Saúde mental dos portugueses
500 mil precisam de tratamento
* Diana Ramos
São doenças silenciosas, difíceis de detectar e que podem causar uma vida de dependência, em que 40 por cento dos anos são vividos numa incapacidade permanente. Em Portugal, os problemas de saúde mental afectam já entre 500 e 800 mil pessoas, mas os serviços de saúde existentes apenas dão resposta a uma ínfima parte.
O número de pessoas em contacto com os serviços públicos (168 389 em 2005) mostra que só uma pequena parte das pessoas com problemas de saúde mental têm acesso aos serviços públicos especializados”, lê-se no relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, já disponível no Portal do Governo. Segundo a comissão, “o número de contactos é ainda extremamente baixo em relação ao que seria de esperar”, até porque “pelo menos cinco a oito por cento da população sofre uma perturbação psiquiátrica de certa gravidade em cada ano”.
Para António Leuschner, director do Hospital Magalhães Lemos, no Porto, e membro do núcleo executivo da comissão, “os estudos existentes sobre a saúde mental não são vastos e rigorosos”, pelo que foi preciso fazer uma “extrapolação” e comparar com as “taxas que se verificam em países com o mesmo grau de desenvolvimento e cultura”.
“Nesses países o número de pessoas que frequenta os serviços na área da psiquiatria ronda os cinco por cento”.Por cá, “o total de utilizadores dos serviços públicos de saúde mental situa-se em 1,7 por cento da população continental”. Em termos práticos, sublinha o psiquiatra, entre os 500 mil portugueses com perturbações graves “estão pessoas que podem necessitar de internamento e não têm acesso”.
Entre os piores problemas psíquicos estão as perturbações psicóticas, perturbações afectivas e problemas relacionados com álcool e drogas. “O acesso aos cuidados de saúde mental não é muito fácil, principalmente na periferia, onde há grande escassez de recursos, facto que dificulta a marcação de primeiras consultas”, diz Leuschner.
À falta de estudos concretos sobre a incidência destas doenças o psiquiatra lembra que “existe um número significativo de pessoas que, apesar de não procurarem estes serviços, têm problemas de saúde mental, pois têm de procurar tratamento com medicamentos, indicados pelo médico de família, para ansiedade, distúrbios alimentares e depressão”.
TRÊS DOS SEIS HOSPITAIS FECHADOS ATÉ 2012
O relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental propõe, até 2012, a concentração das “respostas prestadas pelos hospitais psiquiátricos em Lisboa, Porto e Coimbra num único hospital” por cidade. Segundo a comissão, o Hospital Júlio de Matos, o Magalhães Lemos e o Sobral Cid são as três estruturas que “parecem reunir as melhores condições para o efeito”, elemento que aponta para o encerramento do Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, e de dois hospitais em Coimbra.
O objectivo da comissão é pôr em prática um modelo de proximidade no atendimento, através do desenvolvimento dos serviços locais de saúde mental. Segundo o psiquiatra António Leuschner, seria criar “Unidades de Saúde Mental Comunitária cuja base, tal como para as Unidades de Saúde Familiar, deverão ser os centros de saúde”. Nos hospitais psiquiátricos passariam a ser seguidos apenas “doentes que exigem maior segurança e patologias que exigem abordagens mais especiais”.
OFERTA DE SERVIÇOS MAL DISTRIBUÍDA
O deficiente acesso aos serviços de saúde mental é nota dominante no relatório da comissão. Outro dos pontos destacados passa pela assimetria na distribuição de infra-estruturas e meios humanos ao longo do País. Existem seis hospitais psiquiátricos, um no Porto (Hospital Magalhães Lemos), três em Coimbra (Hospital Sobral Cid, Hospital do Lorvão e Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes) e dois em Lisboa (Hospital Júlio de Matos e Hospital Miguel Bombarda). Quanto aos 30 Serviços Locais de Saúde Mental, estão distribuídos sobretudo pelas capitais de distrito. Mais: “É notória a concentração de médicos psiquiatras nos distritos de Lisboa, Porto e Coimbra”, diz o relatório, sublinhando que “é igualmente clara a desigual distribuição dos especialistas entre hospitais psiquiátricos e hospitais gerais”. A proposta da comissão vai por isso “no sentido de transferir parte da capacidade de resposta dos hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais”, diz António Leuschner.
ALGARVE SEM ESPECIALISTA
Só existem 109 pedopsiquiatras no País. Os recursos “continuam a ser insuficientes para dar resposta às necessidades” das crianças. A situação é mais grave no Sul do País. Segundo António Leuschner, o Algarve não tem nenhum especialista: o apoio é dado por médicos do Hospital da Estefânia, em Lisboa.
SAIBA MAIS
- 83 por cento dos recursos financeiros utilizados na prestação de cuidados de saúde mental, em 2005, foram absorvidos pelos internamentos. No Serviço Nacional de Saúde só 56 por cento do orçamento tem idêntico destino.
- 3,5 é a percentagem de financiamento público directo investido pelo Estado na saúde mental. Os restantes países da Europa cedem até cinco por cento do orçamento da Saúde para esta área.
- 168 369 foi o número de doentes com problemas mentais graves que foram atendidos nos serviços de saúde portugueses em 2005. O valor não ultrapassa 1,7 por cento da população nacional.
- 4972 pessoas tiveram sessões de tratamento em 2005, 72 por cento das quais disponibilizadas em serviços ou departamentos dos hospitais gerais. Cada paciente teve, em média, três consultas.
ACÇÃO LOCAL
A comissão propõe que até 2016 sejam transferidos todos os serviços de locais de saúde mental ainda dependentes de hospitais psiquiátricos para departamentos de saúde mental em hospitais gerais.
FIM DO ESTIGMA
Para acabar com o estigma associado às doenças mentais a comissão sugere que os
MANUTENÇÃO
Nenhum serviço poderá ser desactivado até ao momento em que esteja criado o serviço que o substitui.
CENTRALIZADOS
50 por cento dos atendimentos nos hospitais de Coimbra e Lisboa é proveniente de outras zonas do País.
NOTAS
ADOLESCENTES SEM APOIO
Os serviços “funcionam de forma precária, abrangendo apenas um número limitado de crianças e adolescentes”, diz o relatório
FALTA DE QUALIDADE
“Os serviços sofrem insuficiências graves a nível de acessibilidade, de equidade e da qualidade de cuidados”, lê-se no documento
POUCOS PSICÓLOGOS
O relatório diz que as equipas de saúde mental contam com poucos psicólogos, enfermeiros, técnicos de serviço social e terapeutas.
500 mil precisam de tratamento
* Diana Ramos
São doenças silenciosas, difíceis de detectar e que podem causar uma vida de dependência, em que 40 por cento dos anos são vividos numa incapacidade permanente. Em Portugal, os problemas de saúde mental afectam já entre 500 e 800 mil pessoas, mas os serviços de saúde existentes apenas dão resposta a uma ínfima parte.
O número de pessoas em contacto com os serviços públicos (168 389 em 2005) mostra que só uma pequena parte das pessoas com problemas de saúde mental têm acesso aos serviços públicos especializados”, lê-se no relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, já disponível no Portal do Governo. Segundo a comissão, “o número de contactos é ainda extremamente baixo em relação ao que seria de esperar”, até porque “pelo menos cinco a oito por cento da população sofre uma perturbação psiquiátrica de certa gravidade em cada ano”.
Para António Leuschner, director do Hospital Magalhães Lemos, no Porto, e membro do núcleo executivo da comissão, “os estudos existentes sobre a saúde mental não são vastos e rigorosos”, pelo que foi preciso fazer uma “extrapolação” e comparar com as “taxas que se verificam em países com o mesmo grau de desenvolvimento e cultura”.
“Nesses países o número de pessoas que frequenta os serviços na área da psiquiatria ronda os cinco por cento”.Por cá, “o total de utilizadores dos serviços públicos de saúde mental situa-se em 1,7 por cento da população continental”. Em termos práticos, sublinha o psiquiatra, entre os 500 mil portugueses com perturbações graves “estão pessoas que podem necessitar de internamento e não têm acesso”.
Entre os piores problemas psíquicos estão as perturbações psicóticas, perturbações afectivas e problemas relacionados com álcool e drogas. “O acesso aos cuidados de saúde mental não é muito fácil, principalmente na periferia, onde há grande escassez de recursos, facto que dificulta a marcação de primeiras consultas”, diz Leuschner.
À falta de estudos concretos sobre a incidência destas doenças o psiquiatra lembra que “existe um número significativo de pessoas que, apesar de não procurarem estes serviços, têm problemas de saúde mental, pois têm de procurar tratamento com medicamentos, indicados pelo médico de família, para ansiedade, distúrbios alimentares e depressão”.
TRÊS DOS SEIS HOSPITAIS FECHADOS ATÉ 2012
O relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental propõe, até 2012, a concentração das “respostas prestadas pelos hospitais psiquiátricos em Lisboa, Porto e Coimbra num único hospital” por cidade. Segundo a comissão, o Hospital Júlio de Matos, o Magalhães Lemos e o Sobral Cid são as três estruturas que “parecem reunir as melhores condições para o efeito”, elemento que aponta para o encerramento do Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, e de dois hospitais em Coimbra.
O objectivo da comissão é pôr em prática um modelo de proximidade no atendimento, através do desenvolvimento dos serviços locais de saúde mental. Segundo o psiquiatra António Leuschner, seria criar “Unidades de Saúde Mental Comunitária cuja base, tal como para as Unidades de Saúde Familiar, deverão ser os centros de saúde”. Nos hospitais psiquiátricos passariam a ser seguidos apenas “doentes que exigem maior segurança e patologias que exigem abordagens mais especiais”.
OFERTA DE SERVIÇOS MAL DISTRIBUÍDA
O deficiente acesso aos serviços de saúde mental é nota dominante no relatório da comissão. Outro dos pontos destacados passa pela assimetria na distribuição de infra-estruturas e meios humanos ao longo do País. Existem seis hospitais psiquiátricos, um no Porto (Hospital Magalhães Lemos), três em Coimbra (Hospital Sobral Cid, Hospital do Lorvão e Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes) e dois em Lisboa (Hospital Júlio de Matos e Hospital Miguel Bombarda). Quanto aos 30 Serviços Locais de Saúde Mental, estão distribuídos sobretudo pelas capitais de distrito. Mais: “É notória a concentração de médicos psiquiatras nos distritos de Lisboa, Porto e Coimbra”, diz o relatório, sublinhando que “é igualmente clara a desigual distribuição dos especialistas entre hospitais psiquiátricos e hospitais gerais”. A proposta da comissão vai por isso “no sentido de transferir parte da capacidade de resposta dos hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais”, diz António Leuschner.
ALGARVE SEM ESPECIALISTA
Só existem 109 pedopsiquiatras no País. Os recursos “continuam a ser insuficientes para dar resposta às necessidades” das crianças. A situação é mais grave no Sul do País. Segundo António Leuschner, o Algarve não tem nenhum especialista: o apoio é dado por médicos do Hospital da Estefânia, em Lisboa.
SAIBA MAIS
- 83 por cento dos recursos financeiros utilizados na prestação de cuidados de saúde mental, em 2005, foram absorvidos pelos internamentos. No Serviço Nacional de Saúde só 56 por cento do orçamento tem idêntico destino.
- 3,5 é a percentagem de financiamento público directo investido pelo Estado na saúde mental. Os restantes países da Europa cedem até cinco por cento do orçamento da Saúde para esta área.
- 168 369 foi o número de doentes com problemas mentais graves que foram atendidos nos serviços de saúde portugueses em 2005. O valor não ultrapassa 1,7 por cento da população nacional.
- 4972 pessoas tiveram sessões de tratamento em 2005, 72 por cento das quais disponibilizadas em serviços ou departamentos dos hospitais gerais. Cada paciente teve, em média, três consultas.
ACÇÃO LOCAL
A comissão propõe que até 2016 sejam transferidos todos os serviços de locais de saúde mental ainda dependentes de hospitais psiquiátricos para departamentos de saúde mental em hospitais gerais.
FIM DO ESTIGMA
Para acabar com o estigma associado às doenças mentais a comissão sugere que os
MANUTENÇÃO
Nenhum serviço poderá ser desactivado até ao momento em que esteja criado o serviço que o substitui.
CENTRALIZADOS
50 por cento dos atendimentos nos hospitais de Coimbra e Lisboa é proveniente de outras zonas do País.
NOTAS
ADOLESCENTES SEM APOIO
Os serviços “funcionam de forma precária, abrangendo apenas um número limitado de crianças e adolescentes”, diz o relatório
FALTA DE QUALIDADE
“Os serviços sofrem insuficiências graves a nível de acessibilidade, de equidade e da qualidade de cuidados”, lê-se no documento
POUCOS PSICÓLOGOS
O relatório diz que as equipas de saúde mental contam com poucos psicólogos, enfermeiros, técnicos de serviço social e terapeutas.
in Correio da Manhã 2007.06.04
Gravura - Norman Rockwell
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