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Estado das Coisas
2010 - Mais do mesmo
O Centenário da República, que terá lugar no ano que agora nasceu, devia servir para uma ampla reflexão sobre as virtudes da República e do regime democrático em vez de celebrações encomiásticas. Devia discutir-se, com assombro e alma, o regime político vigente, a separação de poderes na organização política do Estado, o sistema de justiça, a transparência da vida democrática e o tipo de sociedade que somos e queremos, numa lógica europeia.
.Temo que tal não vai acontecer e 2010 vai mesmo ser mais do mesmo.
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Não creio que, por ora, a democracia esteja em causa, até porque a integração europeia foi, é e será uma válvula de segurança. Apesar do que disse Fialho de Almeida – «em países cultos e com uma noção definida de liberdade, república e monarquia constitucionais são tabuletas anunciando uma só mercadoria» – continuo a confiar nos valores republicanos em democracia. Acredito que o problema não está na democracia, mas nos homens que dela se apoderaram com promessas que colonizam o voto e mercantilizam o pensamento dos portugueses. Embora a democracia tenha princípios sólidos, ela é prisioneira desta nova modernidade e deste homem novo sem ética e sem moral.
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A reflexão seria desejável porque a democracia está confrontada com uma crise financeira brutal, com um deficit que caminha para os 10%, com um Estado sem margem de manobra, de cofres vazios e com os custos de dívida pública de dois milhões de euros a cada hora que passa.
E, naturalmente, com o descalabro da justiça.
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Apesar da crise financeira e económica, culpa da ganância e da ausência de regulação no sector financeiro, a justiça representa o maior fracasso das políticas reformistas da democracia. Nem na ditadura o descrédito e a falta de eficácia foram tão acentuados.
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Em vez de estudo, discussão e reflexão, o que temos é sempre o mais fácil: leis e mais leis, pseudo-reformas a todo a vapor.
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Anunciou, o novo governo, novas alterações na lei de divórcio, nas custas judiciais, na acção executiva, na prisão preventiva, nos prazos de inquérito, na uniformização de regime de detenção e que vai reavaliar o novo mapa judiciário, devido às dificuldades verificadas. Legislação esta que foi alterada há muito pouco tempo. As alterações constantes, os erros legislativos demoram muito a ser reparados. Esta é a causa principal da morosidade da justiça e da falta de qualidade do regime judicial.
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Mas a qualidade da justiça também depende da sua capacidade de se questionar. Como disse Teresa de Calcutá, a nossa missão não é julgar o que é justo ou injusto: é apenas ajudar.
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Rui Rangel, Juiz Desembargador
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