Durante mais de três décadas, em tempos duros de clandestinidade, tornou-se um nome lendário entre membros do Partido.
Poucos sabiam quem era.
O homem que vivia sob esse pseudónimo fascinava pela força da sua personalidade aqueles que tinham oportunidade de o conhecer pessoalmente. O que era muito raro. Os cuidados de defesa conspirativa assim o exigiam. Mas registe-se que também era avesso a protagonismos. Tinha a enorme dimensão de um saber nascido de uma visão realista e concreta da vida. Conseguia um pensamento raramente culto, entre o popular e o erudito.
Mantinha nas mais duras condições uma alegria genuína de viver, num carácter marcado pela tenacidade, lealdade, sentido da realidade, solidariedade.
Foi um campeão da luta clandestina.
Quando o livro «A resistência em Portugal», agora reeditado com o nome do seu autor Dias Coelho, foi publicado clandestinamente, apresentava como autor o nome de Amílcar Gomes Duarte.
Eram os pseudónimos usados pelos então três membros do secretariado clandestino do PCP, um dos quais ele próprio. Gomes era o pseudónimo de Pires Jorge, Duarte era Álvaro Cunhal.
Gomes foi preso em 1961. Duarte em 1949. Sobre Amílcar recaiu o peso de uma parte insubstituível da continuidade do trabalho do Partido. Desde o conhecimento dos quadros e das organizações, à memória das experiências e lições da clandestinidade, e à manutenção da experiência política e da orientação ideológica.
No Secretariado do Partido fez barreira às vagas da repressão fascista. Com bom senso, reflexão ampla e meditada. Tinha um talento inexcedível para as tácticas e a estratégia necessárias à defesa do partido e dos quadros na luta clandestina. E conduzia a sua acção política com um conhecimento profundo da vida e das pessoas, considerando-as na sua humanidade, nas suas qualidades e defeitos, compreendendo-as e ajudando-as, sensível aos seus problemas humanos.
Amílcar foi quem durante mais anos ficou como responsável pelo «Avante!» clandestino, entre 1947 e 1972. E nesses anos de desesperada repressão as notícias que a censura queria a todo o custo calar passavam todas elas pelas mãos de Amílcar.
Foi uma luta de persistência, conduzida com enorme inteligência, força vigorosa, contagiante, calma - e também encorajante e jovial.
Durante mais de 32 anos, nas sombras luminosas dos subterrâneos da clandestinidade, Amílcar esteve lá, consciente da necessidade imperiosa do exercício da liberdade pelo Partido em condições de clandestinidade na luta contra a ditadura fascista.
Com o 25 de Abril Amílcar desapareceu.
Foi o último camarada da direcção do Partido a sair da clandestinidade. Apareceu à luz do dia o camarada Sérgio Vilarigues.
Esteve connosco, no seu, no nosso Partido, até ao passado dia 8.
Artigo publicado na Edição Nº1733 AVANTE |
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