não existia no seu imaginário, a não ser como parte da Espanha Esta ideia muito difundida entre monárquicos, republicanos e depois falangistas espanhóis, teve uma terrível consequência política em Portugal: ajudou a consolidar a ditadura salazarista, dado que esta se afirmava como um bastião contra as ingerências externas. | ||
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