Internet: C@sa comigo.com
* Sofia Rato/ Rui Pando Gomes
Quando, em Agosto de 2002, Rosa Videira, 29 anos, se viu confrontada com o cancelamento das suas férias devido a problemas familiares, decidiu matar o tempo e entrou numa sala de conversação. “A minha mãe acabara de ter uma recaída do cancro. Eu queria desabafar o meu problema, falar com alguém”, conta.
Eesse mesmo dia apareceu o Luís Peres. Durante duas semanas partilharam desabafos e esperanças on-line até que Luís convenceu Rosa a encontrar-se com ele. Cruzaram-se no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, e sentiram imediatamente uma empatia muito grande. Tão grande que pouco depois oficializaram o namoro. “Senti que a Rosa era a minha metade”, confessa Luís.
DESEJO DE APROXIMAÇÃO
José Carlos Garrucho, psicólogo da família e do casal, acredita que todos os relacionamentos afectivos são legítimos. “Qualquer relação afectiva corresponde a um desejo de aproximação emocional e é normal que possa acontecer através da internet”, explica.
No entanto, quando uma pessoa se enamora por outra no campo virtual pode ser confrontada com duras realidades: “Na internet, muitas vezes as imagens não são reais, são falseadas: é como se nos apaixonássemos por alguém que imaginamos e com quem fantasiamos.”
Incentivada pelos amigos e colegas de trabalho, a extrovertida jornalista Diana Ralha – que torcia o nariz à tecnologia – decidiu criar um blogue (http://empantanas.blogspot.com) em Janeiro de 2005. “Pensava que era uma espécie de diário frenético para um pequeno círculo mas rapidamente percebi a dimensão da blogosfera”, recorda, divertida. Rapidamente começou a ficar viciada no número de visitantes do site. “Chegava a ter 500 visitas por dia e através dos endereços de IP conseguia saber quem eram alguns dos meus leitores”, recorda.
Diana meteu na cabeça que o grande amor da sua vida ia ser o visitante 50 mil e partilhou esta sua esperança com todos os que liam o que escrevia. João Leiria, um tímido revisor de livros, descobriu o blogue da Diana e às quatro da manhã do dia 21 de Março de 2006 enviou-lhe um e-mail com um ponto de exclamação. Era o visitante 50 mil. “Eu tinha umas insónias esquizofrénicas e passava as madrugadas em frente ao computador. Vi o e-mail dele nessa mesma madrugada”, recorda Diana, que de imediato respondeu com um “Então Parabéns”.
UM DICIONÁRIO ANTIGO
Sem saber quem era a pessoa que estava do outro lado, a jornalista mostrou alguma reserva e cerimónia e tratava-o formalmente. Rapidamente passaram à conversa através do gtalk (ferramenta do G-mail) e começaram a conhecer-se melhor. Ou a tentarem conhecer-se melhor. “Começámos a falar frequentemente e eu decidi comprar um dicionário antigo a um vizinho meu que é alfarrabista e oferecer ao João.” Diana deixou o manuscrito no Jardim da Estrela. João resgatou-o às três da madrugada.
MÃE CURIOSA
Um mês e oito dias depois do primeiro e-mail e de um intenso namoro na internet decidiram encontrar-se. João ri e comenta: “Até a minha mãe foi ler o blogue para perceber onde passava as madrugadas.” Foi a 29 de Abril de 2006. Casaram um ano depois.
A história de Pedro, 42 anos, é diferente. Vive sozinho na linha de Sintra e é pai de dois rapazes com quem está frequentemente. Um dia decidiu, por brincadeira e para ver o que dava, inscrever-se no site match.com: “Recebi um e-mail delicioso da Laura, 36 anos, divorciada e mãe de duas filhas a viver no Algarve. Perguntava-me se podíamos ser amigos. Fiquei curioso”, recorda. Entre a curiosidade e a troca frenética de e-mails e mensagens escritas foi um ápice. Até que decidiram encontrar-se a meio caminho. Pedro e Laura têm vidas atribuladas. Vivem a 300 quilómetros de distância um do outro, mas mesmo assim conseguiram encontrar-se várias vezes até que o medo de se apaixonarem os afastou. E os voltou a unir. Mais de um ano depois do primeiro contacto estão a tentar juntar os trapinhos: “Os nossos filhos não sabem, mas vamos contar-lhes em breve.”
Natália Martins, natural da Rússia, e Paulo Moreno, filho de Faro, partilham o mesmo tecto, em Loulé, no Algarve, há três anos. Conheceram-se através do chat Clube da Amizade, desenvolvido pelo ex-marido de Natália. Ela usava o pseudónimo Svetlana. Ele o nick [alcunha] Morango do Sul. Ambos procuravam alguém para desabafar. “Estava fragilizada e procurava um ombro amigo”, recorda Natália, em português perfeito, confessando só ter revelado a sua verdadeira identidade uma semana depois do início das conversações on-line. O primeiro encontro aconteceu 15 dias depois da primeira troca de mensagens, num rápido almoço em Albufeira onde timidamente trocaram os números de telemóvel. Uns dias depois, Natália comprou um carro e no dia em que o foi buscar ligou a Paulo desgostosa com a compra. Ele foi ter com ela e beijaram-se. Quatro meses depois juntaram os trapos com a bênção dos filhos de Paulo. Agora, anseiam aumentar a família.
TROCA DE CORRESPONDÊNCIA
“O casamento através da internet não é propriamente uma novidade. Antigamente os casais trocavam correspondência e muitas vezes respondiam a anúncios de jornal”, adianta José Carlos Garrucho. No entanto, o especialista também adverte para a falta de conhecimento prévio entre os membros de um casal: “Não vejo problema em conhecer alguém através da internet. No entanto, quando rapidamente se passa para o casamento, as pessoas acabam por casar com alguém que não conhecem ou de quem simplesmente sabem muito pouco.”
Contactada pelo CM, a socióloga Anália Torres, autora de vários trabalhos, entre eles o livro ‘Divórcio em Portugal’, revelou que ainda não existem estudos concretos sobre os casamentos – e os divórcios – que têm como ponto de partida a internet: “Ainda não podemos apresentar um contributo rigoroso sobre o papel na internet nas relações afectivas.”
Mesmo sem dados concretos, a realidade demonstra que cada vez mais casais se encontram graças à internet. Às vezes, não sabem o nome do vizinho da porta em frente, mas sabem tudo sobre alguém que está a teclar algures num computador.
SEM ESPAÇO PARA REJEIÇÃO
Correio da Manhã – Que opinião tem sobre o facto de as pessoas se conhecerem através da internet e estabeleceram relações afectivas a partir daí?
Bruno Inglês – Acredito que é um fenómeno crescente mas apenas uma percentagem reduzida de casais se forma dessa maneira. A principal diferença é que através da internet se ultrapassam alguns estádios do namoro convencional, sendo que toda a fase de sedução é menos ansiogénica do que no face a face. Há também a vantagem de nos podermos relacionar com inúmeros parceiros ao mesmo tempo, escolhendo os mais adequados.
– Ou seja, as pessoas conhecem outras sem estarem fisicamente com elas?
–Facilmente as pessoas obtêm uma grande quantidade de informação sobre o outro e, quando acontece o primeiro encontro, a pessoa já sabe ao que vai. Nesse sentido, a internet é um elemento facilitador. Numa sociedade onde há cada vez menos tempo para as relações interpessoais, a internet era inevitável. É uma espécie de fast food, só que numa vertente emocional/sexual.
– Ao mesmo tempo, no campo virtual existe alguma protecção e resguardo da privacidade.
– Temos de dividir os utilizadores destes canais em dois grupos: as pessoas que permanecem anónimas – podem ser pessoas com muitas dificuldades interpessoais e não têm de se confrontar com isso – e as que se identificam, para as quais este canal é um instrumento de sedução como outro qualquer. Podemos ainda dividir os utilizadores de outra forma: aqueles que querem um encontro face a face, que são a maioria; e a minoria que se quer manter exclusivamente numa ciber-relação.
– Quando um dos elementos de um casal conhece uma pessoa do sexo oposto através de uma sala de conversação ou de um site e começa a falar frequentemente com esse pessoa, acredita que isso é, ou não, traição?
– Acho que não se pode generalizar. Se existe uma relação que não passa para a esfera da sexualidade, torna-se mais difícil considerar-se traição. Claro que depende das intenções de cada interlocutor e da frequência e intensidade com que falam na internet e se essas conversas prejudicam a relação do casal. Mas julgo que é natural que o parceiro se sinta ameaçado. Nesse sentido a internet não traz nada de novo, é apenas mais um instrumento.
– Por que é que diferentes gerações recorrem à tecnologia para encontrar uma relação sexual?
– O grande trunfo da internet é que é um elemento facilitador. Tem-se acesso a muita informação sem grande esforço e aos diversos tipos de sexualidade. Vai-se conhecendo a outra pessoa e quando os dois passam para o campo real já se conhecem bem, seja no campo da amizade, do sexo, dos afectos, não havendo grande espaço para a rejeição.
– Concorda que estes métodos acarretam perigos?
– A internet acarreta perigos inerentes a todas as relações mas neste caso são potenciados pela velocidade com que as coisas se passam e pelo anonimato. Na internet é tudo tão veloz que existe uma maior propensão para os perigos, nomeadamente para a captação de imagens e vídeos com segundas intenções, para a fraude ou até para mercados de pornografia não consentida e pedofilia. Acredito que o maior perigo é para os mais jovens, nomeadamente crianças e adolescentes, que são facilmente ludibriados por cibernautas mais velhos.
DESABAFOS DE UMA MULHER DIVORCIADA
“Tinha pouco mais de 30 anos e estava sem namorado. Por vezes, quando não me aliciavam os programas com o grupo de amigos, ligava-me na net.
Já não me lembro como comecei a falar com o Gonçalo, só me recordo de termos conseguido manter uma conversa que durou quase duas horas. E isto sem trocarmos dados pessoais, nome, idade, profissão, e sem tocarmos sequer em assuntos pessoais.
Uns dias depois, voltámos a cruzar-nos. Achei-o uma pessoa interessante e engraçada e decidimos trocar e-mails. Soa estranho, claro que soa. O que pode servir de assunto entre duas pessoas que não se conhecem?
A verdade é que arranjámos sempre tema: cinema, música e outras coisas igualmente triviais. A determinada altura, decidimos marcar um encontro. Com alguma apreensão lá fui ter com ele para tomar um café. Estávamos embaraçados, mas foi divertido.
Andámos umas semanas entre o café e o jantar, até que... acabámos por nos envolver. Partilhámos o mesmo tecto durante vários anos e até chegámos a casar. Hoje já não estamos juntos, mas mesmo assim não estou nada arrependida da experiência.”
Patrícia, 42 anos, Porto.
ESPEROU 45 MINUTOS PELA AMIGA DO SITE
Rui, 50 anos, era divorciado quando, há cinco anos conheceu Ana, 48, através do match.com. Considerava-se tímido e decidiu inscrever-se no match.com, adivinhando que on-line seria tudo mais fácil: “Conheci algumas pessoas através do match.com mas o tal clique foi com a ela”, confessa este engenheiro.
“Eu era divorciada e queria conhecer alguém com quem me identificasse”, conta Ana. Para este casal, a internet tem vantagens: “Não precisamos de fingir, podemos dizer o que queremos e sermos exactamente quem somos. Se do outro lado a pessoa não estiver interessada, é porque não valia a pena”, dizem, quase em uníssono.
Durante duas semanas trocaram mensagens. Ele insistia em convidá-la para jantar. Ela recusava. Até que, numa noite em que estava chateada, ligou-lhe e sugeriu que jantassem.
“Estive 45 minutos à espera dela, já nem acreditava que viesse”, recorda Rui. Mas Ana apareceu. E entre os dois acentuou-se a empatia e a atracção. “Já não temos idade para brincar aos namoros”, revela, entre risos, Ana. Juntaram-se poucos dias depois do primeiro jantar e há cinco anos que vivem felizes.
CASOU COM VISITANTE 50 MIL DO BLOGUE
Quando criou o seu próprio blogue, em Janeiro de 2005, Diana Ralha sentiu que ia conhecer duas pessoas muito importantes na sua vida: “Sabia que o visitante 33 333 ia ser importante e que o grande amor da minha vida seria o visitante 50 mil.”
O primeiro era um jornalista com quem jantou e do qual ficou amiga. Já com o visitante 50 mil a história foi diferente.
Diana recebeu um e-mail de João Leiria às quatro da manhã de 21 de Março de 2006. Antes de se conhecerem pessoalmente brincavam ao gato e ao rato. Diana deixava-lhe presentes e recados no Jardim da Estrela, em Lisboa. João passava por casa dela de madrugada para lhe deixar cigarros ou mimos. Mas não se viam. Nem se tocavam. Não conheciam o outro fisicamente.
No dia 29 de Abril de 2006 foram jantar e apostaram numa vida a dois, ou a três, já que Diana é mãe de uma criança pequena. Casaram exactamente um ano depois, a 29 de Abril de 2007, numa cerimónia civil realizada no Coreto do Jardim da Estrela, local que serviu para inúmeros jogos e brincadeiras e onde o casal contou ao ‘CM’ a sua história de amor, no dia em que celebraram um mês de casados.
Num futuro próximo desejam ter filhos. Mas primeiro ainda têm muito para namorar.
BASTOU UM MÊS PARA DECIDIREM CASAR-SE
Teclaram durante duas semanas. Foram tomar um café e apenas um mês depois Rosa Videira e Luís Peres decidiram casar.
Foram passear aos Capuchos, perto da Costa de Caparica, e visitaram uma capela. Nesse dia, Luís pediu a namorada em casamento. E ela aceitou. Rosa tem 33 anos e é psicóloga social. Luís tem 31 anos e é técnico de produção automóvel. São casados, muito felizes e pais de um rapaz com oito meses e meio.
TODO O GÉNERO DE ENCONTROS
Maria tem 29 anos e rendeu-se ao Hi5 (www.hi5.com). Entre as várias mensagens e pedidos de amizade que recebeu apenas um a surpreendeu. “Enviaram-me uma mensagem da Alemanha, um português que reside lá, a convidar-me para trabalhar num bar de alterne. Chegou inclusivamente a dizer-me quanto poderia ganhar”, conta a jovem advogada.
Sara, 32 anos, recebeu um convite de carácter sexual através do match.com: “Um tipo perguntou-me se estava livre para sexo no fim-de-semana.” Sónia, 40 anos, é viciada em portais e em fóruns: “Até nos fóruns sobre viagens aparece sempre alguma alminha com segundas e terceiras intenções.”
TECNOLOGIA EM NÚMEROS
40 por cento dos utilizadores portugueses da internet reside na área da Grande Lisboa, segundo um estudo divulgado em 2003.
7 portais são eleitos para os endereços de e-mail: hotmail, yahoo, gmail, sapo, clix, iol e netcabo são as preferências dos portugueses.
70 por cento dos cibernautas frequenta a escola Secundária e faculdades ou possui uma licenciatura e um mestrado.
15 anos é a idade a partir da qual, segundo alguns estudos, um jovem começa a interessar-se pelas potencialidades da internet e a ficar quase viciado no messenger.
20 por cento da população activa recorre à internet no local de trabalho, por razões profissionais ou por motivos pessoais.
53 por cento dos utilizadores da internet – em casa, no trabalho ou para conversar e manter contacto com amigos - são mulheres, segundo um estudo realizado em 2003.
1 em cada três trabalhadores por conta de outrem com recurso ao e-mail e à internet admite que utiliza regularmente a tecnologia com propósitos pessoais.
DESEJO DE APROXIMAÇÃO
José Carlos Garrucho, psicólogo da família e do casal, acredita que todos os relacionamentos afectivos são legítimos. “Qualquer relação afectiva corresponde a um desejo de aproximação emocional e é normal que possa acontecer através da internet”, explica.
No entanto, quando uma pessoa se enamora por outra no campo virtual pode ser confrontada com duras realidades: “Na internet, muitas vezes as imagens não são reais, são falseadas: é como se nos apaixonássemos por alguém que imaginamos e com quem fantasiamos.”
Incentivada pelos amigos e colegas de trabalho, a extrovertida jornalista Diana Ralha – que torcia o nariz à tecnologia – decidiu criar um blogue (http://empantanas.blogspot.com) em Janeiro de 2005. “Pensava que era uma espécie de diário frenético para um pequeno círculo mas rapidamente percebi a dimensão da blogosfera”, recorda, divertida. Rapidamente começou a ficar viciada no número de visitantes do site. “Chegava a ter 500 visitas por dia e através dos endereços de IP conseguia saber quem eram alguns dos meus leitores”, recorda.
Diana meteu na cabeça que o grande amor da sua vida ia ser o visitante 50 mil e partilhou esta sua esperança com todos os que liam o que escrevia. João Leiria, um tímido revisor de livros, descobriu o blogue da Diana e às quatro da manhã do dia 21 de Março de 2006 enviou-lhe um e-mail com um ponto de exclamação. Era o visitante 50 mil. “Eu tinha umas insónias esquizofrénicas e passava as madrugadas em frente ao computador. Vi o e-mail dele nessa mesma madrugada”, recorda Diana, que de imediato respondeu com um “Então Parabéns”.
UM DICIONÁRIO ANTIGO
Sem saber quem era a pessoa que estava do outro lado, a jornalista mostrou alguma reserva e cerimónia e tratava-o formalmente. Rapidamente passaram à conversa através do gtalk (ferramenta do G-mail) e começaram a conhecer-se melhor. Ou a tentarem conhecer-se melhor. “Começámos a falar frequentemente e eu decidi comprar um dicionário antigo a um vizinho meu que é alfarrabista e oferecer ao João.” Diana deixou o manuscrito no Jardim da Estrela. João resgatou-o às três da madrugada.
MÃE CURIOSA
Um mês e oito dias depois do primeiro e-mail e de um intenso namoro na internet decidiram encontrar-se. João ri e comenta: “Até a minha mãe foi ler o blogue para perceber onde passava as madrugadas.” Foi a 29 de Abril de 2006. Casaram um ano depois.
A história de Pedro, 42 anos, é diferente. Vive sozinho na linha de Sintra e é pai de dois rapazes com quem está frequentemente. Um dia decidiu, por brincadeira e para ver o que dava, inscrever-se no site match.com: “Recebi um e-mail delicioso da Laura, 36 anos, divorciada e mãe de duas filhas a viver no Algarve. Perguntava-me se podíamos ser amigos. Fiquei curioso”, recorda. Entre a curiosidade e a troca frenética de e-mails e mensagens escritas foi um ápice. Até que decidiram encontrar-se a meio caminho. Pedro e Laura têm vidas atribuladas. Vivem a 300 quilómetros de distância um do outro, mas mesmo assim conseguiram encontrar-se várias vezes até que o medo de se apaixonarem os afastou. E os voltou a unir. Mais de um ano depois do primeiro contacto estão a tentar juntar os trapinhos: “Os nossos filhos não sabem, mas vamos contar-lhes em breve.”
Natália Martins, natural da Rússia, e Paulo Moreno, filho de Faro, partilham o mesmo tecto, em Loulé, no Algarve, há três anos. Conheceram-se através do chat Clube da Amizade, desenvolvido pelo ex-marido de Natália. Ela usava o pseudónimo Svetlana. Ele o nick [alcunha] Morango do Sul. Ambos procuravam alguém para desabafar. “Estava fragilizada e procurava um ombro amigo”, recorda Natália, em português perfeito, confessando só ter revelado a sua verdadeira identidade uma semana depois do início das conversações on-line. O primeiro encontro aconteceu 15 dias depois da primeira troca de mensagens, num rápido almoço em Albufeira onde timidamente trocaram os números de telemóvel. Uns dias depois, Natália comprou um carro e no dia em que o foi buscar ligou a Paulo desgostosa com a compra. Ele foi ter com ela e beijaram-se. Quatro meses depois juntaram os trapos com a bênção dos filhos de Paulo. Agora, anseiam aumentar a família.
TROCA DE CORRESPONDÊNCIA
“O casamento através da internet não é propriamente uma novidade. Antigamente os casais trocavam correspondência e muitas vezes respondiam a anúncios de jornal”, adianta José Carlos Garrucho. No entanto, o especialista também adverte para a falta de conhecimento prévio entre os membros de um casal: “Não vejo problema em conhecer alguém através da internet. No entanto, quando rapidamente se passa para o casamento, as pessoas acabam por casar com alguém que não conhecem ou de quem simplesmente sabem muito pouco.”
Contactada pelo CM, a socióloga Anália Torres, autora de vários trabalhos, entre eles o livro ‘Divórcio em Portugal’, revelou que ainda não existem estudos concretos sobre os casamentos – e os divórcios – que têm como ponto de partida a internet: “Ainda não podemos apresentar um contributo rigoroso sobre o papel na internet nas relações afectivas.”
Mesmo sem dados concretos, a realidade demonstra que cada vez mais casais se encontram graças à internet. Às vezes, não sabem o nome do vizinho da porta em frente, mas sabem tudo sobre alguém que está a teclar algures num computador.
SEM ESPAÇO PARA REJEIÇÃO
Correio da Manhã – Que opinião tem sobre o facto de as pessoas se conhecerem através da internet e estabeleceram relações afectivas a partir daí?
Bruno Inglês – Acredito que é um fenómeno crescente mas apenas uma percentagem reduzida de casais se forma dessa maneira. A principal diferença é que através da internet se ultrapassam alguns estádios do namoro convencional, sendo que toda a fase de sedução é menos ansiogénica do que no face a face. Há também a vantagem de nos podermos relacionar com inúmeros parceiros ao mesmo tempo, escolhendo os mais adequados.
– Ou seja, as pessoas conhecem outras sem estarem fisicamente com elas?
–Facilmente as pessoas obtêm uma grande quantidade de informação sobre o outro e, quando acontece o primeiro encontro, a pessoa já sabe ao que vai. Nesse sentido, a internet é um elemento facilitador. Numa sociedade onde há cada vez menos tempo para as relações interpessoais, a internet era inevitável. É uma espécie de fast food, só que numa vertente emocional/sexual.
– Ao mesmo tempo, no campo virtual existe alguma protecção e resguardo da privacidade.
– Temos de dividir os utilizadores destes canais em dois grupos: as pessoas que permanecem anónimas – podem ser pessoas com muitas dificuldades interpessoais e não têm de se confrontar com isso – e as que se identificam, para as quais este canal é um instrumento de sedução como outro qualquer. Podemos ainda dividir os utilizadores de outra forma: aqueles que querem um encontro face a face, que são a maioria; e a minoria que se quer manter exclusivamente numa ciber-relação.
– Quando um dos elementos de um casal conhece uma pessoa do sexo oposto através de uma sala de conversação ou de um site e começa a falar frequentemente com esse pessoa, acredita que isso é, ou não, traição?
– Acho que não se pode generalizar. Se existe uma relação que não passa para a esfera da sexualidade, torna-se mais difícil considerar-se traição. Claro que depende das intenções de cada interlocutor e da frequência e intensidade com que falam na internet e se essas conversas prejudicam a relação do casal. Mas julgo que é natural que o parceiro se sinta ameaçado. Nesse sentido a internet não traz nada de novo, é apenas mais um instrumento.
– Por que é que diferentes gerações recorrem à tecnologia para encontrar uma relação sexual?
– O grande trunfo da internet é que é um elemento facilitador. Tem-se acesso a muita informação sem grande esforço e aos diversos tipos de sexualidade. Vai-se conhecendo a outra pessoa e quando os dois passam para o campo real já se conhecem bem, seja no campo da amizade, do sexo, dos afectos, não havendo grande espaço para a rejeição.
– Concorda que estes métodos acarretam perigos?
– A internet acarreta perigos inerentes a todas as relações mas neste caso são potenciados pela velocidade com que as coisas se passam e pelo anonimato. Na internet é tudo tão veloz que existe uma maior propensão para os perigos, nomeadamente para a captação de imagens e vídeos com segundas intenções, para a fraude ou até para mercados de pornografia não consentida e pedofilia. Acredito que o maior perigo é para os mais jovens, nomeadamente crianças e adolescentes, que são facilmente ludibriados por cibernautas mais velhos.
DESABAFOS DE UMA MULHER DIVORCIADA
“Tinha pouco mais de 30 anos e estava sem namorado. Por vezes, quando não me aliciavam os programas com o grupo de amigos, ligava-me na net.
Já não me lembro como comecei a falar com o Gonçalo, só me recordo de termos conseguido manter uma conversa que durou quase duas horas. E isto sem trocarmos dados pessoais, nome, idade, profissão, e sem tocarmos sequer em assuntos pessoais.
Uns dias depois, voltámos a cruzar-nos. Achei-o uma pessoa interessante e engraçada e decidimos trocar e-mails. Soa estranho, claro que soa. O que pode servir de assunto entre duas pessoas que não se conhecem?
A verdade é que arranjámos sempre tema: cinema, música e outras coisas igualmente triviais. A determinada altura, decidimos marcar um encontro. Com alguma apreensão lá fui ter com ele para tomar um café. Estávamos embaraçados, mas foi divertido.
Andámos umas semanas entre o café e o jantar, até que... acabámos por nos envolver. Partilhámos o mesmo tecto durante vários anos e até chegámos a casar. Hoje já não estamos juntos, mas mesmo assim não estou nada arrependida da experiência.”
Patrícia, 42 anos, Porto.
ESPEROU 45 MINUTOS PELA AMIGA DO SITE
Rui, 50 anos, era divorciado quando, há cinco anos conheceu Ana, 48, através do match.com. Considerava-se tímido e decidiu inscrever-se no match.com, adivinhando que on-line seria tudo mais fácil: “Conheci algumas pessoas através do match.com mas o tal clique foi com a ela”, confessa este engenheiro.
“Eu era divorciada e queria conhecer alguém com quem me identificasse”, conta Ana. Para este casal, a internet tem vantagens: “Não precisamos de fingir, podemos dizer o que queremos e sermos exactamente quem somos. Se do outro lado a pessoa não estiver interessada, é porque não valia a pena”, dizem, quase em uníssono.
Durante duas semanas trocaram mensagens. Ele insistia em convidá-la para jantar. Ela recusava. Até que, numa noite em que estava chateada, ligou-lhe e sugeriu que jantassem.
“Estive 45 minutos à espera dela, já nem acreditava que viesse”, recorda Rui. Mas Ana apareceu. E entre os dois acentuou-se a empatia e a atracção. “Já não temos idade para brincar aos namoros”, revela, entre risos, Ana. Juntaram-se poucos dias depois do primeiro jantar e há cinco anos que vivem felizes.
CASOU COM VISITANTE 50 MIL DO BLOGUE
Quando criou o seu próprio blogue, em Janeiro de 2005, Diana Ralha sentiu que ia conhecer duas pessoas muito importantes na sua vida: “Sabia que o visitante 33 333 ia ser importante e que o grande amor da minha vida seria o visitante 50 mil.”
O primeiro era um jornalista com quem jantou e do qual ficou amiga. Já com o visitante 50 mil a história foi diferente.
Diana recebeu um e-mail de João Leiria às quatro da manhã de 21 de Março de 2006. Antes de se conhecerem pessoalmente brincavam ao gato e ao rato. Diana deixava-lhe presentes e recados no Jardim da Estrela, em Lisboa. João passava por casa dela de madrugada para lhe deixar cigarros ou mimos. Mas não se viam. Nem se tocavam. Não conheciam o outro fisicamente.
No dia 29 de Abril de 2006 foram jantar e apostaram numa vida a dois, ou a três, já que Diana é mãe de uma criança pequena. Casaram exactamente um ano depois, a 29 de Abril de 2007, numa cerimónia civil realizada no Coreto do Jardim da Estrela, local que serviu para inúmeros jogos e brincadeiras e onde o casal contou ao ‘CM’ a sua história de amor, no dia em que celebraram um mês de casados.
Num futuro próximo desejam ter filhos. Mas primeiro ainda têm muito para namorar.
BASTOU UM MÊS PARA DECIDIREM CASAR-SE
Teclaram durante duas semanas. Foram tomar um café e apenas um mês depois Rosa Videira e Luís Peres decidiram casar.
Foram passear aos Capuchos, perto da Costa de Caparica, e visitaram uma capela. Nesse dia, Luís pediu a namorada em casamento. E ela aceitou. Rosa tem 33 anos e é psicóloga social. Luís tem 31 anos e é técnico de produção automóvel. São casados, muito felizes e pais de um rapaz com oito meses e meio.
TODO O GÉNERO DE ENCONTROS
Maria tem 29 anos e rendeu-se ao Hi5 (www.hi5.com). Entre as várias mensagens e pedidos de amizade que recebeu apenas um a surpreendeu. “Enviaram-me uma mensagem da Alemanha, um português que reside lá, a convidar-me para trabalhar num bar de alterne. Chegou inclusivamente a dizer-me quanto poderia ganhar”, conta a jovem advogada.
Sara, 32 anos, recebeu um convite de carácter sexual através do match.com: “Um tipo perguntou-me se estava livre para sexo no fim-de-semana.” Sónia, 40 anos, é viciada em portais e em fóruns: “Até nos fóruns sobre viagens aparece sempre alguma alminha com segundas e terceiras intenções.”
TECNOLOGIA EM NÚMEROS
40 por cento dos utilizadores portugueses da internet reside na área da Grande Lisboa, segundo um estudo divulgado em 2003.
7 portais são eleitos para os endereços de e-mail: hotmail, yahoo, gmail, sapo, clix, iol e netcabo são as preferências dos portugueses.
70 por cento dos cibernautas frequenta a escola Secundária e faculdades ou possui uma licenciatura e um mestrado.
15 anos é a idade a partir da qual, segundo alguns estudos, um jovem começa a interessar-se pelas potencialidades da internet e a ficar quase viciado no messenger.
20 por cento da população activa recorre à internet no local de trabalho, por razões profissionais ou por motivos pessoais.
53 por cento dos utilizadores da internet – em casa, no trabalho ou para conversar e manter contacto com amigos - são mulheres, segundo um estudo realizado em 2003.
1 em cada três trabalhadores por conta de outrem com recurso ao e-mail e à internet admite que utiliza regularmente a tecnologia com propósitos pessoais.
in Correio da Manhã 2007.06.09
foto Rui Pando Gomes
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