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| «A Universidade de Goa decidiu atribuir a Cavaco Silva o Doutoramento honoris causa em Literatura». Não havendo razões para duvidar da veracidade da notícia – ela foi divulgada por todos os média sem que tenha havido qualquer desmentido e até há imagens que nos mostram o laureado com o canudo na mão – há razões, e muitas, para estupefacção pela ocorrência. Doutor em Literatura? Literatura quê? Portuguesa?: mas se o próprio confessou, aqui há uns anos, o seu alheamento nessa matéria, garantindo-nos, mesmo, que nem se lembrava de quantos cantos têm os Lusíadas!… Literatura europeia?: só se for isso: aí, soubemos pelo mesmo próprio mais ou menos na mesma altura, que tinha lido, uma vez, um-livro-um: «A Utopia, de Thomas Mann» (ou terá sido «A Montanha Mágica, de Tomás Morus»?).
Em todo o caso, lida a notícia até ao fim e bem vistas as coisas, o que fica para a história não é tanto o Doutoramento em Literatura com que a Universidade de Goa, ela lá saberá porquê, decidiu honrar Cavaco Silva, mas essencialmente o discurso de agradecimento por ele produzido após o recebimento do canudo. E se do facto de Cavaco Silva ter passado a ser Doutor em Literatura nenhum mal vem ao mundo, já não se pode dizer o mesmo do dito discurso. Com efeito, dizem-nos, «Cavaco Silva aproveitou para defender ‘as ideias modernas que adquiriram uma palavra na Europa’» - com isto estando a referir-se à palavra do momento, à palavra que, por si só, expressa a mais importante de todas ‘as ideias modernas’ dos tempos actuais: flexigurança (escrevem uns); flexi-segurança (escrevem outros), uns e outros sabendo que estão a dizer o mesmo, uns e outros traduzindo para que não restem dúvidas: «maior flexibilidade nas relações laborais facilitando os despedimentos, as contratações e a mobilidade» que o mesmo é dizer: dar luz verde ao grande capital para despedir quem muito bem quiser quando muito bem quiser.
Cavaco Silva manifestou-se, então, «adepto da flexigurança» - «um conceito novo», na sua opinião. E o Governo de José Sócrates «vê com agrado» a declaração de Cavaco Silva. E a pergunta que fica é esta: se o Presidente da República tem o dever, jurado em tomada de posse, de cumprir e fazer cumprir a Constituição, como é possível manifestar-se a favor dos despedimentos sem justa causa que violam a Lei Fundamental do País?
Artigo publicado na Edição Nº1729 AVANTE
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