O último adeus a Virgínia Moura
Foi na terça-feira a enterrar Virgínia Moura, destacada militante do PCP, falecida no passado domingo no Porto. No seu funeral, ao qual aderiram milhares de pessoas, integrou-se Carlos Carvalhas, secretário-geral do PCP, que interveio para lembrar «o empenhamento de uma vida inteira na luta por um mundo melhor, as suas firmes convicções de comunista, a sua inteireza, o carinho e a fraternidade da sua relação com os outros».
Recordando a figura exemplar de Virgínia Moura, Carlos Carvalhas disse que a sua vida, daquela que foi a primeira mulher formada em engenharia civil no nosso país, «confunde-se com a longa e corajosa luta do nosso povo contra ditadura fascista, pela liberdade e pela democracia.
«A Vírginia Moura com o seu companheiro de uma vida António Lobão Vital foram extraordinários artífices de pequenas e grandes lutas pela liberdade, pacientes construtores da unidade anti-fascista, assuindo exemplarmente um quotidiano confronto, sem concessões com um regime opressor e ditadorial. Foram reconhecidamente dois dos mais destacados rostos legais do PCP. Constituíram uma referência política e moral fundamental para gerações de jovens, de trabalhadores e destacados intelectuais.
«Ela esteve sempre lá, onde se tratava de disputar palmo a palmo um pequeno espaço de liberdade que o fascimo negava.
«Presa dezasseis vezes, nove vezes processada e três vezes condenada, agredida inúmeras veses pela polícia política durante actos públicos de afirmação democrática, a vida de Virgínia Moura foi um constante confronto com o fascismo. Esteve nos combates do MUNAF, do MUD e do Movimento Nacional Democrático; nas batalhas políticas em torno das "presidenciais" com as candidaturas de Norton de Matos, de Ruy Luís Gomes, de Humberto Delgado; nos congressos da oposição democrática e nas campanhas políticas de massas desenvolvidas em torno das farsas eleitorias para a chamada Assembleia Nacional, em 1969 e 1973; nas pequenas e grandes lutas pela paz, pela solidariedade com os presos políticos e contra a repressão, pela melhoria das condições de vida do povo, pela libertação dos povos colonizados, pela igualdade e afirmação dos direitos das mulheres e da sua participação na vida política, pela criação das condições que conduziram ao derrubamento do fascismo e à Revolução de Abril, de que foi igualmente participante e obreira entusiástica e empenhada. E recordamos aqui a sua alegria, nas primeiras horas da libertação a seguir ao 25 de Abril, como também a sua presença e contribuição apaixonada nos combates pela defesa e construção da democracia, procurando sempre intervir até ao último sopro de vida, como deu ainda recentemente testemunho pela sua participação activa na luta contra o aborto clandestino, pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
«Por tudo isto e pelo seu modo espontâneo de se dar aos outros, o seu modo de compreender os outro, a sua modéstia feita de humanidade, de sabedoria de de convicções, a sua afabilidade que nela tão bem se harmonizava com a rijeza do granito do Porto, Virgínia, a "Senhora Engenheira" como por tantos era cariinhosamente tratada, foi uma figura querida, uma filha do povo que, por onde passava, deixava um rasto de acenos, de abraços, de palavras fraternas de um sem número de amigos. Reconhecimento e carinho que tantos mais uma vez lhe demonstraram há dias quando da sua presença em Aveiro nas comemorações do 25º aniversário do 3º Congresso da Oposição Democrática.
«Virgínia Moura era assim - de rosto voltado para o futuro. Não faltava quando era preciso, estava sempre lá.
«Comunista, revolucionária, cidadã esclarecida do nosso tempo que identificou a sua vida com a luta do povo e com as grandes causas da democracia, lega-nos o exemplo de quem soube permanecer fiel aos ideias da sua juventude e de quem soube identificar a sua vida com as grandes causas da emancipação social e política dos trabalhadores e da construção de uma democracia avançada.
«Creio interpretar o sentimento e a convicção dos que a conheceram e com ela lutaram ao dizer que, no momento de uma separação física que as leis da vida impõem, o testemunho e o exemplo de Virgínia Moura permanecerão na nossa memória e a inspirar a nossa acção».
Na ocasião usou ainda da palavra Raul Castro, dirigente da Intervenção Democrática, um amigo de toda a vida de Virgínia de Moura.
Uma vida de luta
Virgínia Moura nasceu em 19 de Julho de 1915 em S. Martinho do Conde, Guimarães. Data de 1933 a sua ligação ao PCP, tendo nesse ano participado na organização da secção portuguesa do Socorro Vermelho (Organização de Socorro aos Presos Políticos Portugueses e Espanhóis).
Primeira mulher portuguesa a obter o título de engenheira civil, foi-lhe negado o acesso à Função Pública, pois a ficha policial já então a assinalava como séria opositora da ditadura fascista. Cursou ainda Matemáticas e frequentou a Faculdade de Letras de Coimbra.
Desenvolveu uma intensa actividade cultural no Porto nos anos quarenta e cinquenta, tendo colaborado (sob o pseudómino de Maria Selma) em vários jornais e revistas, promovido a edição da revista «Sol Nascente» e diversas conferências com a participação de Teixeira de Pascoais, Maria Isabel Aboim Inglês e Maria Lamas.
A sua intensa, firme e corajosa actividade política contra o regime fascista levou-a a em 1949 à primeira prisão o que, até ao 25 de Abril, viria a repetir-se 15 vezes.
Ainda na clandestinidade, foi membro do Comité Central do Partido Comunista Português.
Depois do 25 de Abril e nas novas condições de liberdade, Virgínia Moura continuou a luta em defesa e consolidação do regime democrático, pelas transformações capazes de assegurar uma sociedade mais justa, por um Portugal de Abril rumo ao socialismo.
Virgínia Moura foi distinguida com a Ordem da Liberdade e recebeu a Medalha de Honra da Câmara Municipal do Porto e do Movimento Democrático de Mulheres.
Por ocasião do seu octagésimo aniversário, foi-lhe prestada, no Palácio de Cristal, uma expressiva homenagem, tendo sido então publicado, pelas edições «Avante!», o livro «Virgínia Moura, mulher de Abril - Álbum de memórias».
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