Comentário - A ofensiva contra o trabalho
* Pedro Carvalho
Vivemos uma época de forte ofensiva do capital contra trabalho. Os últimos 20 anos têm sido marcados pela regressão dos direitos económicos e sociais, pela forte redução das funções sociais do Estado e pela desregulamentação do trabalho e das relações laborais. O mundo, hoje, está mais desigual, tem mais desemprego, está mais precário e mais pobre, apesar da revolução científica-técnica.Este é o resultado da contra-ofensiva neoliberal dos anos 80, da aliança Reagan/Thatcher/Gorbatchov, que provocou e aproveitou a mudança de correlação de forças entre capital e trabalho, «oferecida» pela derrota da União Soviética, e as consequências económicas e sociais das crises do sistema capitalista. Um caminho de reversão das conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores no pós-guerra, particularmente ao nível da protecção social e da segurança no emprego. O imperialismo vestia-se de globalização, o capital, como de sua natureza, internacionalizava-se, o financeiro passou a predominar e parasitar as relações de produção e a libertinagem de circulação de capitais punha os trabalhadores em concorrência uns com outros.
A social-democracia cumpriu o seu papel histórico: uma parte vendeu-se de corpo e alma ao neoliberalismo, outra aderiu a um «novo» reformismo, para gerir os descontentamentos sociais. Hoje, na Europa, a Alemanha é um exemplo evidente do duplo papel da social-democracia e um exemplo da intensificação da exploração do trabalho através do aumento do horário e do ritmo de trabalho, da redução dos salários, da subida da idade de reforma, etc. É neste quadro que a ofensiva de classe se intensifica, utilizando o seu instrumento UE, para flexibilizar mais ainda as relações laborais, com a dita «modernização» da lei laboral e a flexigurança.
Estratégias do capital
O 25 de Abril traduziu-se na conquista de direitos sociais e laborais, na criação das principais funções sociais do Estado e da protecção social, na regulamentação do trabalho e das relações laborais, na segurança do emprego, no aumento dos rendimentos e dos salários e na redução das desigualdades. Apesar de todas as agressões, os aspectos fundamentais deste património da revolução continuam inscritos na matriz da Constituição da República.
O pináculo da contra-revolução deu-se com a adesão de Portugal à então CEE, na mesma altura que esta se «transmutava» com o seu Acto Único para dar corpo à contra-ofensiva liberal mundial. Desde então, a política de direita, executada pelos dois partidos da alternância (PS/PSD e seu coadjuvante, quando necessário, CDS-PP), consolidou-se com as políticas e orientações comunitárias. Portugal começou por «pagar» a factura da concorrência com a destruição do aparelho produtivo e a progressiva desindustrialização.
Os direitos conquistados em Abril foram postos em causa pelas opções comunitárias de classe. A caminhada para a moeda única intensificou a moderação salarial e as transferências dos ganhos de produtividade para o patronato.
Com o pacto de estabilidade impôs-se a redução das funções sociais do Estado e a progressiva privatização da segurança social. Com ambos impôs-se a ortodoxia pela flexibilidade do trabalho.
A estratégia europeia de emprego, com a dita empregabilidade, tornou o trabalhador «responsável» por não ter trabalho ou por não conseguir mantê-lo. Depois, com a directiva de liberalização dos serviços (a Prodi/Bolkestein), promoveu-se a desregulamentação do trabalho, a concorrência entre trabalhadores, o dumping social e ambiental.
A estratégia de Lisboa, produto da social-democracia e a principal agenda do patronato europeu, veio atar todas as pontas, avançando para a liberalização/privatização dos serviços públicos.
Agora, com o livro verde de modernização da lei laboral e a flexigurança, pretende-se impor a liberalização dos despedimentos e o fim da contratação colectiva, pondo em causa a nossa Constituição de República que proíbe o despedimento sem justa causa e consagra a contratação colectiva (artigos 53.º e 56.º).
A flexigurança permite que o patrão use o trabalho (o trabalhador) da forma que mais lhe convier e quando lhe convier, podendo despedir quando quiser, assumindo o Estado (todos nós) os custos desta rotação.
Esta ideia, cultivada pelo patronato europeu desde os anos 80, foi aplicada pela primeira vez na Holanda, numa altura em que mais de metade da força de trabalho tinha vínculos precários, e foi depois introduzida pelo presidente da social-democracia (PSE) na Dinamarca. Ao contrário do que se diz, não representa uma vitória dos trabalhadores dinamarqueses, mas uma derrota, uma perda de direitos sofrida com a cumplicidade de um sindicalismo rendido ao reformismo social-democrata.
Em Portugal, vivemos, de novo, uma época dos «três D» – divergência, desigualdades e desemprego. Quem ganha? Os do costume. Os lucros, em percentagem do PIB, encontram-se hoje na União Europeia ao nível mais elevado dos últimos 25 anos. A capitalização bolsista e os ganhos da Banca não param de crescer... só encontram equivalente no ritmo de endividamento das famílias.
Na Greve Geral de 30 de Maio, os trabalhadores portugueses deram um poderoso sinal de aviso ao Governo. Esta luta contra a política de direita irá continuar.
in Avante 2007.06.06
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