A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, abril 23, 2007


O fluir da História (da vida) segundo os comunistas



O PCP está no lado em que sempre esteve

Os comunistas não são todos historiadores. Embora haja comunistas que historiadores são. Mas um intelectual comunista tem de dar especial atenção à História e de ver o tempo que está a viver como tempo que na História se inscreve, e não é diferente por ser tempo por ele vivido. Só assim terá a consciência de que ele, como indivíduo, sendo único e insubstituível, não é mais do que um depois de muitos que o foram, um no meio dos que o são, um que antecede todos os que o serão. Sempre revolucionários.

O conhecimento da História não é objectivo. Porque não é objectivo o que, a todos, é facultado como conhecimento, como a História a conhecer. A História como sucessão de factos seleccionados por quem a conta, das guerras e de outros eventos que, segundo seus critérios, devem passar à História, dos heróis e dos vilões que merecem ficar na História, pelo que fizeram ou pelo que outros, muitos, por eles fizeram, é uma História. Quase sempre a adoptada, a oficial. Para os comunistas, a História é outra... Também não nos devemos arrogar que a História nossa é a única, porque é a única maneira de a contar, de a dar a conhecer. Mas é a nossa. É a dos povos, é a da luta de classes, enquanto classes houver.

Grave é que a História contada, de datas, factos e personagens deturpe factos e valorize (ou desvalorize) personagens para contrariar, quando não para combater, o que é o fluir da vida humana, sobretudo a que está a ser vivida, pelos homens e pelas mulheres, como intérpretes ou figurantes da luta de classes.

Porquê esta reflexão prévia? Porque muita gente há que tenta perceber porque é que assim se conta a História, porque é que ela é tão diferente da nossa. E acontece que, também por vezes – muito menos vezes –, o que torna esse questionar perplexo é que são homens sérios, são investigadores credíveis, que assim contam o que se sabe não ter sido assim. O 25 de Abril, e o que se lhe seguiu, História já feita mas ainda do nosso tempo, poderia ilustrar a reflexão que se faz ao correr das teclas.

Para uns, a história do 25 de Abril começa com as reuniões de capitães, com o comando da Pontinha, é o Otelo (ou o Salgueiro Maia... e logo aqui se vê uma diferença grande), e os seus companheiros «capitães de Abril» assim chamados mas não reconhecidos como MFA, são os generais Spínola e Costa Gomes, primeiro em rota de ruptura com Caetano e a «brigada do reumático», depois na Junta de Salvação Nacional, é o Terreiro do Paço, o Chiado, a António Maria Cardoso, os Champalimaud, os Espíritos Santos e quejandos, são os governos provisórios de que se retém os nomes de Vasco Gonçalves, Sá Carneiro, Mário Soares, Álvaro Cunhal, às vezes Freitas do Amaral, são a Rádio Renascença e a embaixada de Espanha, o República, o 28 de Setembro, o 11 de Março, o «gonçalvismo», o 25 de Novembro, a forjada crise financeira e as cartas ao FMI e a «Europa connosco». Depois disto, já não há 25 de Abril. Passou à História passada.

Para nós, comunistas, o 25 de Abril foi a resistência que o antecedeu, foi o «Rumo à Vitória», foi a guerra colonial, foi a luta no Alentejo e dos metalúrgicos, foram os «capitães de Abril», assim chamados e reconhecidos como MFA e povo, foi o salário mínimo, foi o subsídio de desemprego, foi a reforma agrária, foi o combate às fugas e às sabotagens, foram os esforços para evitar excessos só aparentemente revolucionários mas actos de provocatória violência e as greves «oportunas», foi a campanha cultural e de alfabetização, foi o povo a ter esperança de ser protagonista da História que é a sua. Foi, depois, toda a contra-revolução, contra a revolução que não era para o socialismo já mas para uma democracia avançada portuguesa e em Portugal.

O 25 de Abril é, hoje, os direitos que então foram conquistados e que, hoje, se luta para que não se percam, é a luta de resistência outra mas, por vezes, a lembrar a de antes do 25 de Abril.

Episódios (outros) da História de Portugal
numa «leitura» materialista-histórica


A História de Portugal (dos portugueses) pode ilustrar a História como luta de classes. A «crise» do final do século XIV foi «momento» em que a nação portuguesa se pôs à prova em reflexo dos começos da ascensão da burguesia, com apoio determinante do povo, contra uma aristocracia dominante (e pouco nacional). Álvaro Cunhal estudou este período e elaborou um ensaio, «As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média»1. Os «descobrimentos», a descoberta de caminhos marítimos não foi o feito de um infante mas uma opção de classe, e tem a importância crucial de ter sido um episódio (histórico e universal) que mobilizou a nação, e a consolidou num projecto colectivo. Em vez de casamentos e outros arranjos entre casas reais europeias, partilhando coroas, riquezas e espaços, com sortidas ao Norte de África e rotas por terra para comerciar, os caminhos marítimos foram uma afirmação da classe burguesa e não falta quem considere a sua descoberta e exploração como o início da globalização capitalista, antes do desenvolvimento das forças produtivas (e o desaparecimento do sistema de países socialistas) a possibilitar e até exigir.

Ainda neste período, a ocupação filipina, a integração de Portugal na Ibéria e na coroa espanhola, ilustra posições e relações de classe que Aquilino Ribeiro trata de forma brilhante (embora, evidentemente, não incontroversa) em «No cavalo de pau com Sancho Pança», onde diz que a jibóia não engoliu o láparo por outros desmesurados projectos terem distraído os Filipes desse desígnio, que bem acolhido seria pela aristocracia portuguesa, embora não o fosse pelo povo e pela burguesia.

A incipiente industrialização do século XVIII (como a reforma da instrução pública, não só por intenções humanistas mas também para formar mão-de-obra industrial), com o Marquês de Pombal e o Conde de Ericeira apresentados, na outra maneira de «fazer História», como os fautores, foi uma tímida resposta (embora ao tempo considerada relevante) da emergente classe burguesa industrial, em que sempre faltaram empresários privados com espírito de iniciativa e de risco que foi o motor do crescimento económico por outras paragens onde menos chegava o ouro e as especiarias mas melhor aproveitadas eram.

O final do século XVIII/começo do século XIX foi marcado, inevitavelmente, pela Revolução Francesa e o que ela representa na luta de classes. É o capitalismo a dar os primeiros passos com dominação da classe burguesa industrial e o aparecimento do proletariado. Também em Portugal esse «momento» teve expressão e a luta entre miguelistas e liberais podem revelar (ou esconder...) a luta de uma classe que se apoderava dos meios de produção – entre eles, sendo fundamental a força de trabalho – e era, nesse tempo, progressista e uma classe resistente, reaccionária, defendendo os seus interesses herdados do feudalismo.

A segunda metade do século é o tempo de consolidação do capitalismo e da emergência da luta de classes entre a burguesia industrial e o proletariado, enquanto, na esteira da expansão e queda do «império», a Europa se estreita e inter-relaciona. Em Portugal, a «ocupação» inglesa, o «velho aliado» (desde Methuen), promove a exploração de recursos naturais, a introdução de novos meios de produção, justapondo-se à luta interna pela instauração da República, e tem expressão simbólica no 31 de Janeiro.

A implantação da República é mais um significativo acontecimento, um facto, que pode ser abordado como acto de alguns homens, mais ou menos isolados nesse protagonismo temporal e temporário, ou um episódio na caminhada histórica do povo português. Sublinha-se que, entretanto, a questão do imperialismo se junta à luta de classes, com a partilha do universo por potências nacionais, cabendo a Portugal, como sequela (ou privilégio) de ter sido a nação que descobriu caminhos marítimos e ocupou espaços em outros continentes, grossas fatias do bolo. E se a descoberta de caminhos marítimos se antolha (melhor: se ante-olha) antecedente da globalização, é ao nível dos países que regiam o «concerto das nações» (na sequência do Congresso de Viena de 1815), que se definem alguns prolegómenos do que, na nossa contemporaneidade, é a tão apregoada globalização.

A 1ª República terá sido a proclamação e tentativa de levar à prática política, princípios e valores, de que se sublinha a paradigmática abolição da pena de morte, e uma talvez ingénua institucionalização da democracia burguesa dentro do capitalismo. A quase imediata 1.ª guerra mundial (quando o mundo era... a Europa), trouxe a necessidade de nela intervir por compromissos internacionais e para salvaguardar posições no quadro saído da partilha do «resto do mundo» quais novas Tordesilhas.

O ano de 1917, com a Revolução Soviética e o aproximar do fim da guerra (e as «aparições» em Fátima), é um ano crucial. A luta de classes deixou de poder ser escamoteada. A questão da revolução num único país ou universal resolve-se no terreno, com as expressões nacionais da luta de classes que toma proporções universais.

Em Portugal, o golpe de Maio de 1926 é o corolário de um período de instabilidade resultante dessa expressão nacional que se resolve, necessariamente com precariedade, na consagração, em 1933, de um regime fascista, contribuindo para a formação de um núcleo nazifascista, com a Itália, a Alemanha, a Espanha, e a passividade da social-democracia dominando e domando as frentes populares e outras expressões da classe traída.

O capital agrário e comercial junta-se ao capital bancário, e o «Estado Novo», além da repressão ao serviço de uma classe, em simultâneo com a negação formal de que haja classes – só o «bem comum»... a «bem da Nação» –, é o «construtor» de grandes grupos económico-financeiros privados a coberto da repressiva intervenção estatal somando condicionalismo industrial e protecção externa, ao nível da autarcia, à abolição do sindicalismo livre, ao radical equilíbrio nas contas públicas, à estagnação salarial só possível pelo enconchamento da população cortada da informação exterior até à impossibilidade.

A 2.ª guerra mundial, com o desfecho em que claramente jogou a luta de classes, sendo os trabalhadores, os povos, que a ganharam, quer por deterem o poder na União Soviética, quer por obrigarem outros estados a recusarem a barbárie nazifascista, obrigou o salazarismo a mudar de face, que não a mudar de natureza.

A falaciosa adesão às «democracias ocidentais» é um episódio (mais um) da luta de classes, pois corresponde a manter a expressão mais reaccionária e violenta da luta de classes aparentando juntar-se a formas «democráticas» de manter no poder político quem sirva os interesses de uma classe.

Essas «mudanças» não podem ser apenas aparentes. Provocam aberturas, entre-abrem portas e, com a guerra colonial e a emigração de permeio – elementos relevantíssimos da História de Portugal, localizados na década de 60 do século XX – houve «aberturas» intra-classistas a que deram a face Ferreira Dias e Marcelo Caetano.

E houve, sempre, a resistência! A resistência sobretudo de um partido que não aceitou ser banido quando o fascismo baniu os partidos, e que tem uma existência clandestina heróica, em nome e defesa dos trabalhadores portugueses, das populações de Portugal.

O 25 de Abril de 1974 foi muito mais que uma «abertura», foram portas abertas ao futuro que poderia ter sido e que será. Foi um golpe militar que se tornou num processo revolucionário. E contra-revolucionário. Com o caminho aberto para uma democracia avançada, para uma maneira portuguesa de se chegar ao socialismo enquanto sociedade sem exploração do homem pelo homem, a contra-revolução tomou todas as formas, desde as hipócritas de simular a aceitação do caminho aberto para lhe colocar todos os entraves, peias, barreiras, até ao terrorismo (sim!, houve assaltos a sedes do PCP, e de outros partidos, e assassinatos impunes).
E houve... a «Europa connosco».

«Europa connosco», opção de classe... e contra-revolucão

A Comunidade Económica Europeia foi uma resposta de classe, procurando adequar as relações macro-sociais, entre estados-nações às exigências da evolução das forças produtivos durante e no pós-guerra.

Resposta condicionada pela relação de forças (de classe), tendo por isso que aceitar conquistas sociais emergentes da vitória contra o nazifascismo e o papel condicionador do movimento operário – sindical e político –, e dos estados e sistema socialista, no quadro internacional.

Os seis países fundadores, apoiados pelos Estados Unidos, fizeram o seu caminho de união aduaneira e de política agrícola comum – porque outras o «padrinho EUA» não aconselhava se é que não o proibia – até ao primeiro alargamento que «compensou» a impossibilidade do aprofundamento tentado em paralelo na viragem da década 60 para a década de 70 com a falhada tentativa de uma moeda comum ou única, e passos no sentido da supra nacionalidade federal.

Dos seis passou-se a nove, dos nove a 10 e 12, formando-se uma periferia ao redor de um núcleo superintegrado, ou de um potencial directório de estados-nações poderosas, ao serviço do capital, a transmutar-se de multinacional em transnacional. Em 1986, essa inflexão levou à necessidade de um documento, o Acto único, uma adaptação do Tratado de Roma às novas condições, entre as quais se incluía a existência dessa periferia e quatro países a claramente a comporem-na: Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha.

Assim se institucionalizava o objectivo da passagem da união aduaneira a mercado interno e reconhecia a necessidade de um objectivo de coesão económica e social para, com transferência de fundos, atenuar os efeitos de agravamento das desigualdades sociais e das assimetrias regionais que as liberdades de circulação do mercado interno iriam inevitavelmente provocar e que era necessário prever e prevenir, até pelos constrangimentos da luta de classe.

Sublinhe-se que as liberdades de circulação, que quatro eram – de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais – tinham, como resposta de classe que marca o processo, a clara prioridade para a livre, dir-se-ia mesmo libertina, circulação de capitais, com as comunicações a serem o fruto apetecido e prioritário, e também a criarem as condições objectivas com a «revolução industrial» do aproveitamento cruzado, ao nível das forças produtivas, da informática, do telefone e da televisão.

O desaparecimento do sistema de países socialistas, e as suas consequências no movimento operário contribuíram decisivamente para superar contradições e avançar para a União Económica e a União Política, com um novo tratado a institucionalizá-las, logo com a criação da União Económica e Monetária, da moeda única e do Banco Central Europeu, congeminada para o núcleo duro mas que teve de ser alargada a outros e de aceitar as opções de ficar out dos povos dinamarquês e sueco e, de certo modo, dos ingleses, contra a vontade de bem servir a finança transnacional dos respectivos governos (e não só...).

Sem os constrangimentos anteriores, desaparecido o grupo de países que impedia o capitalismo de estar sozinho no contexto internacional, e com o movimento operário, particularmente nas suas expressões político-partidárias, enfraquecido e hesitante sobre que rumo tomar nas novas condições, a coesão económica e social foi esquecida como objectivo e foi o «para a frente e em força» da integração europeia, cimentando a sua divisão do trabalho e financeirizando a sua inserção na globalização capitalista que é o novo nome para o imperialismo nas novas condições, que, aliás, sempre novas são.

No entanto, se desaparecida uma frente de luta (embora só parcialmente porque países como Cuba sobreviveram, e só temporariamente também porque nunca se desistiu de recuperar essa expressão), se hesitante a do movimento operário e, nalguns casos, procurando novos caminhos como o de transformar revolução em mutação assim metendo na gaveta a luta de classes, à boa maneira que nós portugueses conhecemos relativamente ao socialismo do PS, tem o PCP a satisfação e o orgulho de estar entre os que nunca hesitaram – apesar dos esforços de dentro para que, mais que hesitar, se alinhasse com posições não de classe mas de modernidades aclassistas –, e sempre pautaram as suas posições pela leitura da história que, aliás, vem sendo comprovada na história que se vive, hora a hora.


As posições do PCP, como farta documentação o prova, sempre foi coerente com aquilo que é a sua matriz. Esteve contra Maastrich porque era a institucionalização, em novo tratado, de um caminho que aproveitava as novas condições na relação de forças de classe para passar a fases mais avançadas; esteve contra essas novas fases porque elas subalternizavam até ao olvido a coesão económica e social e consagravam, a partir da supranacionalidade e do primado do direito comunitário sobre os direitos nacionais, o caminho imperial da finança, do neoliberalismo, do federalismo e – sublinhe-se – do militarismo.

Nesta direcção, a dita Constituição era o passo novo. Um salto. Mas os povos não dormem, embora muito do que é povo adormecido pareça, e os votos franceses e holandeses devessem levar, se as regras fossem cumpridas, a arquivar o projecto. Ora, como é apanágio dos que estão serviço de um sistema, de uma classe sem princípios nem valores, ou com princípios e valores pervertidos segundo critérios de humanidade, não voltou tudo à estaca zero e procura-se remendar o ruim pano com manobras e artifícios jurídicos como foi feito relativamente a Maastrich e ao não dinamarquês.

É nesta luta que se está, com a responsabilidade acrescida de ver o PS que é governo a ser protagonista marioneta desta manobra, preparando-se para, na presidência que vai assumir no segundo semestre de 2007, contribuir para a eventual recuperação do processo de constitucionalização dita europeia.

Entretanto, os alargamentos continuam. Sendo já 27 os estados-membros, configurando periferias várias, desde as geográficas às sociais e às monetárias (menos de metade dos estados-membros da dita UE na UEM), o alargamento à Turquia, entre muitas outras questões que levanta, mostra a face imperial e não regional em que se transformou a resposta de classe, tão concertada quanto as contradições o permitem, passando do âmbito económico, da base, à superstrutura e ao domínio político e militar.
A luta contra a globalização imperialista, em todas as frentes em que se manifesta, é entre classes.

O PCP está no lado em que sempre esteve!

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1. A primeira versão do texto é de 1950, foi editada, em francês, em 1967; a primeira edição portuguesa é de 1975, e a 3.ª edição é de 1998, revista e aumentada em relação à versão original. É interessante, e talvez significativo, que em busca na Internet não tenha conseguido encontrar esta obra entre as referidas nas várias notações sobre Álvaro Cunhal.

2 Por exemplo, Gérard Vindt, 500 anos de capitalismo - a mundialização de Vasco da Gama a Bill Gates
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Artigo publicado na Edição Nº1734 2007.02.22

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