A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, abril 21, 2007


A mulher e a família





É inegável que a hierarquia católica portuguesa atravessa uma surda mas profunda crise. O facto é evidente embora, na perspectiva do clero, o problema seja transitório. O corpo sacerdotal tem a experiência anterior de outros sobressaltos de percurso e sabe que eles não se podem evitar. Recusa-se, por outro lado, a admitir que nestes casos, tal como acontece com certas doenças depressivas, o regresso à normalidade seja sempre relativo e da depressão não se saia sem marcas que perdurem.

A verdade é que a crise está instalada. Os sinais de alarme surgem de todos os lados. A igreja recuou no referendo da IVG mas não é só isso. No clero católico também há divisões profundas quanto às posições de princípio que as chefias católicas devem respeitar nas áreas sociais, políticas, económicas, administrativas, éticas, culturais ou ecuménicas. A crise de valores aprofunda-se quando se debatem os grandes escândalos em fase de investigação e os católicos percebem que em numerosos casos de fraude – das autarquias às OPAS, do futebol às obras públicas ou à construção civil – é necessário fazer-se ginástica de alto nível para evitar beliscar as organizações dependentes da igreja e que nesses enredos invariavelmente marcam presença.

Tudo isto não mata os padres mas ... mói-os. É claro que pode muito o peso de anos e anos da severa disciplina imposta às consciências nos seminários e pelo catecismo católico, mas não esqueçamos que os sacerdotes também são cidadãos. De uma cidadania adormecida, é certo. E com uma humanidade misturada com a rigidez do dogma. Mas há valores latentes susceptíveis de um dia poderem despertar.

É o caso da Mulher e da Família. A hierarquia proclama o culto da Mulher/Mãe mas não luta pela integração da mulher na sociedade nem, sequer, na própria igreja. Os sacerdotes compõem longos sermões acerca da Família mas assistem impavidamente à sua destruição.
A igreja institucional canonizou o dinheiro e intervém abertamente no mundo dos negócios. Assim, quando se trata de denunciar crimes sociais, a generalidade do clero cala-se e consente. A realidade é que a mulher, a família, as crianças e os velhos, são ferozmente violados nos seus direitos mesmo ali, às portas de uma igreja comprometida com o poder dos ricos.

O pátio dos horrores

Na actual sociedade capitalista é sobre a mulher portuguesa pobre e trabalhadora que desabam os destroços da família. Mal preparada para as contínuas inovações tecnológicas, é ela a primeira vítima do desemprego e da exclusão social. Com os mais baixos salários europeus e o perigo sempre presente da perda do posto de trabalho, essa mulher é muitas vezes forçada a aceitar em silêncio a perda de direitos e a vergar-se à tirania dos interesses dos patrões para quem trabalha. É ela o eixo central da família – mas de que família se trata? A habitação em que vivem (ela, o marido, os filhos, os pais) é cara e de má qualidade. Se, um dia, conseguiu juntar algum dinheiro foi para comprar um andar. Endividou-se e é agora perseguida pelo pavor de não poder pagar ao banco, de não haver dinheiro para as propinas dos filhos, de ser incapaz de compensar o eventual desemprego do marido ou de acudir às doenças dos pais. Por outro lado, fascinadas pela imagem da sociedade de sucesso com que as intoxicam, as trabalhadoras são presas vulneráveis do mercado, tentadas a viver acima dos seus inseguros rendimentos. Contraem dívidas e mais se apavoram. Tecem uma teia de sujeições que são incapazes de romper. Escravizam-se e sobrevivem mal. É a vitória final da sociedade de mercado, do capitalismo, sobre o ser humano. Assim, para centenas de milhares de mulheres a sociedade capitalista é o pátio de todos os horrores.

Posta perante estes cenários de catástrofe a hierarquia da igreja, que se reclama «perita em Humanidades», vota as pessoas e as famílias pobres, vulneráveis e dependentes, ao mais completo abandono. E a situação degrada-se continuamente. Omitem-se os crimes e ocultam-se os nomes dos culpados. Nos seus diferentes níveis, os sacerdotes católicos mostram-se muito mais interessados na intriga política ou nas operações da fusão de capitais do que no destino das operárias despedidas no têxtil, na indústria automóvel, nos serviços, por causa das falências ou, simplesmente, por terem ficado grávidas.

Para os bispos católicos, nada disto é novidade. Tal como não é novo saber-se que a igreja optou – mal, mas em definitivo! – por unir-se aos nababos do bezerro doirado, aos banqueiros que entre si distribuem os milhares de milhões que os trabalhadores pagam com a fome e com o desemprego. Só ao povo cabe «apertar o cinto», enquanto os bispos partilham a mesa dos ricos.


Artigo publicado na Edição Nº1736 Avante 2007.03.08

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