25 de Abril
Tempo de vida !
Tempo de afirmação !
* Victor Nogueira
A vida, o trabalho e a segurança no emprego são o núcleo fundamental que dá conteúdo, sentido e fundamento ao direito à liberdade e a todos os outros que ao longo da história têm sido conquistados!
As eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975, foram o 1º sufrágio em liberdade, verdadeiramente universal, realizado em Portugal, com uma afluência e participação empenhada e histórica de 91% da totalidade dos cidadãos, homens e mulheres recenseados.
«Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.», afirma o preâmbulo da Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976, que acolheu e consagrou importantes direitos e conquistas e fixou como objectivos do Estado a construção duma sociedade socialista, com base no exercício do poder pelas classes trabalhadoras e participação activa das populações. Em consequência a Constituição determinou a propriedade pública dos principais meios de produção e de sectores estratégicos da economia nacional, base para a concretização dum conjunto de direitos sociais, económicos e culturais que a tornaram a mais avançada do chamado «mundo ocidental»
As revisões constitucionais, iniciadas em 1982, contra os trabalhadores e as suas organizações de classe, têm-se traduzido na inversão do processo de desenvolvimento económico e social da sociedade portuguesa e da sua democratização a todos os níveis. A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, sem qualquer consulta popular, tem constituído outro importante instrumento para a recuperação do Capital transnacional, que se opõe à Europa Social e dos Trabalhadores.
Perante a intensificação da brutal ofensiva contra os direitos das populações e dos trabalhadores, desencadeadas por sucessivos Governos de Portugal, vejamos o que está por detrás da "limpeza" ideológica de que o actual Governo PSD/CDS é uma das agudas, impiedosas e ferozes pontas de lança.
Esta ofensiva, desde logo iniciada pelo I Governo Provisório, foi conduzida, com não menor intensidade, pelo PS/Mário Soares que, na Assembleia da República e no I Governo Constitucional, aprovaram leis que abriram caminho à posterior reprivatização das empresas nacionalizadas e à restauração da agricultura latifundiária e do capitalismo monopolista. A Lei dos contratos a prazo (1978) foi outra peça fundamental na ofensiva contra o direito à vida e ao trabalho.
Da 1ª revisão constitucional (1982) resultou a eliminação das referências à transição para o socialismo, às relações de produção socialistas, ao poder democrático das classes trabalhadoras, à transformação numa sociedade sem classes, à abolição da exploração do homem pelo homem. Ao substituir o princípio da propriedade colectiva dos principais meios de produção pelos duma economia mista, embora baseada num núcleo essencial de empresas que não poderiam ser (re)privatizadas e com restrições à iniciativa privada, ao determinar que deixava ser tarefa do Estado apoiar as experiências de autogestão e ao limitar o alcance da Reforma Agrária, a maioria na Assembleia da República consagrou os ataques à base material duma outra ordem económica e social, que era garantia da concretização dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais das classes trabalhadoras.
Em consequência, de 1983 a 1989 alterou-se a delimitação dos sectores públicas, o que permitiu que o capital privado se reapoderasse de sectores estratégicos e fundamentais da economia, como a banca, os seguros e as cimenteiras. A transformação de empresas estatais em sociedades anónimas (TAP, Portucel, Siderurgia Nacional, TLP, Quimigal) e a fragmentação e divisão doutras (Rodoviária Nacional, Quimigal, EDP, Siderurgia, CP, Brisa) permitiram a reconstituição do poder do grande Capital.
A 2ª Revisão (1989) teve como objectivo fundamental eliminar a protecção e consagração constitucional de grandes transformações económicas e sociais e conquistas da revolução como as Nacionalizações e a Reforma Agrária, suprimindo conceitos como propriedade social dos meios de produção, municipalização do solo urbano (com efeitos negativos na construção de habitação social e ordenação do território), redefinindo-se os limites materiais das futuras revisões constitucionais. Iniciou-se a revisão dos princípios da representação proporcional eleitoral, 1º passo para a bipolarização e alternância política entre o PS e o PSD.
Apesar de tudo, quanto aos princípios fundamentais, a Constituição Económica continuou a ter como objectivo a instauração da democracia económica, com vista à construção duma «sociedade livre, justa e solidária».
Contudo os ataques aos trabalhadores prosseguiram com a Lei dos despedimentos individuais e colectivos (1989), admissão do trabalho temporário e precarização do emprego, revogando‑se a lei de protecção aos representantes dos trabalhadores.
Em 1990, foi aprovada legislação sobre privatizações, saúde, reforma agrária e regime eleitoral da Assembleia da República. Em 1991 foi revista Lei de delimitação dos sectores estabelecendo-se também novo regime de cálculo das indemnizações aos proprietários do capital das empresas nacionalizadas.
A 3ª e 4ª revisões (1992 e 1997) adaptaram o texto constitucional aos princípios dos Tratados da União Europeia - Maastricht e Amsterdão - consagrando ainda outras alterações relativas à capacidade eleitoral de cidadãos estrangeiros, possibilidade de criação de círculos uninominais e reconhecimento do direito de iniciativa legislativa aos cidadãos. Contudo a Lei Constitucional n.° 1/92 não autorizou a integração de Portugal numa federação nem operou a transferência de poderes para órgãos comunitários.
De 1994 a 1998 criaram-se condições para a entrega ao sector privado da Marinha Mercante nacional, dos Correios, Transportes Ferroviários, Portos e Indústrias ligadas à Defesa Nacional, impedindo-se a participação de empresas públicas em concursos públicos, como sucedeu com a EPAL (abastecimento de água).
Também a 4ª revisão constitucional (1997) impôs a realização dum referendo para a criação das Regiões Administrativas, consagradas na Constituição de 1976 como parte integrante do Poder Local democrático. Foi também alterado o sistema eleitoral, para as Autarquias Locais e para a Assembleia da República, com o fim de acentuar a bipolarização PS / PSD, com marginalização crescente das restantes forças partidárias e correntes de opinião.
No campo económico e social a 4ª revisão adiantou princípios para facilitar as privatizações e diminuir os direitos dos trabalhadores e das suas organizações representativas; com efeito eliminou o princípio de que o dever de trabalhar é inseparável do direito ao trabalho e consagrou a necessidade de assegurar serviços mínimos em caso de greve, a definir pelas associações sindicais, que deixaram de participar no controle da execução dos planos económico-sociais, enquanto as comissões de trabalhadores deixam de intervir na reorganização das actividades produtivas.
Apesar de todas as revisões anteriores, a Constituição Portuguesas de 1976 continua ainda a ser uma das Constituições mais progressistas do mundo, que pode ser invocada em nome e em favor da política de esquerda necessária e indispensável para o progresso do país.
Está em curso um novo processo de revisão constitucional, o 6º, sendo útil «percorrer» o projecto apresentado pelo CDS/PSD, que se propõe subverter radicalmente a Constituição de 1976.
Logo de início pretendem eliminar o Preâmbulo da Constituição, que resiste desde 1976, renovando a tentativa de negar o carácter do processo revolucionário de 25 de Abril, que teve como objectivos instaurar a democracia política, económica, social e cultural bem como o desenvolvimento socio-económico e a descolonização, decorrente do direito dos povos à independência.
As sucessivas revisões constitucionais têm diminuído os limites materiais impostos à Assembleia da República. Contudo, o PSD/CDS querem ir mais longe, pondo em causa aspectos fundamentais como são:
a) a forma republicana de governo (adoptada desde 1910),
b) os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais,
c) a autonomia das autarquias locais,
d) a fiscalização da constitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas (todas consagradas em 1976),
e) a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção,
f) a existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista; (estes resultantes da revisão de 1989).
Relativamente à integração na Europa do Capital o PSD/CDS pretendem que as normas da Constituição Europeia e o direito adoptado pelas instituições da União vigorem directamente na ordem interna e prevaleçam sobre as normas de direito interno, ao mesmo tempo que eliminam o princípio de que a actividade económica e os investimentos estrangeiros devem ser condicionados pela garantia de contribuírem para o desenvolvimento do país e que ao Estado compete defender a independência nacional e os interesses dos trabalhadores.
No projecto PSD/CDS patronato e capitalistas são rebaptizados de «empregadores», que passam a «ver» constitucionalmente garantidos direitos como os de participar na elaboração da legislação do trabalho e de se fazerem representar nos organismos de concertação social, em pé de igualdade com os trabalhadores e suas organizações representativas.
Por outro lado as Comissões de Trabalhadores (CT´s) perdem «o direito de intervenção democrática na vida de empresa» e «ganham» o «de acompanharem a vida da empresa, nomeadamente a sua gestão», excluindo-se os direitos de «exercer o controlo de gestão nas empresas» (1976) e de «participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho». De igual modo as CT´s deixariam de poder «promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas». (1982). Outro direito - o de autogestão dos trabalhadores - consagrado em 1976, que se manteve desde 1982, seria abolido.
Enquanto se criam deveres para os trabalhadores a Constituição deixaria de garantir «a segurança no emprego», criando-se ainda mais limitações ao exercício do direito à greve.
De acordo com os interesses capitalistas o PSD/CDS propõem-se eliminar princípios da organização económico-social, como o «planeamento democrático do desenvolvimento económico e social», a «protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção e a «participação das organizações representativas dos trabalhadores (...) na definição das principais medidas económicas e sociais». Também as CT´s perderiam o direito de «participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector.»
Em conformidade deixariam de ser tarefas prioritárias do Estado
a)«assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público»; b) «orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo» ou c) nas relações económicas internacionais salvaguardar «sempre (...) os interesses dos portugueses e da economia do país.»
Reconhecendo e consolidando o direito de iniciativa e propriedade privadas, o PSD/CDS deixam de considerar no sector cooperativo e social «os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais» (como os baldios) e os que são «objecto de exploração colectiva por trabalhadores. ou de (apoiar) as iniciativas viáveis de autogestão». Também «nas unidades de produção do sector público (deixaria) de ser assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão.»
A Reforma Administrativa e do Estado, defendida pelo PS, PSD e CDS, tem como finalidade exclusiva «libertar» o Estado das suas funções sociais, com a sua entrega à dinâmica do lucro capitalista, em áreas importantes como a segurança social, a saúde e o ensino. A fúria privatizadora alarga-se já a tudo quanto possa dar lucro e rendimento ao Estado: estradas, telecomunicações, electricidade, água, resíduos sólidos urbanos, florestas, notariado, administração fiscal e segurança pública. Vejamos o que tem resultado das sucessivas revisões da Constituição de 1976.
Apesar da revisão de 1982, quanto à Segurança Social é tarefa do Estado «organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.» Em conformidade com a Reforma da Segurança Social já aprovada, pretendem as forças de direita que a Constituição se limite a acolher que «o sistema de segurança social rege-se pelos princípios da solidariedade e da equidade sociais e compreende o sistema público, o sistema de acção social e o sistema complementar.»
O Serviço Nacional de Saúde, que em 1976 era universal, geral e gratuito, independentemente da situação económica dos utentes, passou em 1982 a tendencialmente gratuito, introduzindo-se em 1997 disposições com o fim de dar vantagem ao sector privado na concorrência com o sector público. Com o projecto do PSD/CDS o direito à saúde passaria a ser assegurado pelo Estado «através de um serviço nacional de saúde universal e geral, tendencialmente gratuito para os mais carenciados de meios económicos», devendo o Estado financiar a apoiar o sector privado, eliminando-se a sua obrigação de «orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos.»
Na Educação, em 1976, eram deveres do Estado «modificar o ensino de modo a superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho» e «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.» A revisão de 1982 eliminou a obrigação do estímulo à entrada de trabalhadores e filhos de trabalhadores na universidade. Com o seu projecto, o PSD/CDS pretendem eliminar um imperativo resultante da revisão de 1992: o de que «o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade», estabelecendo simultaneamente que o Estado deve «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino para os mais carenciados de meios económicos.», cabendo-lhe «estimular» o ensino particular e cooperativo, deixando de ter a obrigação de criar uma «rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população», resultante da Constituição de 1976.
A chamada Reforma Administrativa do Estado, nos sectores da Saúde, Ensino e Segurança Social, teriam como consequência a existência de dois sectores - o estatal seria "caritativo", para os mais desfavorecidos. O mais lucrativo seria entregue à gula do Capital especulativo e financeiro: banca e seguros.
Ao longo das linhas anteriores constatou-se como nas sucessivas revisões constitucionais tem sido sucessivamente limitados os direitos de intervenção e de participação das populações e das suas organizações representativas no planeamento e na gestão da actividade económica, da saúde, do ensino e da segurança social. No entanto, ao longo de todos estes anos PS, PSD e CDS apregoam aos quatro ventos a necessidade duma maior participação dos cidadãos na vida pública e duma maior proximidade entre eleitos e eleitores, com aumento da capacidades destes responsabilizarem e conhecerem os seus representantes, que até deveriam ser cidadãos independentes de partidos. Significa isto que deveriam as sucessivas revisões constitucionais garantir a concretização destes objectivos e favorecer a possibilidade de expressão e de actuação de correntes minoritárias.
Ora, no que à Assembleia da República se tem verificado é a sucessiva diminuição do número de deputados: desde 240 a 250 em 1976 até ao mínimo de 180 em 1997. Por seu lado o PSD/ CDS no seu projecto propõem um novo órgão de soberania, com funções legislativas, o Senado, com o máximo de 50 membros eleitos por sufrágio indirecto e restrito e um número não determinado de "notáveis" por inerência.
A revisão de 1982 restringiu as organizações populares de base às comissões de moradores mas manteve como finalidade destas «intensificar a participação das populações na vida administrativa local» e que «podem ser constituídas organizações de moradores residentes em área inferior à da respectiva freguesia.». enquanto a Constituição lhes reserva «realizar as tarefas que a lei lhes confiar ou os órgãos da respectiva freguesia nelas delegarem.» No seu projecto o CDS / PSD pretendem a sua eliminação pura e simples.
Também o PSD / CDS, agravando as revisões de 1997 e de 2001, deixam de considerar as Regiões Administrativas como órgãos do Poder Local, afastando a obrigatoriedade da sua criação, substituindo-as por outras formas de organização territorial autárquica, retirando à Assembleia da Republica a reserva absoluta da competência legislativa relativa ao «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal», admitindo assim que possam não resultar do sufrágio directo e universal. Note-se que já na revisão de 1989 as regiões administrativas haviam deixado de obrigatoriamente coincidir com as regiões-plano.
No seu projecto o CDS / PSD admitem a possibilidade de referendo sobre alterações à Constituição, deliberado pela Assembleia da República por maioria simples, e a possibilidade de sobreposição de eleições e referendos, abrindo caminho a tentativas plebiscitárias de concentração de poder.
Deste modo o Governo PSD/CDS e o grande capital procuram cobertura constitucional para aprofundar o conjunto de (contra)reformas (código laboral, leis dos partidos, revisão profunda das leis da saúde, educação, segurança social e outras) que violam direitos e garantias fundamentais dos portugueses. e para impor a aceitação de soluções federalistas, neo-liberais e militaristas, a nível da União Europeia, lesivas das soberanias nacionais e dos direitos dos trabalhadores e dos povos.
Os portugueses esperavam certamente que Portugal fosse melhor neste início do século XXI. Por isso Abril está vivo ! Está vivo, na luta dos trabalhadores, no descontentamento dos jovens, na acção dos homens e das mulheres que acreditam ser possível construir uma sociedade onde imperem os valores da solidariedade, da justiça social, do desenvolvimento socio-económico e da paz entre os povos.
Sem comentários:
Enviar um comentário