Saúde & Misericórdia
* Jorge Messias
Quando se faz a qualquer dos ministros de Sócrates uma pergunta política ele responde sempre com argumentação empresarial. E quando se interroga um bispo acerca das posições da igreja num quadro social concreto, a resposta é dada em termos políticos. É uma táctica concertada em comum entre as «élites» confessionais e laicas.
* Jorge Messias
Quando se faz a qualquer dos ministros de Sócrates uma pergunta política ele responde sempre com argumentação empresarial. E quando se interroga um bispo acerca das posições da igreja num quadro social concreto, a resposta é dada em termos políticos. É uma táctica concertada em comum entre as «élites» confessionais e laicas.
Prosseguem discretamente, entretanto, as operações de trespasse do poder de Estado e de retalhe e partilha do país. O governo, agora que a sua projecção vai ser maior com a presidência efémera da Comissão Europeia (pelo menos, é isso o que Sócrates deve estar a pensar) procura acelerar as iniciativas de oferta, venda e aluguer do que resta das riquezas públicas nacionais. Incansável na perseguição aos trabalhadores aplica-se a apagar, uma a uma, as luzes acesas desde o Abril revolucionário de há mais de trinta anos atrás.
A Igreja é excelente cliente. Compra áreas sociais por atacado e movimenta-se com grande à-vontade entre os seus accionistas e a concorrência. Atraem-na particularmente certos sectores específicos como os do Ensino, Obras Públicas, Turismo, Segurança Social, Poder Local e Saúde. E o governo preocupa-se em facilitar a este precioso parceiro estratégico as operações de mercado.
Os negócios da Saúde desenvolvem-se agora rapidamente e centram-se, de momento, no Norte do país. O Norte tem as regiões com maior concentração de Misericórdias e IPSS e goza da confortável vizinhança espanhola. Em breve a mancha do privado alastrará a todo o território. A área da Saúde arrasta consigo outros sectores que servem de motor de arranque a novas grandes transacções. Areja o mercado. Falar-se em Saúde tem peso no imobiliário, no farmacêutico, no trabalho e no emprego, na construção civil, na juventude e terceira idade, na informática, etc. A área da Saúde é em si mesma um universo. Envolve médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, estudantes, mutualidades, misericórdias e fundações. Quando estabelecida em rede de «privados» torna inútil a existência de qualquer serviço público no sector. Os doentes pagam e garantem as margens de lucro da exploração. O Estado financia o restante segundo os preços que forem fixados pelos patrões e pela sociedade civil.
Os problemas do cidadão-utente apenas sugerem comentários laterais. Quem quer Saúde, paga-a. O secretário-geral da União das Misericórdias, Manuel de Lemos até considerou recentemente, acerca da extinção acelerada das urgências dos hospitais civis e consequente ocupação desses espaços pela iniciativa privada: «Actualmente, a taxa moderadora é de 15 euros. Mas, mesmo que, por exemplo, uma pessoa tenha de pagar 25 euros compensa, por ter o serviço ao pé da porta...». O dr. Lemos não tem problemas de dinheiro, de cidadania ou de fidelidade democrática !
Vender tudo e fazer dinheiro...
Nas áreas do Porto e de Entre Douro e Minho, a ofensiva privada é conduzida, sobretudo, pela Hospor, do Grupo Espírito Santo, pela Rede Nacional da Saúde Privada, pelo Grupo Mello-Saúde (aos quadros do qual pertenceu o actual ministro da Saúde) e pela União das Misericórdias Portuguesas cuja intervenção em breve será reforçada com a constituição de um grupo financeiro luso-espanhol (IPSS, Misericórdias, Mutualidades, redes congéneres espanholas). A União das Misericórdias reconhece já que o objectivo central da organização «é ter na área da Saúde um papel complementar ou substitutivo do Estado». Tudo depende do que se vier a passar com o futuro do Serviço Nacional de Saúde.
Nada de mais claro se poderia dizer quanto às verdadeiras intenções do eixo Governo/Igreja /Privados. Trata-se de extinguir o SNS, serviço público, universal, geral e tendencialmente gratuito, como reza a Constituição. Mas importa extingui-lo encapotadamente: fingindo por uns tempos que ele existe. Encerrando, apenas, alguns hospitais, algumas urgências, algumas unidades de saúde. Recorrendo a deslocalizações, recibos verdes e prateleiras de quadros. Não formando o número necessário de médicos e enfermeiros mas importando-os a preços vantajosos e com contratos a prazo. Impondo gestores privados nos serviços públicos de saúde. Eliminando os médicos de família. Criando grandes espaços vazios no SNS do interior do país.
Esta estratégia está em curso há muitos anos. Foi promovida por fanáticos como Bagão Félix, Correia de Campos ou Maria José Nogueira Pinto. É sustentada por tenebrosos entendimentos entre o grande capital e a Igreja. E só se chegou ao estado em que estamos devido à cegueira de quantos eleitores deram, com o seu voto, maiorias absolutas às políticas que apenas visam a fragilização do Estado social e a destruição das conquistas de Abril. O combate é de vida ou de morte e não o podemos perder.
in Avante 2007.06.14
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