O perigo da Bolkestein regressa
* Ilda Figueiredo
* Ilda Figueiredo
Avante!
Não nos podemos esquecer que a aposta no liberalismo económico com a defesa prioritária da «livre concorrência não falseada» que Comissão, Conselho e maioria do Parlamento Europeu apoiam, e aparece consagrada na dita «constituição europeia», é, só por si, um ataque aos serviços públicos. Defendemos que deve continuar a caber a cada País o direito soberano de decidir sobre os serviços públicos que deseja, a sua propriedade pública, a sua forma de financiamento e organização, os direitos dos trabalhadores e dos utentes.
A insistência na tentativa de dar por adquirida a divisão dos SIG, abrindo totalmente à concorrência os serviços de interesse económico geral, ou seja, liberalizando os serviços públicos passíveis de dar lucro, é muito perigosa. E a solução não passa por apresentar agora uma proposta de directiva sobre os SIG - serviços de interesse geral, como aparece o PSE a defender, depois de ter acordado com o PPE uma má posição sobre a directiva de liberalização dos serviços.
A chamada «directiva Bolkestein», que ainda não é uma directiva mas um projecto de directiva relativa aos serviços no mercado interno, vai ter novo debate no Parlamento Europeu, na próxima semana, a 14 ou 15 de novembro.
Depois do debate e votação no Parlamento Europeu, em fevereiro de 2006, e perante a manifestação em Estrasburgo, houve algum recuo relativamente à proposta de 2004, mas mantiveram-se as linhas gerais, tendo por base um acordo PSE/PPE. A segunda versão da Comissão Europeia surgiu, depois, a 4 de Abril de 2006 e a segunda leitura do Conselho tem a data de 29 de Maio de 2006. Aí foram retomados alguns dos seus aspectos iniciais mais negativos.
O que pretendem, em linhas gerais, é a liberalização dos serviços, incluindo na área dos serviços públicos, cedendo à pressão do grande capital, estabelecendo linhas directrizes que pretendem impor a todos os estados-membros.
A actual proposta de compromisso do Conselho, embora sem fazer referência expressa ao «país de origem», abre caminho a uma desregulamentação massiva e à aplicação deste princípio ao remeter expressamente para a interpretação do Tribunal de Justiça Europeu a resolução de conflitos que possam surgir devido a normas que os estados-membros insistam em tomar ou manter na defesa dos seus interesses (incluindo normativos em matéria de condições de emprego), ou quando sublinha que tais normas não podem prejudicar a aplicação das regras de concorrência.
Um dos aspectos mais negativos desta segunda leitura é a inclusão da divisão dos chamados Serviços de Interesse Geral (SIG), que vulgarmente conhecemos como serviços públicos, em duas partes: serviços de interesse económico geral e serviços sociais de interesse geral para acrescentar que esta directiva só não se aplica aos serviços sociais de interesse geral, deixando cair algumas salvaguardas dos serviços públicos que o Parlamento Europeu tinha incluído na sua primeira leitura de 16 de Fevereiro.
Entretanto, dando continuidade ao texto inicial de 2004, prossegue a desregulamentação massiva, ao afirmar em diversos artigos que os Estados devem suprimir das suas legislações e regulamentações disposições que imponham a um fornecedor ou a um prestador de serviços provenientes de um outro Estado-membro.
Assim, querem que fique proibido, por exemplo, o Governo de cada País exigir requisitos de nacionalidade para a empresa, o seu pessoal, as pessoas que detêm o capital social ou, sequer, os membros dos órgãos de gestão e fiscalização residirem no seu território; ter um estabelecimento nesse território; obter uma autorização, estar inscrito num registo, estar inscrito numa ordem profissional ou associação. Até é proibido exigir condições de reciprocidade com o estado-membro onde o prestador possua já o seu estabelecimento, com excepção das previstas nos instrumentos comunitários em matéria de energia, ou sequer dotar-se de certas infra-estruturas ou equipamentos ou, mesmo, requisitos que impõem um número mínimo de empregados.
Fácil é perceber que se os estados-membros têm de suprimir, ou seja, retirar do direito nacional as defesas dos seus serviços em geral, a questão que se coloca é saber como será possível verificar o respeito do direito do trabalho a um operador que não está registado, que não tem residência fixa, que é livre de determinar a qualificação do seu pessoal e o número de pessoas a admitir. Será também uma forma de pressão sobre os trabalhadores nacionais.
Mas a lógica e os princípios presentes na directiva são também prejudiciais à generalidade dos cidadãos dado que, além do mais, o artigo 16.º sobre a liberdade de prestação de serviços só não é aplicável a alguns serviços de interesse económico geral onde já há outras directivas sobre liberalizações.
Como o novo texto nada diz sobre a legislação aplicável à empresa, por ter sido suprimida a expressão «país de origem» (mas não refere a expressão «país de destino ou de acolhimento» que o nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia apresentou no debate do PE, que a recusou), fácil é concluir que, na dúvida, o Tribunal de Justiça Europeu continuará a decidir como tem feito até agora, aplicando a legislação do país de origem, aliás, disposição introduzida no direito comunitário pelo Acto Único proposto em 1986 por Jacques Delors.
Torna-se mais difícil aos cidadãos defenderem os seus direitos, seja como consumidores e utentes dos serviços, seja como trabalhadores. Também, devido à perda progressiva de soberania, cada estado-membro terá menos poder para defender os serviços públicos, os consumidores, os micro e pequenos empresários e os trabalhadores.
A insistência na tentativa de dar por adquirida a divisão dos SIG, abrindo totalmente à concorrência os serviços de interesse económico geral, ou seja, liberalizando os serviços públicos passíveis de dar lucro, é muito perigosa. E a solução não passa por apresentar agora uma proposta de directiva sobre os SIG - serviços de interesse geral, como aparece o PSE a defender, depois de ter acordado com o PPE uma má posição sobre a directiva de liberalização dos serviços.
É que não nos podemos esquecer que a aposta no liberalismo económico com a defesa prioritária da «livre concorrência não falseada» que Comissão, Conselho e maioria do Parlamento Europeu apoiam, e aparece consagrada na dita «constituição europeia», é, só por si, um ataque aos serviços públicos. Defendemos que deve continuar a caber a cada País o direito soberano de decidir sobre os serviços públicos que deseja, a sua propriedade pública, a sua forma de financiamento e organização, os direitos dos trabalhadores e dos utentes.
Por tudo isto, impõe-se uma redobrada atenção e luta contra a liberalização dos serviços em geral e os serviços públicos em especial.
[Artigo tirado do xornal 'Avante!', número 1.719, 9 de novembro de 2006]
in CIG -
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