A Internacional

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segunda-feira, maio 07, 2007


Sérgio Vilarigues -
«Para a ditadura,Tarrafal queria dizer morrer longe»


Escrito por Revista «O Militante»
01-Set-2006

O campo de concentração do Tarrafal, emblema das mais sinistras prisões da ditadura fascista chefiada por Salazar, foi aberto há 70 anos, na ilha de Santiago no arquipélago de Cabo Verde, então colónia portuguesa e hoje país independente. Para o campo do Tarrafal foram enviados centenas de presos antifascistas, dos quais cerca de três dezenas haveriam de morrer em condições desumanas.

A história sinistra do Tarrafal foi escrita a sangue pela coragem, espírito de luta e abnegação heróica de centenas de patriotas portugueses e africanos ali sujeitos a condições prisionais arbitrárias e extremamente penosas.

Sérgio Vilarigues, actualmente com 91 anos, integrou o grupo dos primeiros presos enviados para o Tarrafal. Tinha sido preso em Lisboa, no mês de Setembro de 1934, com um grupo de seis camaradas. Espancado na esquadra do Calvário, julgado e condenado por pertencer às Juventudes Comunistas e ao PCP, cumpriu integralmente a sua pena no presídio de Angra do Heroísmo. Mas, em vez de ser restituído à liberdade, foi obrigado a embarcar para o novo cativeiro do Tarrafal, de onde só viria a sair em 1940, a título “condicional”, devido à chamada amnistia dos Centenários... Esta breve conversa com Sérgio Vilarigues, dirigente histórico do nosso Partido que durante muitos anos integrou os seus organismos executivos, pretende dar uma ideia do que representou, no quadro da repressão fascista, a criação do Campo de Concentração do Tarrafal.

Camarada Sérgio Vilarigues, em que contexto decidiu a ditadura salazarista criar o Campo de Concentração do Tarrafal?

Na minha opinião, e penso que não será só a minha, o campo destinava-se a liquidar, em condições menos expostas, uma boa parte dos elementos mais firmes da luta contra o fascismo.

Era para não se ouvir aqui a sua voz?

Penso que sim, esperavam que de tão longe não chegasse cá a voz dos presos. Mas acabou por chegar, e bem.

Era o vosso famoso sistema de comunicação?

A primeira das nossas preocupações em nova situação prisional era combater o isolamento que nos queriam impor, era estudar novos meios de comunicação entre nós. Tratava-se de uma forma de luta e resistência. E de sobrevivência, como muitas outras.

Como foi a ida para Cabo Verde?

Quando fui para lá já tinha acabado de cumprir a pena havia três meses. Estava em Angra do Heroísmo, na Fortaleza de S. João Baptista. Aí foram largados setenta e tal presos dos que vinham do Continente e escolheram outros setenta e tal para seguirem viagem. Ia também uma companhia da GNR para nos guardar, provisoriamente, no Tarrafal. Fez um cerco quando chegou a Angra a ameaçou logo que, ao mais pequeno pio, trabalhariam as metralhadoras e as mangueiras do barco com água a ferver. Ainda a propósito de comunicação entre nós: chegámos ao barco e dez minutos depois já estávamos em comunicação com o outro porão. Os presos são assim, há quem diga que nas prisões não se luta, mas eu digo-te: luta-se e de que maneira!

Mesmo no campo de concentração?

Claro, quantas lutas, e vitoriosas, lá fizemos. Eram combates pelos nossos direitos, se assim se pode dizer de um sítio onde é quase caricato falar de direitos, mas sobretudo pela nossa sobrevivência. Porque era disso que se tratava: mandaram-nos para ali para morrermos ali. Isso mesmo nos dizia o Seixas, chefe dos pides do campo: “Tudo o que veio para aqui foi para morrer, lapas e tudo”. Acabou por morrer de podre depois do 25 de Abril, era um depravado, não foi por qualquer castigo pelo mal que fez a tantas pessoas. Ele e todos os outros. E olha que, não sendo eu de vinganças, nada disso, mas não tenho problemas em dizer ainda hoje que não me repugnava ver um Pide sofrer só um pouco, um pouquinho, daquilo que nós sofremos às mãos deles.

Então a mudança para o Tarrafal...

Mudaram-nos para o Tarrafal porque em Angra era muito mais difícil matar, o clima e as condições sanitárias não eram tão maus. Não havia paludismo, não havia malária, e havia uma população à qual os nossos gritos chegavam facilmente. E estávamos mais perto do Continente. As ligações não eram muitas, mas sempre havia um barco, creio que semanal, o que tornava mais fácil e mais rápido fazer chegar as notícias ao Continente.

E havia a célebre “frigideira”...

Sim, havia a frigideira no Tarrafal, mas em Angra também tínhamos a poterna, que não era melhor... A frigideira contribuiu para a morte de vários presos, mas pior do que ela talvez fosse a insalubridade, a água absolutamente inquinada, a falta de higiene, a ausência de assistência médica, a desumanidade, o mal... Até os medicamentos pessoais, que tínhamos connosco ou que nos eram enviados de Portugal, com muitos sacrifícios, pelas nossas famílias e pela solidariedade de amigos, nos eram roubados. Por eles, pelos guardas, pelos esbirros, pelo sistema...

Não achas que os governos de Portugal e Cabo Verde deviam colaborar com vista a preservar a memória de um dos símbolos mais terríveis da repressão fascista contra Portugueses e Africanos?

Lá achar, acho. Mas o que tem sido feito, e eu até já fui convidado para uma dessas excursões, são visitas com muitos empresários e muito boa mesa. E depois acompanham esses cruzeiros com evocações mais ou menos idiotas que resultam em choradeiras pelo macaquinho que morreu, coitadinho, e em desculpas do regimes fascista, que afinal nem era assim tão fascista e afinal os presos do Tarrafal nem morreram todos. Para isso já dei. Quanto à memória do Tarrafal, não sei se os políticos no poder estão de facto interessados em preservá-la. Parece-me até que não. Houve promessas, palavras ditas, projectos ao vento, até de um filme... Sabes dizer-me onde estão as obras?

Seja como for é necessário que os antifascistas, e em primeiro lugar os comunistas – que foram quem pagou o preço mais alto pelo seu amor à liberdade – persistam na luta para que não caia no esquecimento o que foi e o que significou o Tarrafal.

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