A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, maio 04, 2007


O infiltrado



Ele não gosta como o 25 de Abril tem andado a ser celebrado. Não espanta: há mais como ele. Não muitos no âmbito das minhas relações pessoais, deixem-me dizê-lo, mas também não admira: os do tal âmbito das minhas relações pessoais aparecem muito pouco na televisão. Ele, sim, aparece. Sempre apareceu, mas muito mais de há cerca de um ano para cá, como é natural. Não gosta ele, pois, do modo como o 25 de Abril é lembrado ano após ano. Compreendo-o lindamente. Desde que me coloque no seu lugar, digamos assim, sendo claro que a frase não deve ser entendida literalmente, já se vê, até porque faltas de respeito não são comigo. De facto, percebo que lhe seja muito desagradável. Na sessão pontualmente realizada na Assembleia da República, tudo muito formal, os deputados todos engravatados (menos Madeira Lopes, o deputado de «Os Verdes» que persiste em desafiar o bom-gosto no bem trajar, o que também não pode deixar de desagradar mas, enfim, ainda é o menos), ainda muitos cravos vermelhos nas lapelas dos convidados e, para mais, discursos. Discursos desencontrados, note-se: os deputados de cada um dos partidos insistem em dizer cada qual a sua coisa, não há meio de dizerem todos o mesmo. Como a ele agradaria. Desde que dissessem o que ele entende que deveria ser dito. A diversidade gera confusão, pelo menos em certas cabeças. Talvez como a dele próprio, não sei. De qualquer modo, porque ele não gosta destas celebrações de Abril, talvez por causa do formalismo na AR, provavelmente mais ainda pelas celebrações nas ruas com a Avenida da Liberdade entupida durante horas e noutros lugares do País o trânsito também prejudicado, pela rádio que neste dia vai às prateleiras repescar canções revolucionárias, há quem, suspeitoso, desconfie de que ele não gosta é mesmo é do 25 de Abril propriamente dito. Talvez porque aquilo foi uma revolução e, já se sabe, uma revolução é uma desarrumação do que estava muito arrumadinho. E, justiça se lhe faça, ele é um homem arrumado. De um certo tipo de arrumação, naturalmente. Como toda a gente.

O parecer e o ser

De qualquer modo, faço questão de dizer que tenho a suspeita por injustiça. E tenho motivos para isso. Bem me lembro de, não há muito tempo, andava o País em campanha eleitoral, vê-lo entre muita gente mais de cravo vermelho na mão e até, se não me enganam memória e ouvidos, a cantar a «Grândola». Não muito bem, é certo, um pouco desafinado e sem saber as palavras todas, mas é claro que um homem não pode saber tudo e ele, como bem de sabe, sabe muitíssimo de outras cantigas onde a música é outra, sem nada a ver com o José Afonso. Mas esse momento do cravo em punho e «Grândola» na boca ocorreu noutro contexto, e é preciso saber distinguir os contextos. Se, como disse o poeta, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, também é certo que com o tempo, mesmo breve tempo, também podem mudar-se as aparências. É o caso. Infelizmente, porém, é preciso notar que aqui se suscita uma questão que não é pequena. Não é que ele, lá por não lhe quadrar este modo já tradicional de festejar Abril, seja propriamente contra o 25. O caso é que, como lindamente disse o senhor que de algum modo é o antecessor não apenas dele mas também de todos nós (embora de maneiras diversas e até opostas, é claro), em política o que parece é. Ora, confessemo-lo ainda que com a tristeza na alma, com aquele desabafo de não gostar das comemorações do 25 de Abril ele pareceu ser pelo coração um adversário de Abril. Pareceu, e em política o que parece é. Para mais, dizendo-o onde disse, no dia em que o disse, com toda a gente a poder ouvi-lo. Tenhamos coragem e utilizemos a palavra que a circunstância permite, se é que não impõe: pareceu um infiltrado do anti-Abril, aparência tanto mais inconveniente quanto aconteceu em lugar ainda contaminado por cravos vermelhos. Infestado, dirão talvez alguns. Não ele, sublinhe-se: isso de andar de cravo vermelho ao peito no dia do 25 de Abril não é obrigatório nem quer dizer tudo. Mas é verdade, pareceu mesmo um infiltrado da direita que nunca se conformou com Abril, e em política... Uma chatice, enfim, com perdão da palavra. É certo que na altura própria ele não esteve implicado no 25, nem nos seus antecedentes, nem nos seus imediatos consequentes. Mas por uma boa presumível razão: estava a estudar. Aliás, dos frutos desse estudo muito se viu e decerto se continuará a ver. Aposto mesmo que, embora sempre pelos mesmos livros, continua a estudar.

Talvez por isso não goste dos festejos de Abril tal como têm sido feitos: muita gente, muito barulho, palavras de ordem irreverentes. Assim não deixam um homem trabalhar.

in AVANTE 2007.05.03

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