Foto Victor Nogueira
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* Victor Nogueira
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Ao Camarada Gilberto,
Mui feliz e mui contente,
Tenha um sorriso aberto,
Fique bom bem de repente.
Ao Camarada Gilberto,
Mui feliz e mui contente,
Tenha um sorriso aberto,
Fique bom bem de repente.
Fique bom mui de repente
Regressando á Boa Hora
Com outra vida nascente
Na D.Vasco, onde mora!
Na D. Vasco, onde mora,
Numa casa com jardim,
Onde fique com demora,
Com amigos, em festim.
Cem amigos, em festim,
No seu cantinho bailando,
Com banda, um lagostim,
Mas sem rato formigando.
Pois com rato formigando,
Fica o caldo entornado,
A Fatinha rabiando,
Com mau sono, estragado.
Sem seu sono estragado,
Ao Gilberto desejamos,
Bom retorno, bem curado,
Florindo, com verde ramos.
Florindo, com verde ramos,
Com a Rosa e Margarida,
E assim andando vamos,
Oliveira, de saída.
Victor Nogueira
Setúbal, 1997.02.24 (1)
1 - 9702.239.1/8.037
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Sábado, Julho 29, 2006
O campo de concentração do Tarrafal: a «frigideira»
Setúbal, 1997.02.24 (1)
1 - 9702.239.1/8.037
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Sábado, Julho 29, 2006
O campo de concentração do Tarrafal: a «frigideira»
Propomos aqui a feitura duma série dedicada ao campo de concentração do Tarrafal, iniciando-a com o testemunho de Gilberto Oliveira sobre o que era estar enclausurado na inumana cela conhecida por «frigideira».
Este excerto surgiu inicialmente num trabalho da jornalista São José Almeida, publicado no Público em 2004 por ocasião dos 30 anos da revolução de Abril.
A "frigideira"
A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o tecto em cimento. Uma caixa rectangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentidos opostos. As portas de ferro tinham meia dúzia de orificiozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao tecto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada.
O arejamento só podia ser feito quando a porta se abrisse para logo ser fechada, o que acontecia apenas de manhã e à tarde no momento da entrega das 'refeições', refeições cujo significado, neste caso, exprime um sentido grotesco. Axfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma das celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a acção permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipóteses de sombra. Apanhava sol durante o dia inteiro. À noite, claro, sofria as consequências da temperatura que, em certas épocas do ano, naquela parte do arquipélago, é muito acentuada nas mudanças do dia para a noite.
Quando se estava na frigideira- e aconteceu estarem doze homens numa só cela- a humidade da respiração condensava-se nas paredes por onde escorria. Não é necessário ter muita imaginação para se fazer uma ideia do que podia acontecer quando doze homens tentavam respirar dentro de uma caixa daquelas, com o sol tropical a aquecer pelo exterior, e onde a evaporação do ar respirado escorria pelas paredes. Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semiasfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejectos de que todos eram obrigados a servir-se; um buraco enfim, onde os homens eram tratados pior que animais.
Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinava a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta. Essa foi uma das invenções do «cristianíssimo» fascismo deste país de brandos costumes.
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Gilberto Oliveira, Memória Viva do Tarrafal, Edições Avante!, 1987
Referência bibliográfica a inserir na Bibliografia temática da «Antologia da Resistência», na secção «Testemunhos»:
*OLIVEIRA, Gilberto (1987), “A «frigideira»”, Memória viva do Tarrafal, Lisboa, Edições Avante!, col. «Resistência» (n.º 19), 244 p., excerto reproduzido inicialmente por Sandra Cristina Almeida no blogue História e Ciência; http://historiaeciencia.weblog.com.pt/
At 9:25 AM, Daniel Melo said...
Breve biografia de José Gilberto FLorindo de Oliveira:
preso pela 1.ª vez em I/1933, como dirigente das Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas. Saiu em liberdade em III/1935. Participou no VII Cong.º da Internacional Comunista e no VI Cong.º da Internacional Juvenil, em Moscovo, juntamente com Álvaro Cunhal. EM VII/1936 é novamente detido, sendo enviado para o Tarrafal, onde fica enclausurado até I/1946. Participou no II Cong.º Ilegal do PCP (1946). Passou entretanto à clandestinidade, aí permanecendo durante vários anos. Foi membro do Comité Central do PCP, na clandestinidade. Publicou o livro Memória Viva do Tarrafal - Edições Avante, colecção Resistência, para além de poesia e outros escritos não publicados.
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Este excerto surgiu inicialmente num trabalho da jornalista São José Almeida, publicado no Público em 2004 por ocasião dos 30 anos da revolução de Abril.
A "frigideira"
A frigideira era uma construção em cimento, fechada, completamente fechada, com as paredes, o chão e o tecto em cimento. Uma caixa rectangular com uns cinco a seis metros de comprimento por três de largura. Um bloco interiormente dividido ao meio por uma parede a separar duas celas, cada uma com a sua porta de ferro, que se abriam em sentidos opostos. As portas de ferro tinham meia dúzia de orificiozinhos de diâmetro inferior a um centímetro por onde se fazia um simulacro de arejamento. Por cima das portas, junto ao tecto, uma pequena fresta gradeada. Mais nada.
O arejamento só podia ser feito quando a porta se abrisse para logo ser fechada, o que acontecia apenas de manhã e à tarde no momento da entrega das 'refeições', refeições cujo significado, neste caso, exprime um sentido grotesco. Axfixiava-se ali dentro. A altura, no interior de cada uma das celas, seria de uns dois metros e meio no máximo, era, de facto, uma caixa completamente fechada e durante todo o dia estava sob a acção permanente do sol, por ter sido construída num local completamente isolado e sem hipóteses de sombra. Apanhava sol durante o dia inteiro. À noite, claro, sofria as consequências da temperatura que, em certas épocas do ano, naquela parte do arquipélago, é muito acentuada nas mudanças do dia para a noite.
Quando se estava na frigideira- e aconteceu estarem doze homens numa só cela- a humidade da respiração condensava-se nas paredes por onde escorria. Não é necessário ter muita imaginação para se fazer uma ideia do que podia acontecer quando doze homens tentavam respirar dentro de uma caixa daquelas, com o sol tropical a aquecer pelo exterior, e onde a evaporação do ar respirado escorria pelas paredes. Os corpos encharcados, o ar sem oxigénio sufocante, a fazer o sangue latejar nas fontes, os peitos oprimidos numa semiasfixia de endoidecer, com toda aquela humidade viscosa, acicatada pelos ácidos pútridos do latão dos dejectos de que todos eram obrigados a servir-se; um buraco enfim, onde os homens eram tratados pior que animais.
Vários homens juntos, uma semana, duas semanas, sem qualquer interrupção, alimentados um dia a pão e água, outro dia a pão e caldo de sopa, alternadamente, como determinava a ordem do dia, que estabelecia o regime dos castigados. Além disso, pior também do que animais, tendo por cama o chão nu e áspero do cimento e por cobertor apenas o peso da atmosfera saturada e pestilenta. Essa foi uma das invenções do «cristianíssimo» fascismo deste país de brandos costumes.
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Gilberto Oliveira, Memória Viva do Tarrafal, Edições Avante!, 1987
Referência bibliográfica a inserir na Bibliografia temática da «Antologia da Resistência», na secção «Testemunhos»:
*OLIVEIRA, Gilberto (1987), “A «frigideira»”, Memória viva do Tarrafal, Lisboa, Edições Avante!, col. «Resistência» (n.º 19), 244 p., excerto reproduzido inicialmente por Sandra Cristina Almeida no blogue História e Ciência; http://historiaeciencia.weblog.com.pt/
At 9:25 AM, Daniel Melo said...
Breve biografia de José Gilberto FLorindo de Oliveira:
preso pela 1.ª vez em I/1933, como dirigente das Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas. Saiu em liberdade em III/1935. Participou no VII Cong.º da Internacional Comunista e no VI Cong.º da Internacional Juvenil, em Moscovo, juntamente com Álvaro Cunhal. EM VII/1936 é novamente detido, sendo enviado para o Tarrafal, onde fica enclausurado até I/1946. Participou no II Cong.º Ilegal do PCP (1946). Passou entretanto à clandestinidade, aí permanecendo durante vários anos. Foi membro do Comité Central do PCP, na clandestinidade. Publicou o livro Memória Viva do Tarrafal - Edições Avante, colecção Resistência, para além de poesia e outros escritos não publicados.
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(fonte principal: AAVV, Tarrafal - testemunhos, 4.ª ed., Lisboa, Edt. Caminho, 1978, p.336).
NOTA - Um dia falarei de como conheci o camarada Gilberto e como nos tornámos amigos até à morte dele. Hoje é apenas meu convidado, em retribuição das muitas vezes que estive em casa dele, ouvindo as suas memórias, conversando ou «fixando» a versão definitiva da poesia dele, uma vez que já estava cego.
VN
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